Entrevistas As guerras
e o desenvolvimento científico O
espaço e a ordem político-militar |
Para Shozo Motoyama, sociedade deve discutir o desenvolvimento de armas Motoyama demonstrou sua preocupação em relação ao atual desenvolvimento das armas e alertou para a necessidade de um diálogo real entre a sociedade e a comunidade científica. Nesse aspecto, o historiador destacou, de um lado, a importância da divulgação científica para que a população tenha conhecimento das discussões que a ciência suscita e, de outro, a conscientização dos produtores da ciência sobre a sociedade em que estão inseridos. "Os cientistas devem ter em mente que a grande coisa não é publicar 100 ou 200 artigos em revistas especializadas que só eles entendem, mas fazer pesquisas que realmente sejam socialmente e culturalmente relevantes. É claro que a própria comunidade científica e universitária é responsável por privilegiar a questão quantitativa. É necessário levantar a questão de que há uma outra demanda de toda a sociedade, pensando assim o diálogo pode existir. É preciso que os cientistas entendam e estudem mais como é a sociedade que eles mesmos estão inseridos. E eu não acredito que isto esteja ocorrendo", declarou. Com Ciência - Na introdução do livro Fapesp,
uma História de Política Científica e Tecnológica, o senhor afirma,
após análise de argumentos de Hobsbawn, Chesnaux e Milton Santos, que
"a utilização em grande escala da ciência e da tecnologia, em certas
conjunturas sócio econômicas resultou na era das catástrofes (1914-1945)
ou nas décadas da crise (1970-1991). Seu uso em contexto melhores levou
a era de ouro (1945-1970)". Como a ciência e a tecnologia associam-se
à era das catástrofes? A partir do século XX - estou pensando na Primeira Guerra Mundial - começa a haver uma aplicação muito grande da ciência para a questão da guerra em função do seguinte fato: o potencial científico e tecnológico do mundo aumentou exponencialmente devido às características sócio econômicas do planeta. é um período que nós chamamos de revolução tecno-científica na qual a aplicação da ciência, pela primeira vez na história, começou a ser muito eficaz para resolver os problemas tecnológicos e isso formou um complexo industrial muito grande, tecnologicamente muito avançado e eficaz. E em função da existência de um substrato tecno industrial, também se tornou possível pensar em aplicações da ciência na própria guerra. Embora isso tenha acontecido várias vezes antes, as catástrofes aparecem apenas no início do século XX, em função da ascensão das grandes indústrias, monopólios e multinacionais oligopolistas. Por exemplo, a ascensão da indústria química no final do século XIX e início do XX vai possibilitar a utilização de armas químicas, e uma das características da Primeira Guerra Mundial foi justamente a utilização dessas armas, seja do lado dos alemães ou aliados. Nessa utilização massiva das armas químicas, como gases venenosos, verificou-se rapidamente que as conseqüências eram muito maiores do que aquelas apenas militares, ou seja, até aquela época havia uma certa ética militar, embora nem sempre obedecida, de que os alvos deveriam ser militares. A partir da utilização maciça das armas químicas, não havia mais possibilidade de controle dos alvos e os próprios civis começaram a ser vítimas desse processo. Isso se reforça cada vez mais e, a partir da Segunda Guerra Mundial, ocorre uma degradação da ética militar e começa-se a falar na guerra de extermínio total, ou seja, o alvo passa a ser também civil. A era das catástrofes não fica circunscrita à questão da guerra, mas extrapola para questões ambientais e também para a aplicação do conhecimento das ciências humanas, pois também há danos sociais muito grandes que caracterizam esse período. O que leva a essa era associa-se à descoberta de que a eficácia da ciência aplicada (a tecnologia) é muito grande e através, por exemplo, da bomba de hidrogênio, temos a possibilidade de destruir o mundo em pouco tempo. Com a disseminação de guerras locais e a utilização impensada da ciência e da tecnologia, inclusive da produção industrial, nós temos a longo prazo um mundo cheio de catástrofes. São duas variáveis muito complexas que entram nesse processo: a eficácia da ciência para produzir armas cada vez mais potentes de um lado e, do outro, o fato de que, apesar dessa eficácia, a ciência ainda não é capaz de controlar seus efeitos na sua totalidade. Então, os efeitos dessas armas fogem do controle humano e, por isso, o problema é tão sério. Com Ciência - O senhor acha que é possível afirmar que
existe um impulsionamento cíclico entre guerra e ciência? As guerras testam e aplicam, de uma maneira muito urgente e emocional, necessidades que são atendidas pela aplicação da ciência e, com isso, é possível haver um aperfeiçoamento posterior que permita que a ciência e a tecnologia se desenvolvam ainda mais. A guerra demonstrou que o computador era possível e fez com que se pensasse em seu aperfeiçoamento com a utilização de transistores e até o melhoramento nos softwares. O mesmo pode-se dizer com relação a bomba atômica. Em 1920, mesmo os grandes cientistas não acreditavam na possibilidade da aplicação da energia nuclear para objetivos práticos. A resposta dada por Rutherford (um dos pais da física nuclear) era de que quem estivesse pensando na utilização da energia nuclear seria um idiota ou um louco. Vinte anos depois já existia uma aplicação para algo lamentável, a bomba atômica. Isso fez com que houvesse uma corrida para a utilização da energia nuclear para fins pacíficos e, embora seja uma energia muito perigosa, nós sabemos que muita energia elétrica já é gerada pela energia nuclear, usando ainda a fissão. Todo esse desenvolvimento na parte tecnológica e na aplicação da ciência poderia ser obtido sem essa mediação da guerra. O que acontece na guerra é que o financiamento se torna farto, não existe essa limitação e as pessoas estão realmente engajadas em transformar aquele conhecimento científico em algo prático. Por outro lado, na primeira metade do século XX, as duas grandes revoluções científicas aconteceram no campo da física - a teoria da relatividade e a mecânica quântica. A teoria da relatividade foi desenvolvida por uma série de cientistas, culminando com o trabalho de Einstein, que faz seu trabalho completamente alheio à guerra. A mecânica quântica foi também desenvolvida por um grupo de cientistas da Europa que, embora estivessem num clima de guerra, desenvolveram sua teoria sem qualquer interferência direta de questões militares. Portanto, acho que no seu fundamento e no seu aspecto revolucionário, a ciência não foi ajudada pela guerra. Mas, ao contrário, a guerra foi ajudada pela ciência, uma vez que a bomba atômica é a concretização da aplicação da teoria da relatividade e da mecânica quantidade na questão da energia nuclear. Se olharmos um pouco a questão da segunda metade do século XX, a grande revolução computacional e a da biologia molecular ou da engenharia genética são desenvolvimentos alheios à guerra. A mesma coisa pode ser falada com relação à revolução informática que vai se observar, porque é claro que houve um financiamento dos militares mas, do ponto de vista do desenvolvimento propriamente dito, não houve um envolvimento direto com a guerra. Nesse sentido, acho que o desenvolvimento da ciência propriamente dita prescinde da guerra para se desenvolver. Com Ciência - Mas ainda assim é possível observar
um forte investimento em C&T a partir das duas grandes guerras? É muito curioso por que a marinha não dava muita importância
para a ciência antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, depois dela,
se deram conta dessa importância e passaram a investir muito na pesquisa
científica. Isso aconteceu em todas as partes do mundo, porque dentro
das questões geopolíticas e militares, principalmente na fase da Guerra
Fria, os militares tinham uma voz de comando muito forte dentro da sociedade
e, portanto, tiveram um papel importante no financiamento da ciência e
no crescimento da comunidade científica e tecnológica. ComCiência - Qual o reflexo dessa lógica de investimento
maciço em C&T, a partir das duas grandes guerras, no Brasil? Isso pode se verificar na fundação do CNPq. O grande artíficie do processo foi o almirante álvaro Alberto. O Instituto de Física Teórica, que teve um papel importante no desenvolvimento da física no Brasil, foi fundado com a ajuda e apoio de generais do exército como o Marechal Lott. Assim, no período do regime militar no Brasil, negro para nós do ponto de vista político e democrático, foi quando ocorreu um maior investimento em C&T. O governo que mais investiu em Ciência e Tecnologia foi o de Geisel. Os militares ficaram realmente muito interessados em ciência e perceberam também a relação existente entre desenvolvimento e ciência. Eles ainda encaravam a segurança nacional e militar como estando muito relacionada com a questão do desenvolvimento. Ou seja, um país desenvolvido economicamente também teria uma segurança nacional maior do que um país subdesenvolvido. Também com essa lógica eles investiram bastante em C&T pensando em desenvolver a própria economia do país e não no desenvolvimento militar propriamente dito. Centrado na Universidade de São Paulo, surgiram os Fundos Universitários que tinham como objetivo fazer "pesquisa e desenvolvimento", ou seja, utilizar o conhecimento científico para resolver uma série de problemas, principalmente militares. E foram muito bem sucedidos desenvolvendo o sonar e outros artefatos. é verdade que era uma espécie de engenharia reversa mas, de qualquer forma, foram relativamente reconhecidos pela sociedade. Os tecnólogos e cientistas passaram a ficar muito confiantes do seu papel e da sua função. E aproveitaram o clima que da Segunda Guerra e reivindicaram um investimento para a C&T. A história do CNPq, que foi criado em 1951, mostra muito
bem como foi difícil a pesquisa se firmar aqui no Brasil.Se verificarmos
que o financiamento ou investimento em ciência está em torno de 1% do
PIB, e já falam há muito tempo que temos que chegar a 2%, podemos ver
que, ao contrário da retórica, a prática não corresponde à importância
e às necessidades da ciência. O fato da Fapesp estar agora forte e com
um financiamento estável se deve sem dúvida nenhuma ao artigo que vincula
hoje quase 1% da arrecadação para a C&T. ComCiência - Durante o período da corrida armamentista
houve um grande investimento do Estado para o desenvolvimento de C&T
na indústria, o que começou a declinar na década de 80. Na década
de 90, o mercado passou a ser o grande investidor em comunicação, Internet
e biotecnologia. O ataque ao World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro,
pode levar o Estado a voltar a ser um grande investidor em C&T? Pode esse
investimento reaparecer, privilegiando a questão da segurança? Mas o 11 de setembro nos leva a uma questão muito complicada porque estamos entrando em um processo que, a médio e longo prazo, é suicida. A forma como os palestinos estão se conduzindo e o próprio acontecimento do World Trade Center, são atitudes que eu chamaria de suicida. E falo não só a do terrorista, mas uma atitude suicida em relação a própria civilização e me preocupa muito a política adotada pelo governo Bush. Os benefícios que os investimentos em tecnologia militar podem trazer são muito pequenos em relação aos danos que se pode causar. Temos militares com uma capacidade de destruição terrível, muito maior do que um planeta poderia suportar. Pense na proliferação das armas nucleares, lembre que na década de 40 havia apenas dois países que tinham armas nucleares, isso aumentou na década de 50 para 4 ou 5 e hoje nós temos quase uma dúzia de países com armas nucleares. Tendo armas nucleares e com essa filosofia da competitividade, qualquer tipo de coisa pode levar a destruição do inimigo. Exatamente da década de 50 em diante, durante a Guerra Fria, as potências imaginavam a sua segurança pensando primeiro em atacar o inimigo. Por exemplo, a primeira idéia com relação a criação da bomba atômica era de que, graças ao seu desenvolvimento e também dos mísseis teleguiados, poderia ser feito um ataque surpresa e terminar a guerra em muito pouco tempo. Essa guerra não ocorreu em função de um empate técnico entre os dois lados e o medo de que, após um ataque rápido e fulminante, poderia haver um revide também rápido e fulminante. A idéia de segurança é essa, como o próprio Bush vem fazendo, ou seja, ele está pensando em atacar o Afeganistão antes de qualquer tipo de retaliação por parte dos aliados de Bin Laden. Eu acho esse conceito de segurança é muito complicado. O ideal, em função do atual desenvolvimento das armas, é a declaração de uma moratória durante um bom tempo e a busca de outros meios para se conseguir segurança. O desenvolvimento tecnológico que temos hoje é capaz de suprir materialmente toda a população mundial, mesmo que ela tenha crescido para 6 bilhões de pessoas. Nós temos condições tecnológicas para resolver os problemas de pobreza e, na verdade, o custo desse aparato militar é muito maior do que o custo que teríamos para erradicar a pobreza, que seria o meio mais eficaz e seguro de obter a segurança e não com o investimento maciço em indústrias militares e nas questões militares. |
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Atualizado em 10/06/02 |
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