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Brasil ainda pode dobrar sua capacidade hidroelétrica
Olavo Cabral Ramos Filho

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Cláudio Muller

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Brasil ainda pode dobrar sua capacidade hidroelétrica

O sistema elétrico brasileiro foi construído a partir dos anos 60 e baseou-se nas usinas hidroelétricas. Esse conjunto de usinas espalhado pelo país criou um sistema de alta confiabilidade e previsibilidade. "Planejado para longo prazo, era um sistema elétrico inédito, que aproveitava a tropicalidade brasileira: grande quantidade de chuvas, no verão do sudeste, e as chuvas no inverno no sul", revela o engenheiro eletricista Olavo Cabral Ramos Filho, ex-superindente de transmissão de Furnas Centrais Elétricas e atual diretor da ONG Ilumina, dedicada à questão energética.
Segundo Olavo Ramos, o Brasil, para seguir as ordens do FMI de controle nos gastos públicos, interrompeu os investimentos no sistema elétrico que iria ser privatizado. A solução para a crise, segundo ele, ainda deveria ser baseada no sistema hidroelétrico, complementado com formas alternativas de geração. Para Ramos, as empresas estatais deveriam se tornar públicas, um modelo intermediário entre o estatal e o privado, em que o patrimônio continua pertencendo ao Estado, mas a gestão é feita pela sociedade civil.

Hidroelétrica de Furnas

Com Ciência - Como o Brasil chegou à atual crise energética?
Olavo Cabral Ramos Filho -
Nos anos 60, o sistema elétrico brasileiro era muito incipiente. O Rio de Janeiro era um sistema isolado, que operava em freqüência diferente da maioria das outras cidades do Brasil. A light São Paulo operava em 60 hertz e o Rio operava em 50 hertz. A American Foreign Power (Anforp) era dona da atual Cerj, dona da CPFL e dona de companhias do Norte e Nordeste. Era um sistema em que companhias estrangeiras, principalmente a Anforp e a Light dominavam o setor elétrico brasileiro. E passaram a não investir a partir dos anos 50. Os últimos investimentos de grande porte (para a época) que o grupo Light fez foi o projeto da usina de Nilo Peçanha, do complexo Fontes, com uso da água do Paraíba bombeada em dois estágios para aumentar a vazão, que começou a operar em 1952 ou 1953, se não me engano. Daí para frente a Light não fez mais investimentos em geração, talvez o último foi uma pequena usina chamada Ponte Coberta de 90 MW, feita no canal de fuga desta usina de Nilo Peçanha. E aí os anos 60 entraram, já com o governo Juscelino Kubitschek e já tendo Furnas Centrais Elétricas como uma estatal no setor. Quando a usina de Furnas começou a entrar em operação em 1963, os seus dirigentes e o governo federal enxergaram longe, visando o planejamento do setor elétrico. Ao longo dos anos 60, Furnas - que incialmente havia sido uma empresa constituída para construir somente a usina de Furnas - começou a construir outras hidrelétricas. Também ao longo dos anos 70, Furnas construiu grandes usinas hidrelétricas e grandes sistemas de transmissão.

"O Brasil foi pioneiro no planejamento de geração de hidrelélétrica e criou grande tecnologia na engenharia de sistemas de alta tensão e extra alta tensão"

Com Ciência - O sistema consolidou-se nos anos 80?
Ramos - Chegamos em meados dos anos 70 e começo dos anos 80 com uma enorme malha de transmissão de alta e extra-alta tensão, e uma razoável capacidade instalada para a geração de energiahidrelétrica, no Rio Grande, depois no Rio Paranaíba - que é um formador do Paraná. No fim dos anos 70, as interligações, inclusive com Brasília, já estavam todas concretizadas. O sistema elétrico interligado já tinha ligações com o Sudeste, com Brasília e Espírito Santo. E Furnas era o coordenador do sistema, do lado federal. Junto com a Cesp, de São Paulo, a Cemig de Minas, e a Copel do estado do Paraná, as três grandes estaduais e Furnas que era a regional do sudeste. Depois a Eletrosul, que era a regional do sul do país. Já havia um sistema elétrico bastante interligado e bastante planejado no final dos anos 70. Planejado para longo prazo, era um sistema elétrico inédito, que aproveitava a tropicalidade brasileira: onde há grande quantidade de chuvas, no verão do sudeste, e as chuvas no inverno no sul. Essa grande variabilidade permitiu que se planejasse um sistema hidrelétrico de grande acumulação de longo prazo de água nos reservatórios. Este planejamento chegou inclusive, em termos de modelos matemáticos, a uma sofisticação bastante inédita. O Brasil foi pioneiro no planejamento de geração de hidrelélétrica e criou grande tecnologia na engenharia de sistemas de alta tensão e extra alta tensão. Entraram os anos 80 com Furnas construindo um tronco de corrente contínua de 600 mil volts de Itaipu e um tronco de alternada de 750 mil volts de Itaipu com um panorama tranquilo em termos de um sistema hidrelétrico bem planejado. De repente, veio a moda neoliberal, a privatização, e o que aconteceu nestes últimos anos? Privatizaram as empresas de distribuição, ao longo dos anos 90, sobretudo a partir de 94. A primeira foi a Escelsa do Espírito Santo depois a Light. Vieram as empresas paulistas, menos a Cesp, que hoje se chama Cesp-Paraná, que também não foi privatizada apesar das tentativas. A Eletropaulo foi privatizada. As empresas do sul foram divididas em três, e duas foram privatizadas, mas o governo Olívio Dutra não privatizou a terceira parte. A Celesc, de Santa Catarina, o governo não está disposto a privatizar correndo. A Copel, o governo do Paraná quer privatizar, mas está havendo muita resistência. E com a atual crise a resistência talvez surta algum efeito e prepondere o bom senso. E Furnas, que é a grande empresa regional, não foi privatizada.
Então o que aconteceu nos últimos anos? As empresas estatais que não haviam sido privatizadas foram proibidas de receberem finaciamento do BNDES e foram proibidas de investir porque os investimentos seriam contabilizados no cálculo do déficit público como gastos em relação à combinação que o país tinha com o Fundo Monetário Internacional (FMI). E isso, claramente, é um absurdo.

Com Ciência - É uma determinação do Fundo?
Ramos -
É uma determinação do Fundo, sem dúvida.
O Brasil contratou a empresa inglesa "Cooper & Lybrand" [hoje PricewaterhouseCoopers] para re-elaborar o modelo elétrico brasileiro e, neste modelo novo, foi abolido o planejamento elétrico como atividade permanente. Criou-se uma coisa chamada "planejamento indicativo", que era do tipo "o mercado era o soberano indicador das necessidades de expansão" e o planejamento ganhou este nome estranho de "planejamento indicativo", que é sinônimo de não-planejamento. O planejamento como atividade permanente, que o Brasil iniciou e fez com razoável competência, a partir dos anos sessenta terminou. Este foi um motivo também muito importante para chegarmos à crise atual. Somado a isto, temos o problema de proibição de investimento das estatais. O plano de termoelétricas a gás, que viabilizaria o uso do gás da Bolívia, comçou a ficar complicado, por causa da dependência do preço do gás ao câmbio. E uma certa lentidão em implantar as prometidas 30 ou 40 termelétricas a gás natural, mesmo porque, as únicas viabilizadas fora do papel, são aquelas pelas quais a Petrobrás se interessou e entrou como participante e investidora.
Em um sistema hidrelétrico bem planejado, você pode construir termelétricas. Mas como apoio, um sistema de termelétricas onde você possa até desligá-las, em anos de chuvas abundantes.

Hidroelétrica de Marimbondo

Com Ciência - Qual a opinião do senhor sobre como foi feita a privatização?
Ramos -
A pior possível. Neste sentido, a Folha de São Paulo de hoje, terça feira, 10 de julho de 2001, traz um editorial que até nos surpreendeu. Porque o veículo, até então identificado com a política privatista do governo FHC, traz esse editorial em que argumenta contra a privatização de Furnas. E ressalta que até nos Estados Unidos, onde o setor é privado, a geração de hidreletricidade é pública.
O Ilumina - isso está em seu estatuto na internet - se bate pela defesa do interesse do consumidor. O que inclui transformar empresas estatais antigas, com controle político pesado e ingerência fisiológica - e isso é inegável que aconteceu. Propõe passar para um modelo de controle público (com mecanismos democráticos que minimizem influências político-partidárias), em vez de ir direto para uma privatização predatória.
Então, as empresas elétricas passariam do controle do Estado para o controle da sociedade, e há uma diferença grande aí.

Com Ciência - Qual o modelo de desenvolvimento que o sr. e o Ilumina consideram mais adequados para o país?
Ramos -
Manter a vocação hidrelétrica, retornar ao planejamento como atividade permanente (planejamento a longo prazo das fontes de geração e transmissão e também estudo do sistema, no nível de engenharia). Na área financeira, dar autonomia às empresas tornadas públicas de negociarem seus empréstimos, aplicarem lucros e caixas em novos investimentos, se endividarem racionalmente, como quaquer empresa bem administrada faz.

Com Ciência - Quais são as fontes alternativas de energia mais interessantes para o país atualmente?
Ramos - É preciso ter co-geração. Co-geração é a energia que é produzida utilizando-se calor excedente de algum processo industrial. Você tem lá a sua indústria, que usa calor em algum processo. Você acopla um gerador e tem energia elétrica a partir do calor excedente do seu processo industrial. Essa energia é ligada à rede, e você pode ter sobras de energia elétrica. Não sei se é possível falar disso como forma alternativa. Nos EUA, a capacidade instalada é enorme. E no Brasil pode crescer muito.
Ainda: pequenas centrais hidrelétricas instaladas em todo o país. Médias, pequenas e pequeníssimas. Desde 500 KW até um, dois ou três MW. Energia eólica também é uma opção interessante. Fala-se em bagaço de cana e lixo tratado. Há uma margem para se usar isso.
Outra coisa importantíssima: o renascimento - embora talvez os especialistas da Coppe não concordem com este termo, porque na verdade ele nunca parou, mas foi mediocrizado - do Cepel (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica). Ele fica na ilha do Fundão (RJ), e sofreu um processo de esvaziamento. A presença do Cepel, e a sua regeneração, são essenciais como fator de crescimento do setor elétrico no Brasil.

Com Ciência - A partir de quando começou este esvaziamento do Cepel?
Ramos -
A partir do começo da década de 90. A partir do governo Collor, junto com a política de privatização e neoliberalismo.

Com Ciência - Como o Ilumina se posiciona em relação à energia nuclear no Brasil?
Ramos -
O Ilumina não possui uma posição unificada a este respeito. Mas individualmente a maioria dos diretores do Ilumina é contra o desenvolvimento de grandes plantas nucleares no Brasil. Se você me pergunta quanto à conclusão de Angra III, eu pessoalmente, concordo. Porque na altura em que está, com os equipamentos comprados, seria mal negócio não concluí-la. Na atual situação, com a crise que está aí, qualquer nova fonte de energia seria bem vinda. Angra III seria mais uma fonte de 1300 MW ligada à malha de 500 kV.

Atualizado em 13/07/01

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