Fórum
Social busca caminhos para uma nova ciência
Reportagem
e edição: Rafael Evangelista
A
década de 1990 assistiu a transformações importantes
no campo da pesquisa científica em todo o mundo. A explosão
da indústria da informática, a polêmica tecnologia
dos alimentos transgênicos, a Internet gráfica, os
primeiros passos para a clonagem humana, a corrida pelo sequenciamento
genético foram alguns dos processos que se iniciaram ou se
intensificaram na década passada. No contexto mundial, a
queda de algumas barreiras comerciais entre os países está
na raiz dessas mudanças. As grandes corporações,
ao intensificarem o comércio com países subdesenvolvidos,
demandaram transformações nas leis que regulam as
transações entre os países. O enrijecimento
das leis de propriedade intelectual tornaram o conhecimento científico
- regulado pelas patentes - e os bens culturais - regulados pelos
direitos autorais - mercadorias nobres do comércio global.
Discutindo
essas questões, o Fórum Social Mundial, o grande encontro
dos movimentos sociais por alternativas ao atual modelo de globalização
colocou a ciência do século XXI e a propriedade do
conhecimento no centro de algumas discussões. O seminário
"Tecnociência, ecologia e capitalismo" e a conferência
"Saber, direitos de reprodução e patentes"
foram os debates centralizadores dessas questões.
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Mesa
do seminário "Tecnociência, ecologia e capitalismo"
- Da esquerda para a direita: Hugh Lacey, Marcos Barbosa
de Oliveira, Jean Pierre Berlan e Marcos Dantas
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Entre
os participantes estiveram presentes filósofos da ciência
como Hugh Lacey, cientistas como Jean Pierre Berlan, diretor de
pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas da
França, agricultores como Wilson Campos, representante da
Via Campesina e desenvolvedores de software como Richard Stallman,
um dos grandes expoentes do movimento pelo software livre.
O filósofo
da USP Marcos Barbosa de Oliveira, que comandou o debate "Tecnociência,
ecologia e capitalismo" justificou o questionamento sobre a
tecnociência alegando que o neoliberalismo uniu os domínios
da ciência e da tecnologia. Para ele, a esquerda e os movimentos
anti-capitalistas ainda encontram dificuldades em questionar a ciência
por serem herdeiros de um pensamento que colocava a tecnologia como
o lado bom do capitalismo. Oliveira problematizou essa idéia
apontando para as possíveis consequências de exclusão
social a partir da ligação entre ciência e capitalismo.
Na
mesma linha, o filósofo canadense Hugh Lacey propôs
a adequação da ciência aos valores do Fórum
Social Mundial. "A questão central deve ser o bem-estar
de todos e não o bem-estar do capital", afirmou ele.
Como exemplo, levantou a questão dos transgênicos,
que estão sendo utilizados mesmo que as pesquisas sobre sua
segurança não sejam conclusivas. A necessidade de
realizar rapidamente os lucros, retornando os investimentos feitos
em pesquisas, seria uma característica do neoliberalismo.
Lacey
falou sobre a existência de valores sociais na atualidade
que prezam o controle sobre os objetos naturais. Essa "Valorização
Moderna do Controle" seria central na vida cotidiana e não
subordinada a outros valores morais e éticos. Parte da legitimação
do neoliberalismo passaria pela incorporação dessas
idéias de maneira global, sendo também complementar
às idéias de "modernização",
"desenvolvimento" e "liberdade".
O agrônomo
francês Jean Pierre Berlan também questionou a idéia
que temos de progresso. "A idéia é que a diversidade
é coisa do passado e a especialização e as
máquinas é que são o futuro". Berlan afirmou
que o tipo de ciência que temos é uma imposição.
"A biotecnologia, por exemplo, atende muito mais aos interesses
das multinacionais do que da população". Hoje,
a ciência seria subserviente aos interesses do capital.
Veja
também:
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livre
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