Os
gasodutos e a iniciativa privada
O
gás natural como fonte de energia, surge como importante alternativa
diante da atual crise energética brasileira. As iniciativas que
vem sendo propostas pretendem elevar o percentual da participação
do gás natural na matriz energética brasileira, dos atuais
3% para aproximadamente 10%. A proposta da construção
do gasoduto Brasil-Argentina e uma série de questões relativas
ao tratamento que esta fonte de energia vem recebendo no Brasil vem
à tona neste momento, principalmente tendo em vista o Programa
Prioritário de Termeletricidade proposto pelo governo. Cláudio
Faria Muller é o gerente regional da Pan American Energy do Brasil
Ltda., a segunda maior proprietária, com direitos de exploração,
das reservas de petróleo e gás natural do Cone Sul. Ele
concedeu uma entrevista para a revista Com Ciência abordando alguns
pontos deste tema, a segunda proprietária (que tem direito de
exploração) das reservas de petróleo e gás
natural do Cone Sul.
O
gerente regional da Pan American Energy do Brasil Ltda, Cláudio
FariaMuller,
concedeu entrevista para a Com Ciência abordando o atual panorama
do uso do gás natural no Brasil
Com
Ciência - Pensando na globalização e na integração
regional do Mercosul, o setor privado tem interesse na construção
de novos gasodutos na região Norte do Brasil (Urucú),
interligando também o Peru e Venezuela com o resto do País?
Cláudio
Muller -
Os investimentos para a construção de gasodutos são
muito elevados e normalmente requerem financiamento para a sua construção.
As reservas provadas de gás natural dos campos produtores devem
ser suficientes para permitir a amortização dos investimentos,
bem como deve-se ter em conta o custo do transporte do gás que
depende da distância entre estes campos e o mercado consumidor.
O setor privado está interessado, inicialmente, em construir
novos gasodutos desde a Bolívia e a Argentina, que são
dois grandes produtores de gás natural, localizados geograficamente
mais próximos dos centros consumidores do Brasil. Os campos de
Urucú e a possível interligação das reservas
peruanas, deverá ser o passo seguinte, se confirmada a viabilidade
econômica dos investimentos. Entendo que as reservas de Urucú
estão sendo inicialmente desenvolvidas para atendimento aos mercados
da região norte do Brasil, mais especificamente Manaus
Com
Ciência - Qual o tempo médio de maturação
dos projetos para a construção de termelétricas
utilizando o gás natural e o prazo para operacionalização
destas?
Muller - Para um projeto padrão de termelétrica de
500 MW, ciclo combinado, 2 turbinas a gás e 1 turbina a vapor,
estima-se um prazo médio de 24 meses para sua implantação.
O custo estimado é de US$ 550 / KW instalado.
Este prazo poderá ser maior, dependendo da obtenção
do Licenciamento Ambiental requerido e da disponibilidade de turbinas
a gás no mercado. Os fabricantes de turbinas a gás, que
são do exterior, estão hoje com programação
completa para os próximos anos, devido principalmente à
crise de energia na Califórnia e os projetos em desenvolvimento
no resto do mundo.
Com
Ciência - Porcentualmente qual a participação do
gás natural na matriz energética brasileira e qual a meta
que o governo pretende alcançar?
Muller -
A participação do gás natural na matriz energética
brasileira é de aproximadamente 2,5 %, tendo o governo anunciado
que o objetivo é de se alcançar de 10 à 12 %, em
2008. Esta participação está diretamente ligada
ao incremento da geração termelétrica a gás
natural.
Com
Ciência - Como se encontra o mercado de mão-de-obra especializada
para a demanda atual e futura da utilização do gás
natural no país?
Muller
-
As companhias distribuidoras de gás natural no Brasil, à
exceção da Comgás (Companhia de Gás de São
Paulo) e da CEG (Companhia Distribuidora de Gás no Rio de Janeiro),
são companhias de recente constituição. A mão
de obra especializada para a construção de gasodutos e
redes de distribuição é satisfatória, havendo
no mercado profissionais capazes e em número suficiente para
atendimento das necessidades de expansão do sistema. As novas
companhias têm se aproveitado da experiência centenária
da Comgás e da CEG, neste setor. Quanto aos aspectos tecnológicos
dos sistemas de combustão e de equipamentos haveria a necessidade
de um maior aporte de conhecimentos externos, oriundos de países
com maior cultura de utilização de gás natural
e estágios mais desenvolvidos nesta utilização.
Isto é válido também para o setor de geração
termelétrica. A Universidade tem desenvolvido alguns cursos especializados
em cooperação com as companhias distribuidoras, assim
como também cursos de Mestrado e Pós Graduação
na área de energia. Penso que estes e outros cursos deverão
ser implementados e incentivados para o atendimento da participação
almejada do gás natural na matriz energética.
Com
Ciência - Como se encontra a produção e o abastecimento
de produtos e equipamentos para os produtores e consumidores de gás
natural? Tem havido a necessidade de importação ou a indústria
nacional tem sido suficiente para atender o setor?
Muller
-
A indústria nacional do gás natural, nos itens relativos
às redes de distribuição (tubos, válvulas,
medidores, etc.) tem atendido plenamente à expansão do
mercado. As importações se referem a alguns equipamentos
de queima, tais como aquecedores eletrônicos de passagem, e compressores
e equipamentos para o GNV (Gás Natural Veicular), embora a indústria
nacional esteja em condições de fabricá-los, dependendo,
é lógico, da expansão dos negócios e da
economia de escala. O único item que somos dependentes de importação
são as turbinas a gás para os projetos termelétricos
Com
Ciência - Como se encontram os entendimentos para a construção
do gasoduto com a Argentina?
Muller
-
A Pan American Energy está desenvolvendo um projeto de construção
do Gasoduto Cruz del Sur, com 840 Km de extensão, 24 polegadas
de diâmetro, interligando a cidade de Colonia, no Uruguai, até
Porto Alegre, no Brasil. Este projeto, em parceria com a British Gas
e a Ancap (estatal uruguaia de distribuição de combustíveis),
deverá disponibilizar 15,0 milhões de metros cúbicos
diários de gás natural provenientes da Argentina para
os mercados do Sul do Brasil. O investimento estimado para o trecho
Colonia - Porto Alegre é de US$ 400 milhões, estando previsto
o início do fornecimento para o quarto trimestre de 2003. O trecho
inicial do gasoduto entre Buenos Aires e Colonia está em construção
com investimento de US$ 170 milhões, iniciando o fornecimento
de até 6.00 milhões de metros cúbicos de gás,
em 2002. Esta interligação com os mercados produtores
argentinos é muito importante para a disponibilização
deste energético, à preços competitivos, para os
estados do sul do Brasil.
Com
Ciência - Qual a sua opinião sobre as questões que
a mídia vem levantando sobre o gasoduto Brasil-Bolívia?
Muller
-
O gasoduto Bolívia-Brasil, como todo gasoduto deste porte
, também necessitou de financiamento para sua construção.
O pagamento deste financiamento deverá ser em função
da efetiva capacidade de transporte que ele vier a operar. Quanto mais
volume de gás o gasoduto transportar menor será o prazo
de amortização. O que tem sido colocado na mídia
é a questão do livre acesso aos gasodutos, colocando alguns
agentes de mercado em conflito com as transportadoras. No caso do Bolívia-Brasil,
a transportadora autorizada pela Agência Nacional do Petróleo
(ANP) é a TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil
S.A.) e aconteceram alguns conflitos em que houve a necessidade de mediação
da ANP para garantir o livre acesso previsto na legislação
vigente. Um passo importante para a regulação do setor
está sendo dado pela ANP com a publicação da nova
portaria de livre acesso aos gasodutos, onde dentre outros avanços,
se prevê a realização de um Concurso Aberto para
alocação de capacidade de transporte. O assunto da participação
cruzada dos agentes deverá ser um próximo passo necessário
para a efetiva competição no setor .
Com
Ciência - O que fazer para incrementar o uso do gás natural
veicular e aumentar o número de postos de distribuição
no estado de São Paulo?
Muller -
O uso do gás natural veicular vem sendo incrementado e incentivado
pelas distribuidoras. O consumo do setor já representa 5% do
volume total vendido pela Comgás, segundo dados da Secretaria
de Energia do Estado. Uma condição básica para
incrementar este desenvolvimento, que necessita de redes de distribuição
de alta pressão para a alimentação dos compressores,
está sendo atendida pela Comgás com o seu programa de
expansão das redes de distribuição. Cada vez mais
novas cidades passam a contar com este combustível. A Comgás
conta hoje com aproximadamente 25 postos de abastecimento, localizados
na sua maioria na Grande São Paulo. Existe a previsão
de aumento do número destes postos. No Rio de Janeiro, onde o
setor está mais desenvolvido, existem cerca de 80 postos de GNV.
A tecnologia é conhecida, a vantagem econômica para os
usuários é muito grande, e penso que o único fator
restritivo é o número e a localização dos
postos de abastecimento. Isto tende a ser equacionado com a expansão
da rede de distribuição da Comgás e com o início
das atividades das outras duas concessionárias no Estado de São
Paulo.