Entrevistas
Gerontologia
estuda envelhecimento de forma global
Anita Neri
Antropóloga
analisa situação de idosos sob a ótica dos próprios
Myriam Lins de Barros
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Gerontologia
estuda envelhecimento de forma global
A preocupação
da pesquisadora Anita Liberalesso Neri com os idosos brasileiros incentivou
o desenvolvimento das pesquisas nacionais na área de Gerontologia
e desencadeou uma série de pesquisas que forneceram informações
sobre a realidade do idoso no Brasil, antes desconhecidas. A psicóloga
atualmente realiza pesquisas sobre a Psicologia do Desenvolvimento do Adulto
e do Idoso e é uma das organizadoras do primeiro Tratado
de Gerontologia e Geriatria brasileiro, lançado em junho deste
ano.
ComCiência
- O que é Gerontologia e quais as diferenças em relação
à Geriatria?
Anita Liberalesso Neri - Gerontologia é um campo multidisciplinar
que tem como objetos o estudo do processo do envelhecimento, o fenômeno
velhice, que é evento de natureza biológica, sociológica
e psicológica e os indivíduos e grupos socialmente definidos
como idosos. O processo de envelhecimento acompanha todo o desenvolvimento
humano, mas quando se fala que a Gerontologia estuda o envelhecimento,
significa que são estudados os anos mais avançados da idade
adulta, mais ou menos a partir dos 45 anos de idade. Nesse campo de estudo
existem muitas disciplinas, que são ancoradas pela psicologia,
pela biologia e pelas ciências sociais. É um campo de pesquisa
que além de multidisciplinar é multiprofissional, pois abrange
os vários campos de atenção à saúde,
aos direitos sociais e à educação dos idosos, incluindo
por exemplo, a medicina, a enfermagem, a fisioterapia, a psicologia, o
serviço social, o direito e a educação. Na medicina,
a geriatria é a área que tem como objeto o tratamento clínico
da velhice. Gerontologia é uma palavra de origem grega que significa
o estudo da velhice. A denominação Geriatria tem a mesma
origem e foi cunhada para designar o tratamento clínico dos idosos.
Ambas foram criadas no começo do século XX.
ComCiência
- Qual a idade média dos velhos nos países em desenvolvimento?
Neri - Varia bastante segundo as condições locais de
desenvolvimento humano, mas é importante lembrar que a idade que
demarca socialmente o início da velhice nesses países é
60 anos, ao passo que nos países desenvolvidos é 65 anos.
ComCiência
- O que a fez, em sua trajetória profissional, voltar sua atenção
para os idosos?
Neri - Durante os meus cursos de graduação e de pós-graduação
eu não havia estudado esse assunto, assim como hoje, passados 30
anos, pouco se fala sobre o tema na grande maioria dos cursos. A psicologia
do desenvolvimento era e de certa forma ainda é uma psicologia
da infância e da adolescência. A psicologia clínica
tampouco considera os idosos e as questões específicas dessa
fase da vida. O enfoque dominante recai sobre a criança e o adolescente
e sobre os problemas dos adultos, vistos como reflexo do ocorrido na infância.
Nesse contexto, o idoso é considerado como um indivíduo
com pouco ou nenhum potencial para mudança e assim poucas linhas
de trabalho investem nele. À certa altura da minha carreira e da
minha vida pessoal, eu comecei a me perguntar se o desenvolvimento cessava
na vida adulta, se seria simplesmente uma fase de estabilidade ou de continuidade
do que havia acontecido antes, para depois ocorrer o declínio típico
da velhice. Comecei pelas questões ligadas ao exercício
e a perda de papéis adultos, tais como os de mãe e pai como
educadores, quando os filhos se tornam adultos; conjugal, quando as pessoas
enviúvam, e o profissional, quando se aposentam. Nessa época
eu trabalhava na PUCCampinas e comecei a escrever, a pesquisar, a orientar
e a publicar sobre vida adulta e velhice. Logo percebi que os papéis
do adulto sofrem várias alterações à medida
em que ele avança em sua trajetória de vida, que ocorre
considerável sobreposição desses papéis e
que o seu exercício por homens e mulheres de diferentes níveis
sociais é fundamental ao ajustamento.
ComCiência
- Em que época foi isso?
Neri - Foi por volta de 1983 ou 1984. Não havia praticamente
nada publicado em português. Havia profissionais (poucos) trabalhando
com gerontologia social, mas ninguém trabalhava com psicologia
do desenvolvimento do adulto e do idoso. Não havia uma proposta
de estudo sobre aspectos evolutivos e eu comecei por aí. Eu dava
aulas na graduação e na pós-graduação,
orientava e fazia pesquisas nessa área. Foi quando Flávio
da Silva Fernandes, que à época era membro da diretoria
da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), me chamou
para dar palestras e para participar de grupos de estudo na área.
Ele gerenciava o projeto do Sesc ligado à terceira idade e junto
com o Edison Rossi participava de um projeto de modernização
do Lar de Velhinhos de Campinas. Entre os não-médicos, era
um dos poucos interessados nesse assunto, no Brasil. A seu convite e incentivada
por ele, eu acabei me agregando a um grupo que fazia parte da SBGG em
São Paulo, que aliás era muito pequeno na época.
ComCiência
- Como a senhora ingressou na Unicamp e fundou o primeiro curso de pós-graduação
em Gerontologia do Brasil?
Neri - Eu ingressei na Unicamp nessa mesma época, em 1985.
Em 1991 comecei a formar meu grupo de pesquisa sobre psicologia do desenvolvimento
na vida adulta e na velhice, que foi um dos embriões do curso de
pós-graduação em gerontologia. O curso de pós-graduação
em Gerontologiafoi instalado em dezembro de 1996 e começou a funcionar
em abril de 1997. Foi o primeiro curso de pós-graduação
em gerontologia strictu sensu e reuniu professores e pesquisadores
de vários departamentos da Unicamp, uma vez que tinha uma concepção
de ensino multidisciplinar. Professores de outras universidades brasileiras
participaram (e participam) como convidados. Logo em seguida, em agosto
de 1997, a PUC de São Paulo instalou o seu curso de Gerontologia
Social e, em 1999, a PUC do Rio Grande Sul começou um Programa
de Gerontologia Biomédica. Eles tinham antes uma área de
concentração em geriatria, mas este novo curso é
de alcance multidisciplinar. Hoje no Brasil, existem esses três
programas strictu sensu no campo da gerontologia. Embora sejam
em número crescente, ainda há pouca gente atuando nessa
área.
ComCiência
- Existe ensino de Gerontologia na graduação?
Neri - Não, não existe. Poucas faculdades de Medicina
têm a disciplina Geriatria em seu currículo e poucas mantêm
residência (que é já uma pós-graduação)
nessa área. Da mesma forma, nos cursos de Psicologia é muito
raro existir a disciplina psicologia da vida adulta e da velhice. O mais
usual nessas e em outras áreas é a existência de disciplinas
optativas, de tópicos especiais dentro de outras disciplinas ou
práticas e de grupos de estudo. Em várias universidades
brasileiras tem havido um esforço de oferecer cursos de especialização
aprimoramento e extensão, no âmbito da pós-graduação.
ComCiência
- Existe incentivo no Brasil para as pesquisas em Gerontologia?
Neri - Não, é uma dificuldade fora do comum. As agências
de fomento, as universidades e os outros cursos de pós-graduação
stricto sensu (que condizem aos títulos de mestre e de doutor
e que fazem parte do Sistema Nacional de Pós-Graduação)
dão muito pouco apoio e reconhecimento. Aliás, dificultam
ao máximo a nossa vida, impondo critérios de produção
compatíveis com os de áreas que já funcionam no Brasil
há mais de 20 anos e que tiveram tempo e recursos para se consolidarem
e criarem as próprias regras de funcionamento. Com a restrição
de recursos que está afetando a universidade, nossa área
tem muita dificuldade de conseguir bolsas e financiamentos e de contratar
professores com dedicação exclusiva. Internamente há
grande competição e muita gente atuando como se fossem donos
de um território. De fato, quando o alimento é escasso e
o apetite de alguns desmesurado, como você sabe podem resultar episódios
de canibalismo. É uma grande pena não poder trabalhar de
forma colaborativa. Na verdade, o que acontece é, também,
que a velhice ainda é considerada como tema não prioritário.
Isso facilita classificar seus estudiosos como pessoas que não
sabem muito bem o que querem, ou que estão perdidas ou que não
são muito sérias. Há preconceitos externos à
área, mas há igualmente preconceitos de parte a parte entre
os que acreditam que o estudo da velhice deve ser feito prioritariamente
ou pela Medicina ou pelas Ciências Sociais. Por outro lado, os que
não são nem médicos e nem cientistas sociais acham
que devemos nos erigir do dia para a noite como campo de estudos aprofundados
e genuinamente interdisciplinares, ou então perecer na selva da
busca de recursos e posição.
"Por
incrível que pareça, um dos motivos alegados para
que não nos concedam bolsas e reconhecimento é a idade
de nossos alunos..."
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ComCiência
- As pessoas que estão se formando agora nessa área encontram
campo de trabalho?
Neri - Elas já estão no campo, algumas há muito
tempo e de forma extremamente criativa e produtiva. São pessoas
que já atuavam quando resolveram entrar na universidade para fazer
pesquisa, de certa forma avalizar a sua prática e interagir conosco,
os da academia. Nesse sentido, o da interação, tem sido
muito rico e estimulante. O nosso curso tem pouca gente recém-formada,
pois um dos requisitos é que as pessoas já tenham experiência
profissional com idosos. Como na graduação as pessoas não
costumam trabalhar com a velhice, geralmente são as pessoas mais
maduras, já com uma trajetória profissional que vem nos
procurar para se aprimorar e fazer pesquisas conosco. Por incrível
que pareça, um dos motivos alegados para que não nos concedam
bolsas e reconhecimento é a idade de nossos alunos...
ComCiência
- Sua tese de Livre Docência foi um dos estudos pioneiros sobre
a velhice no Brasil. O que a senhora se perguntava sobre a velhice, naquele
momento?
Neri - Naquela época meus interesses já estavam voltados
para o preconceito em relação à velhice. Isso me
incomodava muito em termos intelectuais e a minha pergunta era a seguinte:
será que existe mesmo preconceito ou os gerontólogos é
que são preconceituosos? Eu fiz então uma pesquisa em âmbito
nacional sobre atitudes de pessoas não idosas com relação
à velhice. Fiz um levantamento com pessoas de 13 a 45 anos nas
cinco regiões geográficas brasileiras e identifiquei uma
grande variabilidade nas atitudes. Os adultos mais velhos e mais instruídos
tinham uma visão um pouco menos positiva do que os mais novos e
menos instruídos, e hoje eu diria um pouco mais realista, em relação
à velhice. Eles consideravam o velho uma pessoa rejeitada socialmente,
segregada, vista como desatualizada, retrógrada, e que tinha uma
tendência a ser mais dependente e menos saudável. Isso é
real. Quando você olha para a realidade brasileira, ou para a realidade
de qualquer país, é possível ver que as pessoas de
muito mais idade são aquelas que têm mais chances de ficarem
afastadas e de serem doentes. No entanto, eu não encontrei predominância
de atitudes negativas em nenhum dos grupos de idade, sexo ou escolaridade
com os quais trabalhei. Nessa mesma pesquisa, eu perguntava também
em que idade as pessoas achavam que começava a velhice. Obtive
grande variabilidade de respostas. Notei que quanto mais velhos eram os
meus entrevistados mais tarde eles colocavam o início da velhice.
No entanto, a resposta muito freqüente nessa pesquisa era que velhice
é um 'estado de espírito', o que não deixa de ser
uma forma de preconceito. Os dados foram coletados entre 1986 e 1987 e
eu não sei o que me responderiam, se eu fizesse essa pergunta hoje.
A tese foi defendida em 1988.
ComCiência
- E a senhora concorda com isso?
Neri - Eu concordo em parte porque ser velho não é apenas
manifestação da subjetividade, isto é, de sentir-se
velho. Velhice é uma realidade biológica que se reflete
no que consideramos como social e psicológico. Também se
pode dizer que, à medida que o tempo passa e você avança
no seu desenvolvimento acontecem mudanças nos papéis sociais
e ocorrem mudanças biológicas e psicológicas, que
vão demarcar outra inserção social e novas características
e formas de funcionamento. Assim, é melhor pensar que há
uma complexa interação entre os três tipos de determinantes,
de tal forma que "na vida real" é impossível determinar
o que deflagra a velhice.
ComCiência
- Mas essa nova realidade é necessariamente ruim?
Neri - Não, de jeito nenhum. Mas as pessoas costumam achar
que sim porque preferem acreditar que podem ser jovens a vida toda, ou
talvez que não vão morrer. Eu acredito que, se as pessoas
se mantiverem física e intelectualmente ativas, envolvidas socialmente,
em contato consigo próprias, e se mantiverem a saúde, elas
poderão envelhecer bem, e satisfeitas. As pesquisas internacionais
e brasileiras têm mostrado isso.
ComCiência
- Qual a importância da infância para a velhice?
Neri - A infância é muito importante para todo o desenvolvimento
posterior, porque é a fase em que se estabelece a estrutura básica
da personalidade. Nesse período, o desenvolvimento neurológico,
psicomotor, intelectual e social é impressionante. Mas os processos
maturacionais não explicam todo o desenvolvimento porque há
a influência da família, da escola, e das outras instituições
sociais sobre uma base biológica e de experiências básicas
de desenvolvimento, constituindo aquilo que se chama de socialização
do indivíduo. Depois da escola, as pessoas seguem para o mundo
do trabalho e da vida na comunidade, além de constituírem
família e muitas formas de relacionamento social. Continuam mudando
e adquirindo conhecimentos sobre si mesmas, sobre a ciência, a tecnologia,
a sociedade, as artes, a cultura. Existe maior diferenciação
entre os adultos do que entre as crianças, por causa da educação
e do desenvolvimento exatamente porque estas ainda não foram expostas
a toda a seqüência de modificações e ao complexo
processo de interação que um adulto ou um idoso sofreu a
longo da vida. O pensamento de que a infância é absolutamente
determinante é um pensamento ultrapassado na psicologia. Hoje pensamos
que graças à ação da sociedade e à
cultura, a pessoa continua mudando. Muda também a partir de processos
auto-iniciados e ao processo de auto-educação. Nos anos
mais avançados da velhice a pessoa fica relativamente mais limitada
quanto à possibilidade de continuar a expandir-se e torna-se mais
vulnerável devido a mudanças biológicas que se manifestam
em limitações sensoriais, músculo-esqueléticas,
psicomotoras e metabólicas, e também devido a condições
ambientais e pessoais. Algumas dessas alterações são
típicas da espécie, biologicamente falando; outras são
devidas ao estilo de vida e às condições sociais
ao longo de toda a vida. São mudanças que determinam uma
nova forma de relação da pessoa com o mundo. A pessoa idosa
tem toda uma história vivida; um modo de compreender o mundo e
a si mesma; valores, metas, motivações e expectativas e
um conjunto de repertórios comportamentais adaptativos. Se continuar
neurologicamente bem, se mantiver boa saúde ou se cuidar de suas
eventuais doenças e limitações, se mantiver papéis
compatíveis com sua idade e posição social, se estiver
satisfeita e ativa, ela pode viver muito bem a sua velhice.
ComCiência - O que a senhora poderia dizer sobre a qualidade
de vida dos idosos brasileiros?
Neri - Qualidade de vida é algo muito amplo. Mas vamos nos
restringir à questão econômica e de saúde.
A condição da velhice no Brasil é um reflexo direto
da desigualdade social. Entre os idosos brasileiros, a grande maioria
é pobre e não teve oportunidades educacionais. Os problemas
sociais da velhice no Brasil são os decorrentes da pobreza e implicam
em falta de acesso à educação e a um sistema previdenciário
justo ao longo de toda a vida. Na velhice, pessoas empobrecidas e privadas
de educação escolar se aposentam com um teto ridiculamente
baixo, se comparado com o que existe nos países desenvolvidos,
mas ainda assim fora do alcance da grande maioria. Depois, ganhem um,
cinco ou 10 salários mínimos, ano a ano, todos passam a
ganhar cada vez menos Ou seja, quanto mais precisam de dinheiro para sobreviver,
porque o sistema público de saúde não dá conta
e o privado é muito caro, menos dinheiro elas ganham. Além
dos problemas da pobreza, existem os problemas previdenciários
e os problemas de um sistema social e de saúde que não ampara
os idosos adequadamente e nem as suas famílias. Assim, os idosos
que já passaram dificuldades econômicas durante a vida, terão
problemas também na velhice. Como os filhos deles também
não melhoraram muito em termos econômicos e sociais, vão
morar mal com filhos que moram mal, comer mal com filhos que comem mal,
viver em bairros e cidades inseguras como a maioria dos brasileiros, e
ver as gerações mais novas crescerem em meio a muitas carências.
Muitos filhos hoje são desempregados, o que faz com que os idosos,
com o pouco que ganham, ainda ajudem a segunda e a terceira gerações.
São problemas que não são da medicina, mas são
da desigualdade social. Como os velhos não têm poder político
e têm pouca visibilidade social, acabam sendo "esquecidos".
São problemas antigos e as melhoras lentas.
ComCiência
- Essa melhora é reflexo da melhoria da qualidade de vida?
Neri - Sim. Mas a qualidade de vida está mudando pouco. Um
exemplo foi a instituição da renda mensal vitalícia
estabelecida pelo governo para aos idosos que provarem que não
têm condição de sobreviver por si próprios.
É uma coisa mínima, se você for pensar em um salário
mínimo, mas é melhor do que antes, quando não havia
nada que amparasse os velhos pobres e doentes, além de filantropia.
Como está melhorando um pouco o sistema de assistência social
e de saúde de um modo geral na sociedade, isso melhora um pouco
para os velhos, apesar de não termos amplas políticas dirigidas
especificamente para eles. A Política Nacional de Saúde
do Idoso ainda depende de operacionalização. Mas sua existência
demonstra que, principalmente graças à pressão de
setores esclarecidos, foi explicitada uma preocupação da
sociedade para aumentar a rede pública dos hospitais e serviços
sociais para idosos, para melhorar a qualidade do serviço a eles
prestados e para formar recursos humanos para lidar com os idosos, entre
outras ações previstas em lei.
"Estamos
envelhecendo, mas não temos nível de desenvolvimento
para enfrentar esse processo"
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ComCiência
- No Brasil existem hoje mais velhos do que no passado?
Neri - Está havendo um aumento na porcentagem de pessoas maiores
de 60 anos na população brasileira. Esse aumento está
sendo mais rápido e está acontecendo em um tempo mais curto
do que em outros países. Em termos percentuais, as pessoas acima
de 65 anos estão na faixa de 6% da população, e as
de 60 anos e mais atingem a cifra média de 9%. O problema é
dar assistência para essas pessoas ao mesmo tempo em que é
preciso resolver o problema de trabalho dos adulto, o da educação
das crianças e dos jovens, o do saneamento básico, o da
habitação, o da segurança das cidades e os problemas
de saúde na população em geral. Estamos envelhecendo,
mas não temos nível de desenvolvimento para enfrentar esse
processo e, além disso, temos ainda muitas demandas sociais ainda
não atendidas, num quadro de extrema desigualdade social.
ComCiência
- Quais são os países em que o idoso tem uma situação
melhor?
Neri - Dinamarca, Canadá, Noruega, Austrália, Inglaterra
e Alemanha, talvez não exatamente nessa ordem. Há pouco
tempo saiu a classificação dos países pelo critério
de índice de desenvolvimento humano, e o Brasil está lá
pelo 140º posto, atrás de muitos países da América
Latina e do Caribe. Isso se reflete na condição de vida
dos nossos idosos. Um das coisas que é levada em conta nessa classificação
é o grau de desigualdade social. Nos países desenvolvidos,
em que são amplamente amparados pelo Estado, que lhes provê
completos serviços sociais e de saúde, os velhos se queixam
de que têm menos que as outras gerações, imagine aqui...
ComCiência
- Existem tantos nomes para se referir aos idosos, como chamar essas pessoas?
Neri - Eu acho que podemos chamar de idosos mesmo. A expressão
terceira idade é um eufemismo. Ela foi inventada porque as pessoas
rejeitam o nome velho ou idoso e então resolveram que terceira
idade é mais bonito, o que denota tanto preconceito quanto outros
nomes como bela idade e maior idade entre outros menos usados, mas todos
com o mesmo sentido.O termo terceira idade foi cunhado na França
na década de 60, quando aquele país começou a fazer
investimentos no lazer das pessoas acima de 45 anos, porque achavam que
se as pessoas ficassem ativas, envelheceriam melhor, mais satisfeitas
e saudáveis. Isso parecia mais conveniente para o sistema de saúde,
para as finanças do Estado e para a sociedade em geral. Começaram
a criar cursos, oportunidades educacionais e alternativas de lazer, entre
outras atividades para os adultos mais velhos, recém-aposentados,
e chamaram essa fase da vida de terceira idade no intuito de estimular
a participação de pessoas que se viam e eram vistas como
inativas e improdutivas. Cada país cria o seu léxico para
lidar com a velhice, da mesma forma como com outros temas considerados
difíceis. Por exemplo, hoje, em certos contextos, não se
deve mais falar negro, e sim afro-americano, não se deve falar
em deficiente, e sim pessoa portadora de deficiência, ou em diversidade
de opção sexual em vez dos nomes tradicionais, e assim por
diante. Na verdade, são nomes dados para evitar a discriminação,
mas se você não resolver os problemas que originam essa discriminação,
não adianta nada. Assim, a crítica que eu faço sobre
a invenção da expressão terceira idade é que
esconde negação da velhice e rejeição dos
idosos. Alem disso, junto com a nova denominação são
disseminadas falsas crenças sobre a velhice, apontada como fase
que pode ser evitada e, o que é pior, que isso é apenas
uma questão de responsabilidade pessoal.
ComCiência
- Qual que é o lado bom de envelhecer?
Neri - O bom é você poder olhar para trás, fazer
um balanço, uma revisão da sua vida, e ver que ela teve
e tem um sentido, é ter uma sensação de realização.
Assim, as pessoas idosas poderão aceitar bem o relativo afastamento
da vida social, as mudanças de papéis. É importante
reconhecer que como a vida não é ilimitada, as pessoas não
podem se manter no topo até a morte. O declínio e o recolhimento
são inevitáveis e de certa forma construtivos. Na velhice,
mesmo tendo que conviver com algumas limitações, as pessoas
verdadeiramente maduras podem selecionar domínios da personalidade,
da inteligência, das habilidades e da atuação social
às quais poderão se dedicar e poderão sentir-se muito
bem. A velhice é uma fase em que a pessoa pode se sentir mais liberta
de obrigações e normas, pode estar mais em contato consigo
mesma; pode ser mais compassiva e aceitadora; pode passar a preocupar-se
desinteressadamente pelo semelhante, pode descobrir um sentido na vida
e pode investir mais em si mesma. Evidentemente, existem os limites e
as perdas e a pessoa tem que conviver com isso também. Mas as pessoas
podem ficar bem. Normalmente, as pessoas idosas que são capazes
de auto-aceitação, que convivem mais suavemente com a fragilidade,
que se sentem realizadas, que não se recriminam e nem sofrem inutilmente
por aquilo que não alcançaram e nem tentam manter o controle
sobre o mundo têm uma vida melhor.
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