Entrevistas
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Reservas
extrativistas e populações tradicionais
Mauro Almeida
A ABA
e os laudos antropológicos
Rubem George Oliven
A Funai
e o novo Estatuto do Índio
Roque de Barros Laraia
Biodiversidade
e Biopirataria na Amazônia
Ilse Walker
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A
ABA e os laudos antropológicos
A
atividade de pesquisa do antropólogo muitas vezes acaba misturada
com a militância política, dada a situação
difícil vivida pelos membros de seu lugar clássico de pesquisa,
as sociedades indígenas. A Associação
Brasileira de Antropologia (ABA) foi uma instituição
bastante atuante na luta pelos direitos das populações indígenas,
principalmente durante a votação da Constituição
de 1988.
A revista Com Ciência entevistou o antropólogo Rubem George
Oliven, atual presidente da ABA, para saber dele qual a posição
da instituição frente ao Estatuto do Índio, previsto
na Constituição, que finalmente está para ser votado
pela câmara dos deputados. A ABA tem também mantido entendimentos
com o Ministério Público sobre os laudos antropológicos,
importante peça jurídica para a demarcação
de terras indígenas.
Com Ciência- Está para ser aprovado na câmara dos deputados o
novo Estatuto das Sociedades Indígenas. A ABA tem alguma crítica a ele?
E o senhor?
Rubem
George Oliven - A ABA tem acompanhado, através de sua Comissão de
Assuntos Indígenas, a tramitação do Estatuto das Sociedades Indígenas,
especialmente em relação ao efetivo asseguramento dos direitos previstos
na Constituição Federal de 1988. No início dos anos 90 foram propostas
três versões do Estatuto, sendo uma da FUNAI, outra do CIMI (Conselho
Indigenista Missionário) e a terceira do NDI (Núcleo de Direitos Indígenas).
As propostas do CIMI e do NDI fundamentaram um substitutivo de autoria
do Deputado Luciano Pizzato, o qual começou a tramitar. Com a eleição
do novo governo (Fernando Henrique Cardoso), ocorreu uma retirada do projeto
"Estatuto das Sociedades Indígenas" do Congresso. A nova proposta governamental,
só apareceu no cenário das comemorações dos 500 anos, intitulada "Estatuto
dos Índios, das Comunidades e das Organizações Indígenas". É óbvio que
há avanços, mas há itens que preocupam a comunidade de antropólogos, como
aqueles referentes a exploração dos recursos florestais, minerais e hídricos
em terras indígenas. Há também a questão da ampla participação das lideranças
indígenas, de suas organizações e de entidades de apoio em todo este processo.
Em última análise, trata-se de um Estatuto para os Povos Indígenas, reconhecidamente
minoritários e protegidos internacionalmente.
Com
Ciência - Está em crescimento a demanda por laudos antropológicos,
como instrumento para a definição de territórios indígenas. A ABA pretende
regulamentar ou atuar pela regulamentação desta atividade, no sentido
de dizer quem está autorizado ou não a exercê-la? Em que consiste o "protocolo
de intenções" que a ABA tem com o ministério público sobre os laudos antropológicos?
Oliven -
O Protocolo de Intenções tem como objetivo estabelecer uma colaboração
entre a ABA e a Procuradoria Geral da República na realização de estudos,
pesquisas e elaboração de laudos antropológicos periciais, que permitam
subsidiar e apoiar tecnicamente os trabalhos, judiciais e extrajudiciais
do Ministério Público Federal, em questões que envolvam direitos e interesses
de populações indígenas, remanescentes de comunidades de quilombos, grupos
étnicos, minorias e outros assuntos referentes às atribuições do Ministério
Público Federal. Pelo Convênio a ABA se compromete a indicar os serviços
profissionais de associados seus que possuam conhecimento direto, através
de pesquisa científica, sobre os grupos em questão para realizar pesquisas,
projetos, estudos e perícias com o propósito de instrumentalizar a defesa
dos direitos e interesses das populações em questão. Sempre que solicitada
pela Procuradoria, a ABA indica associados seus que sejam pesquisadores
do grupo em questão para elaborarem laudos. Isto é feito com base no Cadastro
de Sócios da Associação. Nada impede, entretanto, que um sócio da ABA
seja convidado por um outro órgão, como por exemplo a FUNAI, para elaborar
laudos. Neste mês a ABA está realizando em Santa Catarina uma Oficina
sobre Laudos Antropológicos que tem como objetivo elaborar parâmetros
que irão nortear a implementação do convênio entre a ABA e a Procuradoria
Geral da República. Discutir-se-ão questões como o teor dos laudos antropológicos,
questões éticas envolvidas na sua elaboração, sintonia entre o texto antropológico
e o texto jurídico, etc.
Com
Ciência - A antropóloga Dominique Gallois tem feito críticas à ABA
dizendo que ela "perdeu a ponta da informação e da atuação" na questão
indígena, papel que tem sido melhor executado pelas ONG's. O senhor concorda?
Oliven - A ABA sempre esteve comprometida com os grupos indígenas
pesquisados por seus associados, pronunciando-se a seu favor em diferentes
instâncias. A ABA é uma associação científica e profissional. Dentro da
ABA convivem saudavelmente a diversidade de interesses e a pluralidade
de opiniões. A boa reputação da ABA decorre da capacitação científica
de seus associados, de seus parâmetros éticos em relação à pesquisa antropológica,
dos congressos que ela organiza e das publicações que deles decorrem.
A ABA tem uma Comissão de Assuntos Indígenas, composta de profissionais
de todas as áreas do Brasil que é muito atuante e tem se pronunciado de
forma clara e incisiva em relação à questão das Terras Indígenas. A ABA,
entretanto, não é uma ONG. As organizações não-governamentais têm em geral
um perfil diferente de uma associação científica e profissional. Elas
tendem a ter uma pauta de ação definida em função de uma intervenção mais
pontual na vida social e política. A ABA respeita a atuação de ONGs. Ela,
entretanto, não se deixa atrelar aos interesses específicos de nenhuma
ONG.
Com
Ciência - No início do mês de outubro o senhor esteve em
visita à Funai. Como foi esta visita? Que críticas o senhor faz ao momento
da Funai?
Oliven - A visita à FUNAI foi um primeiro contato da nova Diretoria
da ABA com a presidência daquela instituição. A FUNAI é um órgão de governo,
executor da política do Estado para os Povos Indígenas. Ela tem um dever
constitucional em relação às sociedades indígenas. É a ela que cabe a
identificação e demarcação de terras indígenas. A FUNAI deveria ser, nas
palavras de Roberto Cardoso de Oliveira, uma Fundação das Nacionalidades
Indígenas, uma espécie de Ministério de Relacões Interiores, e não um
órgão assistencialista e burocrático. O que a ABA, quando solicitada,
tem feito é sugerir, de forma informal e pontual, nomes de antropólogos
para elaborarem laudos sobre terras indígenas, mas sempre deixando claro
que é a FUNAI que tem que assumir o laudo e suas conseqüências. Entretanto,
às vezes a FUNAI pede um parecer a um segundo antropólogo que tem posição
diferente do primeiro. Com isto cria-se um "impasse" que permite a FUNAI
protelar a decisão sobre o pleito do grupo indígena.
Com
Ciência - No último mês, a comunidade antropológica foi abalada
pelas acusações de Patrick Tierney relativas ao trabalho de campo de Napoleon
Chagnon e James Neel junto aos Yanomami na década de 1960. Qual o posicionamento
da ABA sobre o caso?
Oliven - A ABA está acompanhando de perto a controvérsia gerada pela
futura publicação desse livro e informou seus sócios sobre o assunto em
seu Informativo Eletrônico. A ABA também fez contato com a American Anthropological
Association (AAA) e enviou uma nota sobre o tema que será lida num painel
sobre o livro na reunião dessa associação que ocorrerá de 15 a 19 de novembro
próximos na cidade de San Francisco. Nessa nota, a ABA relembra que já
em 1988 enviou uma correspondência à AAA pedindo providências em relação
aos efeitos negativos das publicações de Napoleon Chagnon sobre a demarcação
das terras dos Yanomami. Essa nota será publicada num dos próximos números
de nosso Informativo Eletrônico.
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