Entrevista com Rubens
Queiroz de Almeida
Desenvolvidos e aperfeiçoados
através da colaboração de programadores do mundo todo, os softwares
livres estão conquistando cada vez mais espaço e notoriedade. Alguns
deles, como o Linux, já são bastante comuns em universidades como
a USP e mesmo grandes empresas começam a adotá-los.
Rubens
Queiroz de Almeida, gerente da Divisão de Serviços à Comunidade
do Centro de Computação da Unicamp, é dos maiores defensores do software
livre. Um dos primeiros a ter acesso à Internet no Brasil, Queiroz
criou, em março de 1997, e até hoje administra, uma lista de discussões
na Internet, a
Dicas - L. Atualmente ela conta com oito mil assinantes e tem
como objetivo disponibilizar um banco de informações sobre informática
com enfoque maior em sistemas Unix e derivados. A lista também incorpora
e aperfeiçoa sugestões dos leitores sobre assuntos relativos à administração
de sistemas e redes de computadores.
No mês de junho, Queiroz
lança o livro Dicas e Truques (editado pela Conectiva S.A), que define
como "um diário de bordo de um administrador de sistemas Unix". O
livro é um convite ao leitor para refletir sobre o movimento de softwares
livres, abordando tecnicamente seu uso, com ênfase no sistema operacional
Linux.
Com Ciência: Qual a
diferença entre os conceitos de software "livre" e "free"?
Rubens Queiroz:
O software "free" é o software "livre", não necessariamente gratuito.
No inglês o termo "free" pode significar tanto grátis quanto livre
e isso causa uma certa confusão. De acordo com Richard Stallman, presidente
da Free Software Foundation, o termo "free" refere-se à liberdade.
Isso porque, no software livre ou aberto, o código fonte (as linhas
de programação) é acessível ao público e, portanto, qualquer usuário
tem liberdade de copiar, estudar, modificar e aprimorar, de acordo
com as suas necessidades, e distribuir este software. Isto não significa,
no entanto, que ele não possa ser vendido. A outra opção que existe
é o software proprietário como por exemplo, os da Microsoft, no qual
o código é fechado.
CC: Pode-se dizer que,
apesar de eficiente, o sistema Linux não ameaça a Microsoft pelo fato
de existirem muitas versões?
RQ: Realmente existem muitas versões, mas o Linux em si é um
só. Acontece que uma pessoa tecnicamente competente que acesse o código
tem infinitas possibilidades de criar algo novo. A partir desta liberdade
o Linux tornou-se a construção coletiva, solidária e organizada que
é hoje. Paralelamente, uma pessoa que não tem conhecimento técnico,
pode trabalhar com Linux sem se envolver neste processo de criação,
pois existem versões pré empacotadas para um usuário final. Com a
mesma facilidade que ela usa um Windows, ela pode usar o Linux. A
vantagem é que existem opções e portanto concorrência, o usuário pode
escolher o que lhe é mais conveniente utilizar. No sistema de código
fechado da Microsoft, mesmo tendo conhecimento não há liberdade e
possibilidade de criação, não se pode modificar o sistema de acordo
com necessidades particulares. O projeto Linux não tem como objetivo
eliminar a Microsoft mas eu acho que tanto ele, quanto o software
livre em geral, são uma alternativa mais inteligente e economicamente
mais interessante. E isso é algo que pode preocupar as corporações
que trabalham com software fechado.
CC: Hoje em dia existe
resistência ao Linux e à utilização de softwares abertos?
RQ: Existe uma resistência que está caindo cada vez mais. A
resistência advém de um certo preconceito ou de uma distorção que
se formou em função do monopólio da Microsoft e dos sistemas proprietários.
Por exemplo, quando alguém pensa em escrever algo, logo pensa em utilizar
o Word, quando pensa em fazer uma apresentação, pensa no Power Point
e estes pensamentos foram se cristalizando à medida que o monopólio
foi se formando. No entanto, estas não são as únicas alternativas.
CC:
Quais as principais vantagens de usar o Linux?
RQ: A principal vantagem é justamente a de que é um sistema
livre, o fato de ser uma construção coletiva que evolui rapidamente.
Além disso, é uma opção muito mais econômica. Tanto adquirir, quanto
manter, a opção de software proprietário é mais caro. O Linux pode
ser usado em computadores bem pequenos como um 486 ou até 386. No
sistema proprietário ou fechado ganha-se muito dinheiro com os upgrades
- versões novas de antigos produtos. O usuário acaba tendo que adquirir
máquinas de maior porte para poder utilizar as versões mais atualizadas.
Existe também uma quantidade imensa de aplicativos disponíveis que
são aprimorados com grande rapidez. Outro dia eu instalei um servidor
de calendário pela Web e anunciei na Dicas -L, em pouco tempo o programa
já estava traduzido para o português e aprimorado. Alguém do Ministério
do Trabalho de Campinas viu a minha mensagem, pegou o software, gostou
e já traduziu. Em 15 dias foi possível pegar o software, avaliar,
anunciar e obter uma nova versão. Outro ponto favorável é a possibilidade
de dispor de um repositório de informações enorme na Internet. As
soluções podem ser encontradas apenas através da pesquisa na rede.
Existem alguns locais já consagrados para isso. O suporte também é
muito bom. Existem casos em que o próprio fabricante foi questionado
sobre um problema e não conseguiu dar a resposta que, em seguida,
pode ser encontrada na Internet. Outra característica importante é
o fato de ser um software bastante estável.
CC: O mesmo se dá para
a empresa?
RQ: Do ponto de vista de quem trabalha com um software também
existem vantagens pois a margem de lucro de um revendedor de software
proprietário é muito pequena. A empresa que fabrica o software sim,
ganha muito dinheiro. Isso porque optar por este software é muito
caro e o cliente acaba comprando pouco do revendedor. O mercado de
trabalho de quem usa os serviços, também é limitado. Ao passo que,
com o software livre, o mercado de trabalho cresce bastante e é possível
lucrar com a parte de manutenção. Só para dar um exemplo, a Microsoft
no Brasil, sem contar as pessoas que vivem de dar suporte, tem mais
ou menos 50 pessoas. A Conectiva, que trabalha com o sistema aberto,
já está com 220 e possivelmente vai crescer mais ainda. O software
livre parece-me bastante excitante neste sentido, pois é possível
gerar muito mais empregos do que com outro modelo.
CC: Atualmente existe
espaço para a implementação do Linux ou de softwares abertos na esfera
pública?
RQ: Sim, recentemente eu participei do I Fórum Internacional
de Software Livre 2000 realizado na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Foi realmente um encontro pioneiro que deu bastante enfoque
ao uso do software aberto tanto na esfera pública como na sociedade
de um modo geral. O governo do Rio Grande do Sul e a prefeitura de
Porto Alegre assinaram um protocolo de intenções que visa desenvolver
e estimular a utilização deste tipo de software no Estado. Neste Fórum
também foi apresentado o projeto de lei do deputado Walter Pinheiro
que prevê o incentivo de softwares livres na administração pública,
isso porque o Governo Federal gastou cerca de R$ 120 milhões no ano
passado com software proprietário, se tivesse usado o sistema aberto
poderia ter economizado R$ 80 milhões. Um outro exemplo é o caso do
O Metrô de São Paulo que adotou o Star Office, que não é livre, é
um software gratuito. Isso significa que novas soluções já estão sendo
levadas em conta.
CC: E como isso tem
se dado na esfera privada?
RQ: Hoje informatizar uma empresa tem um custo exorbitante.
Então, mesmo que as pessoas hesitem em romper com o modelo que tem
sido seguido, elas acabam avaliando as vantagens. Às vezes gasta-se
mais no software em si do que no próprio negócio. O alto custo da
plataforma da Microsoft e o próprio serviço de atendimento, que é
bem restritivo e bastante caro, têm forçado a busca de alternativas.
Um provedor de acesso em São João da Boa Vista optou pela solução
Microsoft no começo, pois achava que a mão-de-obra para trabalhar
com Windows era mais barata. No entanto, no transcorrer do tempo,
ele viu que a opção dele acabou saindo mais cara, porque a cada funcionalidade
que ele queria acrescentar no sistema Windows ele tinha que pagar.
Portanto, a médio e longo prazo, essa é uma opção que acaba ficando
mais dispendiosa e isso leva a consideração de outras alternativas.
Além disso, empresas ligadas à distribuição de software aberto tem
expandido muito. É o caso da Conectiva em Curitiba. Em novembro ela
tinha 70 funcionários e agora já está com 220. Tem aberto filiais
no Brasil inteiro e no exterior. Este crescimento demonstra que a
aceitação do software livre está cada vez maior.
CC: Há outros exemplos?
RQ: No Fórum do Rio Grande do Sul a Conectiva citou o caso
da empresa "Brasil Informática" que abriu seu produto na rede e aumentou
o faturamento. Ela deixou de vender software mas adquiriu visibilidade
e passou a ter lucro na parte de serviços, com os contratos de manutenção.
Nesta mesma ocasião, muitas empresas como a IBM, HP, INTEL, DELL,
SUN foram chamadas para falar sobre as soluções que adotaram baseadas
no software livre. Casos como estes têm incentivado investimentos
em software aberto por parte da esfera privada. Apesar destes exemplos,
tanto no setor público como privado, a adesão está numa fase inicial
mas, a cada melhora do software aberto o número de pessoas cresce,
eu diria que estamos numa curva de subida.
CC:
Como você avalia a situação do software livre nas Universidades?
RQ: Aqui na Unicamp nossa documentação está na Internet. Temos
investido numa campanha de popularização do Linux através de palestras
e seminários. Hoje a aceitação já é bem maior que em anos anteriores
e têm ocorrido migrações de um sistema para o outro. Eu acredito que
pode ocorrer uma migração em massa quando sair o K Office, que é um
ambiente equivalente no Linux. Atualmente existe o Star Office, que
é gratuito, mas é muito pesado. O K Office é bem mais leve pois trabalha
com arquivos pequenos. Mas na minha opinião a Universidade pioneira
neste processo de migração e que tem esforços maiores com relação
ao Linux é a USP. Eles tem um esquema administrativo no qual as máquinas
trabalham com Windows e Linux. O projeto na USP é muito grande, chama-se
Linusp, e é desenvolvido pelo Departamento de Fisica Matematica no
Instituto de Física da USP, pelo professor Jorge
deLyra.
CC: Como você vê a recente
decisão da justiça americana de punir a Microsoft por ter praticado
concorrência desleal?
RQ: As táticas que a Microsoft vem empregando para se consolidar
nos últimos anos têm sido realmente bastante desleais. Uma da táticas
que a Microsoft usa é não divulgar todos os recursos existentes e
isso impede que alguém desenvolva um software que funcione bem neste
sistema operacional. O programa do sistema operacional tem alguns
ganchos com os aplicativos. Se eu quiser desenvolver um software que
funcione naquele sistema eu preciso saber dos recursos que ele oferece.
Ou seja, se eu não sou um programador da Microsoft e desenvolvo um
aplicativo para funcionar no programa desta empresa, o meu programa
não vai conseguir ter uma performance boa. Não divulgando os recursos
a Microsoft acaba sendo a única empresa capaz de produzir os aplicativos.
Outro caso é da recente batalha entre a Microsoft e a Netscape. Para
tentar acabar com o Netscape, ao entrar num site de serviço da Microsoft,
era apresentado um aviso de que seu software de segurança não era
bom, é o certificado de segurança. Todo este processo foi muito bem
documentado e acredito que esta decisão de dividir a Microsoft está
mais do que correta.
CC: O monopólio da Microsoft
representa mesmo uma ameaça ao acesso à informação para os países
periféricos?
RQ: Ao meu ver o maior valor dos computadores não está no fato
de serem capazes de realizar atividades, as mais interessantes e úteis
mas sim, o fato de propiciarem acesso à informação. A impossibilidade
de acesso a computadores irá representar num futuro bem próximo a
marginalização de pessoas ou países que não investirem nesta área.
O monopólio da Microsoft é uma ameaça. Os Europeus já perceberam isso
e o movimento de softwares livres é muito forte na Europa principalmente
em países como a França. O México também tem um programa de informatização
de escolas com software aberto, muito amplo e bem sucedido. É uma
forma de democratizar a informação. É perigoso ficar tão dependente
de um só fornecedor. Hoje em dia existe até uma terminologia para
isto "information rich" que são os países ricos em informações em
oposição aos países que são pobres em informação. Certamente é algo
estratégico.
(Marta
Kanashiro)