http://www.comciencia.br/reportagens/2004/09/11.shtml
Data de publicação: 10/09/2004 |
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O capitalismo universitário * Boaventura de Sousa Santos Escrevo de Guadalajara onde estou participando de uma reunião do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais em que estão representados os 130 centros de investigação mais importantes da região. Duas décadas de neoliberalismo e os efeitos devastadores que provocaram nas sociedades latino-americanas contribuíram para que as ciências sociais do continente começassem a ganhar mais distância em relação às suas congêneres norte-americanas e procurassem reencontrar-se com a sua tradição crítica e analítica, renovando-a em função dos novos desafios. Esta reunião foi testemunho disso. Mas foi também testemunho da dificuldade desse reencontro num contexto universitário que se alterou profundamente nas duas últimas décadas e precisamente por influência das políticas neoliberais promovidas pelo Banco Mundial. Os títulos dos livros recentes sobre as universidades são elucidativos: Universidade em ruínas, Universidades na penumbra, O naufrágio da universidade, A universidade sitiada, etc. As causas de um diagnóstico tão negativo têm a ver com a aplicação das políticas do Banco Mundial as quais, aliás, têm vindo a ter uma aplicação universal, inclusive no nosso país. Consoante os contextos, essas políticas são impostas como parte de pacotes financeiros ou são adotadas por elites locais, técnicos de educação prestigiados e com poder político. Essas políticas têm o seguinte perfil geral: promoção da privatização; fim da gratuitidade das universidades públicas, substituída por um sistema compensatório de bolsas de estudo; criação, mediante esquemas de avaliação, da estratificação entre universidades, com acessos desiguais a recursos e com valores de mercado diferenciados atribuídos aos seus licenciados; atenuação da responsabilidade financeira do Estado pela universidade pública e o correspondente incentivo a que esta gere receitas próprias. Essas políticas têm sido aplicadas de modo muito diferenciado. Por exemplo, o Canadá defendeu a universidade pública melhor que a Austrália, a Espanha, melhor que Portugal, o México, melhor que o Brasil. Mas, em geral, o que está em causa é a criação de um mercado educativo e a constituição de um capitalismo universitário. Três desenvolvimentos recentes são elucidativos. Primeiro, a emergência de universidades globais, quase todas norte-americanas e européias, que vendem às universidades do Sul pacotes de programas de pós-graduação, presenciais ou à distância, mediante o sistema de franchising. Neste sistema, o controle da qualidade e da certificação dos títulos conferidos pela universidade local é feito pela universidade global. Segundo, o desenvolvimento das universidades de empresa, de que a General Motors foi pioneira em 1950 e de que há hoje, só nos Estados Unidos, cerca de 1600, onde se destacam a Universidade de Computadores da Dell ou a Universidade Sim Microsoft. Segundo um analista do Financial Times: "os investidores vêem o mercado da educação como uma nova fronteira que mal começou a ser colonizada pelas eficiências da internet". Este constitui o terceiro elemento da mercantilização da universidade e da educação em geral. O Banco Mundial pretende deixar de ser um banco de desenvolvimento para passar a ser um banco de conhecimento e os documentos recentes da Organização Mundial do Comércio sobre educação vão no mesmo sentido. A idéia é ambiciosa e assenta-se na premissa de que toda a atividade humana organiza-se melhor se organizada como mercado. Vai envolver a criação de empresas de serviços de professores, empresas de produção de materiais e textos e de empresas de avaliação dos alunos e de certificação. Vai envolver, sobretudo, a promoção do acesso ao conhecimento através de bancos de dados patenteados e, portanto, sujeitos ao pagamento de royalties. Com este cenário em pano de fundo, como vai ser possível manter a autonomia analítica e crítica da investigação e do ensino universitários? Como escrevi um dia, se a universidade não se repensar, a curto prazo só terá curto prazo. Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e diretor do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. * Este artigo foi, originalmente, publicado na revista Visão em 29 de novembro de 2001. Leia entrevista com Boaventura de Sousa Santos sobre a privatização da universidade. |
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Atualizado em 10/09/2004 |
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