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Sucesso
não bastou para manter Beakman na TV
Jok Church
Jornalismo
pode ajudar a ampliar a cultura científica
Marcelo Leite
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Sucesso não bastou
para manter Beakman na TV
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O que é
uma emoção? Como ocorre a cicatrização de
um machucado? Por que o arco-íris tem 7 cores? Para que servem
as lágrimas? Saciar e aguçar muitas das curiosidades de
crianças e adultos fica a cargo do personagem Beakman, cientista
de cabelos arrepiados que conta a ajuda de Lester, um simpático
rato de laboratório, e Josie, sua assistente, no programa televisivo
O mundo de Beakman [1992 a 1998], baseado em uma versão
em quadrinhos publicada há 13 anos em inúmeros jornais norte-americanos.
Com formação em jornalismo, Jok Church, o criador do personagem,
deve parte de seu interesse pela ciência ao pai, que o estimulou
a ser criativo e a entender como as coisas funcionam, e à mãe,
que investiu na compra de uma enciclopédia e um microscópio.
Nesta entrevista para a ComCiência, Church conta das dificuldades
de se fazer um programa educativo, mesmo quando se trata de um programa
vencedor de inúmeros prêmios e que conquistou a audiência
e a crítica.
Atualmente,
o criador de Beakman produz o site dos artistas plásticos Christo
& Jeanne Claude, e uma vez por semana é voluntário em
uma organização chamada Under one roof (Sob um teto,
em português) que arrecada fundos para várias instituições
de caridade. Embora a produção de O mundo de Beakman tenha
sido encerrada há 5 anos, por não trazer os lucros esperados,
ainda pode ser apreciado no Brasil por aqueles que possuem canal Ch@se
na TV paga.
ComCiência
- Como começou seu interesse em divulgar ciência para jovens?
Jok Church - Eu comecei trabalhando para o diretor George Lucas. Uma
das minhas funções era assegurar que todas as centenas de
cartas de fãs que chegam todos os dias fossem respondidas. Comecei
então a ver a beleza e a clareza das perguntas feitas pelas crianças.
Eles perguntavam ao George Lucas as coisas mais incríveis, talvez
porque presumissem que ele é algum tipo de autoridade. As crianças
têm muito mais coragem que os adultos em admitir algo que não
sabem. Acho que perdemos isso quando crescemos. A primeira coisa que as
crianças perguntam é sobre as coisas que estão bem
na frente delas, como: por que a grama é verde? Então, eles
começam a perguntar sobre si mesmos. Eles querem saber por que
soluçam ou espirram e, conforme ficam mais velhos, querem saber
como as coisas funcionam. O mais interessante é que cerca de 80%
das perguntas são feitas por meninas. Depois que o trabalho com
o Guerra nas Estrelas deu uma esfriada e não havia muito trabalho
disponível com o Lucas, comecei a fazer um quadrinho inspirado
nas cartas que as crianças enviavam para o George Lucas, combinado
com minha habilidade para escrever. Entreguei um quadrinho para o jornal
local e em 1990 meu trabalho era publicado em mais de cem jornais.
ComCiência
- Como O mundo de Beakman se transformou em um programa da televisão?
Church - Isso ocorreu [em 1992] quando a Universal Press Syndicate,
que distribuia e editava meus quadrinhos, fez uma parceria com a Universal
Belo Corporation e a distribuidora Columbia Picture's Television
que estavam interessados em transformar O mundo de Beakman em um
programa de televisão. Pediram-me para escrever um piloto, o filmamos
e o levamos para a National Association of Television Program Executives
(NATPE) porque eles retransmitem para estações de televisão
individuais. Nós iniciamos [o programa] em uma época em
que surgiu uma lei que exigia que as redes de comunicação
exibissem conteúdo educativo para crianças. Então,
conseguimos vender o programa para cerca de 90% do mercado televisivo
dos Estados Unidos mesmo antes dele estar pronto, apenas baseado em uma
amostra de vídeo com duração de 15 minutos. Foram
96 programas no total, com 30 minutos de duração.
ComCiência
- O que você achou do Beakman sair do papel e ir para a tela?
Church - Eu gostei muito. Tentei fazer dele um programa de televisão
que as crianças e, sobretudo, os pais gostassem de assistir junto
com os filhos. O programa tinha coisas que interessavam às crianças
e também a seus pais de forma intencional, diferentemente de muitos
programas infantis de televisão. É muito importante quando
eles fazem as experiências juntos porque eles passam a compreender
melhor um ao outro.
ComCiência
- Beakman representa o estereótipo do cientista?
Church - Eu não gosto da idéia do Beakman ser, de alguma
forma, louco, maluco ou excêntrico. A função dele
é responder aos questionamentos das crianças. Sua aparência
foi inspirada no personagem dos quadrinhos. E esta aparência foi
criada a partir de vários rascunhos que desenhei e apresentei às
crianças da vizinhança para que escolhessem um. O personagem
que elas escolheram era um cara usando um gravata, com uma caneta nanquim
no bolso, com cabelo azul e que usava óculos. Existe a preocupação
de que isso represente a visão estereotipada do cientista e eu
discordo. Simplesmente porque as próprias crianças escolheram
aquele personagem. Eu não achei que precisasse fazer os cientistas
se sentirem mais confortáveis em relação ao estereótipo
que os representa. Aqui nos Estados Unidos a Fundação Nacional
de Ciência (National Science Foundation) está publicando
um calendário com [fotos de] cientistas praticando musculação
com roupas minúsculas para que todos saibam que eles não
são geeks [alguém que gosta de tecnologia] mas homens sexy.
Eu fico pensando, qual é o problema que os fazem sentirem-se tão
mal em relação a essa representação?
ComCiência - Qual é o papel dos cientistas na divulgação
da ciência?
Church - Eu creio que o cientista poderia começar a responder
suas questões científicas de "o quê" e "como"
de forma mais pública. Mas também vejo que eles estão
ocupados respondendo as questões para si próprios. Acho
que deve haver outras pessoas cujo trabalho seja levar esse conhecimento
[científico] ao público, e estes seriam os educadores. Os
educadores deveriam ensinar ciência e deixar que os cientistas façam
ciência.
ComCiência
- Na versão dos quadrinhos existe apenas o Beakman e a Jax, diferente
do programa televisivo que conta com o Beakman, sua assistente e principalmente
o Lester (rato). Como foram feitas as escolhas dos personagens no programa
da TV?
Church - Os quadrinhos praticamente não tiveram custo para
serem criados. O programa da televisão é bem diferente.
A razão pela qual Beakman
e Jax serem irmãos gêmeos [nos quadrinhos] é que
eu queria uma personagem que fosse autoridade no conhecimento, uma especialista,
porque a maioria das perguntas vinham de meninas. Para ter dois personagens
principais [no programa da TV] demandaria dois salários desse padrão
e também poderia levar a confusões sobre quem comandava
o programa. Na TV, eu pensei em abrir mão dela porque não
podíamos arcar com um segundo papel principal e eu não queria
uma assistente. Quando recebemos o pedido de preparar os 26 episódios
do primeiro ano [1992] o produtor executivo novo achou que ainda precisávamos
de uma presença feminina e queria que fosse alguém que não
tivesse descendência européia, mas sim hispânica. Eles
a chamaram de Josie, embora eu tenha dito que aquele não era um
nome hispânico. Eu queria tê-la chamado de Pilar, mas eles
acharam hispânico demais. Então percebi que eu estaria entrando
em muita política e não tinha muita importância. O
principal era que teríamos a presença feminina. Televisão
envolve o trabalho de centenas de pessoas, não apenas o seu e você
acaba fazendo um trabalho de colaboração e não apenas
fazendo as coisas que quer. Eu acabei gostando muito das personagens.
ComCiência
- Por que o programa acabou substituindo por três vezes as atrizes
que faziam a assistente?
Church - É importante mencionar que O mundo de Beakman
é uma das produções de televisão com o mais
baixo orçamento. Isso porque as pessoas [da equipe] concordaram
em trabalhar pela metade [do salário] que normalmente receberiam,
porque se tratava de um programa educativo e porque elas gostavam de fazê-lo.
Mas depois de um ano de exposição nas redes de televisão,
as pessoas recebiam ofertas de empregos melhores e deixavam o programa.
ComCiência
- Como eram escolhidos os tópicos a serem abordados em cada programa?
Church - Sempre eram questionamentos reais feitos pela audiência.
Nenhum deles foi inventado. Escolhíamos o tema que faria um bom
programa de televisão e pensávamos como isso poderia ser
explicado para alguém que não conhecesse aquele assunto.
O programa deveria ter uma atividade que pudesse ser feita em casa e deveria
nos dar oportunidade para escrever um roteiro. Não havia educadores
dizendo o que era uma boa pergunta a ser respondida, eram pessoas do show
business decidindo o que faria um bom programa de TV.
ComCiência
- O foco do programa sempre foi para questões ligadas à
química, física e biologia. Por que nunca as questões
que envolvem as ciências humanas?
Church - Nós não estávamos desenvolvendo um currículo
[escolar], ou o que poderia ser um currículo abrangente. Estávamos
respondendo às perguntas de nossa audiência e fazendo disso
um programa educativo e divertido. É diferente. Não era
escola, era entretenimento que esperávamos vender para os patrocinadores.
Além disso, quando trato de assuntos que envolvem reflexões,
cria-se muita controvérsia. Mesmo a verdade mais simples como dizer
que negociações são melhores do que um bombardeio
- que incluí em um quadrinho que explicava como a bomba atômica
funciona - me leva a receber inúmeras cartas hostis de pessoas
me dizendo que meu trabalho é ensinar ciência e não
política. Sinto-me muito ofendido quando as pessoas presumem qual
deve ser meu trabalho. Isso volta à questão de trabalhar
em colaboração, usando o dinheiro de outras pessoas. Eu
usei US$12 milhões de uma corporação para fazer o
programa, e eu não ia entrar em controvérsias.
ComCiência
- Dizem que você recebe inúmeros e-mails de crianças.
Que tipo de coisas elas perguntam?
Church - Recebo tantos e-mails de crianças quanto papai Noel.
São cerca de 100 e-mails diariamente. Não acredito que o
papai Noel receba tantos por semana. Tenho algumas perguntas bem na minha
frente. O que faz uma bolha de sabão subir? O que faz com que o
floco de neve tenha a forma que tem? Por que a neve é sempre branca?
Por que o estômago ronca quando estamos com fome? Por que as pessoas
arrotam? Como a Terra se formou? Por que a Terra é redonda? Como
as praias se formam?
ComCiência
- Qual foi o impacto de O mundo de Beakman na divulgação
da ciência para o público?
Church - Eu gostaria de dizer que nós conseguimos atingir uma
meta específica, mas eu realmente não posso responder sobre
isso. O que eu posso dizer é que mudamos a vida de algumas pessoas
e isso é o mais importante para mim. O programa foi transmitido
no início dos anos 1990, e eu encontrei pessoas, dez anos depois,
que estão na universidade ou que já se formaram e que dizem
que eu abri algumas portas para eles. Outras pessoas me dizem que viraram
médicos porque eles adoravam o Beakman. Eu realmente acredito que
[o programa] foi uma boa coisa a ser feita. Acho que o mundo seria um
lugar melhor se pudéssemos compreender como as coisas funcionam.
Assim não seríamos intimidados ou amedrontados, deixando
de perguntar. Creio que uma vez que explicamos bem algo que as pessoas
passam a entender, pelo menos os conceitos básicos, eles aprendem
mais sobre não ter medo de perguntar. Uma vez que você entende
como uma lâmpada fluorescente funciona, você não deixa
apenas de estar intimidado ou achando que é estúpido, mas
agora entende isso, além de aprender muitas outras coisas como
o que é um fóton e como ele pode rotacionar, e o que é
um pacote de energia. Você abre uma porta e aí descobre muitas
outras abertas. Eu adoro isso!
ComCiência
- Como você vê o término da produção
de O mundo de Beakman, em 1998?
Church - No primeiro ano, nós nos unimos para vender o programa
para as estações de TV. Então, a CBS, [uma das maiores
redes de televisão dos EUA] se interessou por ele e achamos que
seria muito bom para o programa aparecer em uma rede nacional grande.
Mas, em primeiro lugar, não foi bom para o programa porque a CBS
não gostava dele. Eles apenas o colocavam no ar porque eram obirgados,
por lei, ter um programa com conteúdo educativo. Isso significa
que todas as nossas expectativas de que eles promoveriam o programa, não
foram atingidas. Nunca houve sequer um anúncio para promover O
mundo de Beakman, o que acabou inviabilizando o programa. Acho um
milagre que tenhamos feito 96 programas. O programa não dava lucros
e para investir, as pessoas precisavam saber os lucros seriam proporcionais
aos investimentos realizados pela corporação. Por isso hesita-se
em investir em uma nova produção. O programa tinha uma boa
audiência, boa avaliação, as pessoas o adoravam, mas
não trouxe dinheiro para aqueles que o fizeram. Eu não fiquei
rico. As pessoas precisam entender que eu sou o autor de um programa de
televisão de sucesso mas eu moro em uma casa alugada.
ComCiência
- Mesmo com grande audiência o programa não era lucrativo?
A que você atribui isso?
Church - Eu acho que as pessoas estão prontas. Só não
acho que as pessoas que o transmitem na televisão estejam prontas.
Creio que elas vejam o aprendizado e a aquisição de conhecimento
como sendo opostos à diversão. Eu não acho que seja,
mas penso que isso possa estar relacionado com o fato da cultura de programação
televisiva não priorizar as crianças, que eram nosso público.
O programa era visto [pelas redes de TV] como um remédio ruim que
precisavam tomar, porque o governo disse que eles precisavam. Existem
pessoas que respeito enormemente, como Steven Spielberg, Norman Leer e
produtores que nos disseram que [O mundo de Beakman] era a melhor
coisa que havia na televisão. Mas as redes de TV não o viam
como uma oportunidade, mas sim como um problema, como algo que eles deviam
fazer para não ter problemas com o governo. É uma pena!
Levei 10 anos para conseguir o dinheiro para fazer o programa e foi terrível
ver que ser fabuloso não foi suficiente.
ComCiência - Haverá uma nova edição de O
mundo de Beakman?
Church - É bem provável que sim, na verdade estamos
discutindo isso agora. Mas não existem mais esperanças de
que ele dará lucro. Temos que diminuir as expectativas. Talvez
dê certo, mas não devo falar sobre isso. Mas O mundo de Beakman
é uma parte importante da minha vida. Vimos o programa sendo transmitido
por satélite para o Brasil, para a Venezuela e até para
a China. Eu adoro isso! Sinto-me muito bem em saber que algo que criei
no computador do meu quarto atingiu o mundo todo.
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