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Centro
de São Paulo: revitalização,
especulação ou higienização?
A
construção de rampas com piso áspero na passagem
subterrânea entre duas avenidas em São Paulo (Paulista
e Dr. Arnaldo), que busca dificultar que moradores de rua lá
se abriguem, teve como justificativa a diminuição
de assaltos no local. A obra integra um conjunto de ações
visando a revitalização do centro paulistano, palco
de medidas polêmicas tomadas nos últimos meses pela
prefeitura municipal. O debate acadêmico sobre essas modificações,
que se dão de forma semelhante em várias partes
do mundo, volta-se agora ao que se classifica como processo de
gentrificação (enobrecimento) da região central
da cidade.
Reintegrações de posse de prédios ocupados
por integrantes do movimento dos sem-teto (algumas envolvendo
confrontos violentos entre moradores e polícia), intensificação
da fiscalização contra comerciantes informais, tentativa
de transferir catadores de lixo para fora do centro, desapropriação
de imóveis na área conhecida como Cracolândia,
e concessão de incentivos fiscais às empresas que
lá se instalarem são algumas das medidas criticadas
por pesquisadores das áreas de arquitetura, urbanismo e
geografia. Eles afirmam que, sob o pretexto da revitalização,
está em curso um nítido processo de “higienização
social”, mediante a expulsão da população
pobre do centro, e questionam a eficácia e a intenção
dessas ações.
Mariana Fix, pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP, avalia que há a clara intenção de
mudança do perfil da população. “A
gestão atual - diz ela -reafirmou várias vezes que
a habitação social não faz parte do projeto
de renovação da área central”. Programas
de moradia para a população de baixa renda do centro
estão entre as principais reivindicações
do Fórum Centro Vivo (FCV), o qual a pesquisadora integra.
Fundado em 2000, o FCV reúne grupos organizados dos movimentos
populares urbanos, sindicatos, estudantes, pesquisadores de universidades,
entidades de defesa de direitos humanos, cultura e educação,
que são contrários à forma como a intervenção
no centro está sendo implementada. “A linha central
é de um projeto tradicional de revitalização
de áreas centrais, marcado pela exclusão”,
critica Mariana Fix.
Já o engenheiro Marco Antônio Almeida, presidente
executivo da Associação Viva o Centro (AVC), não
vê esse caráter excludente na revitalização
do centro. “Não se trata de obrigar ninguém
a sair do centro, mas também não se deve incentivar
a vinda deles (população pobre)”, defende
ele. Surgida em 1991, a associação congrega principalmente
empresários interessados nas modificações
da região central.
Para Almeida, as ações recentes da prefeitura paulistana
atendem, em linhas gerais, o tipo de recuperação
do centro defendido pela AVC. “O que falta ao centro é
um sistema eficiente de gestão”, afirma o engenheiro.
“O centro precisa ser melhor cuidado. Os problemas do centro
são essencialmente questões de zeladoria e segurança
urbana”, complementa. Ainda segundo o presidente da AVC,
a região central de São Paulo caracteriza-se pela
multifuncionalidade e diversidade, que devem ser preservadas e
inclusive aproveitadas para fins turísticos.
Em relação à população, Almeida
defende que moradores de rua devem receber assistência social
do poder público. Para aqueles que moram em prédios
ocupados, a solução seria outra: “Existem
áreas enormes a menos de mil e quinhentos metros do núcleo
central, onde podem ser feitos conjuntos habitacionais de poucos
andares”, sugere Almeida ressaltando que reformar prédios
da área central para abrigar essa população
não é uma alternativa adequada. Segundo ele, o alto
custo de manutenção desses edifícios, com
o qual os moradores não poderiam arcar, “ocasionaria
novamente a deterioração e o risco de dominação
por marginais”.
Exemplo emblemático
Segundo Mariana Fix, a região conhecida como Cracolândia,
no centro de São Paulo, é ilustrativa das reais
intenções das intervenções, na medida
em que mescla interesses privados e uso do poder público.
Em 1999, a inauguração da Sala São Paulo,
parceria entre governo estadual e iniciativa privada para transformação
da estação de trem Júlio Prestes em espaço
para apresentações culturais, representou a tentativa
inicial de promover modificações na região,
estigmatizada pela deterioração e violência.
“Os agentes do processo diziam que estavam promovendo um
salto civilizatório na Cracolândia e que a inauguração
da Sala não era simplesmente um equipamento cultural. O
que de fato estava em jogo era um projeto de transformação
do centro que incluía a regeneração do tecido
urbano, a revalorização da área, e mais explicitamente,
a retomada dos negócios imobiliários”, afirma
a arquiteta.
Para ela, o recente decreto municipal que declara 105 mil m2 da
região como utilidade pública representa uma nova
etapa do processo, no qual o poder público municipal desapropriará
imóveis situados na área e tentará transformá-la
em um pólo tecnológico.
Segundo Fix, a promoção deste processo é
o que pauta o projeto de revitalização do centro
de São Paulo na atualidade. “No entanto, sua implementação
é, por razões históricas, dificultada, pois
se formam ilhas dentro das regiões deterioradas”,
afirma a arquiteta. Já o presidente da Viva o Centro discorda
de que é a valorização imobiliária
que se busca no processo de requalificação do centro.
“O que se quer promover é justamente o oposto: aumentar
o uso social das terras”. Segundo Almeida, levar a população
da periferia para áreas desocupadas mais próximas
ao centro representaria um uso mais racional das terras e permitiria
uma gestão mais eficiente da cidade. Assim, a proposta
de recuperação do centro estaria inserida num projeto
mais amplo para a cidade.
Mariana Fix, contudo, não acredita que seja essa a intenção
do atual projeto de requalificação do centro. “Há
claramente uma disputa pelo uso da terra. A elite não abre
mão que ali seja o centro da elite”, diz a arquiteta.
“Tenta-se reafirmar que existe um projeto de convivência
(entre diferentes segmentos da população), enquanto
na prática o projeto é muito mais pautado pela violência”.
Para saber mais:
Prós e contras da revitalização de centros
urbanos
As novas fronteiras urbanas
A arquiteta Mariana Fix lembra ainda que a lógica
que move a revitalização de áreas centrais
deterioradas é evidenciada pelo geógrafo Neil
Smith na obra As novas fronteiras urbanas: gentrificação
e cidade revanchista (livro ainda não traduzido
para português). Dentre muitos teóricos que
analisam o fenômeno de gentrificação
como algo presente na maior parte das cidades do mundo,
Smith observa as regiões centrais de cidades norte-americanas
a partir do pós-guerra, identificando um processo
de especulação imobiliária. “Para
o autor, o baixo custo das terras nessas áreas é
considerado pelos investidores como potencial de gerar lucro,
caso haja intervenção do poder público
a partir de mudança no uso do solo ou grandes investimentos,
por exemplo. Após a instalação das
primeiras empresas eleva-se o preço da terra, gerando,
na perspectiva dos investidores, um processo virtuoso de
renovação”, explica.
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