A discussão das
conseqüências do uso de energia deve ser prioritária
A produção de energia costuma resultar em
grandes alterações na natureza e em situações de risco para
a sociedade. Arsênio Oswaldo Sevá Filho, professor da Faculdade
de Engenharia Mecânica da Unicamp foi o responsável por esse
tema no curso de Jornalismo Científico voltado à Energia,
oferecido pelo Labjor em parceria com a CPFL. Sevá Filho,
além de pesquisador e professor, tem participado de diversas
campanhas e mobilizações questionando os problemas ambientais
da produção e uso de combustíveis e de eletricidade. Em entrevista
concedida aos alunos do curso, Sevá Filho falou dos problemas
ambientais no país, relativos à produção e ao uso de energia.
As questões foram formuladas pelos jornalistas que assistiram
às aulas ministradas no Labjor, e consultaram o material de
pesquisa do professor, que está disponível para os interessados
na página da faculdade de Engenharia Mecânica.
Comciência – As
termelétricas são uma das apostas do plano energético brasileiro,
porém, o senhor já disse que elas são prejudiciais ao meio
ambiente. Qual a melhor solução para geração de energia elétrica
localizada?
Arsênio Osvaldo Sevá Filho – É errado discutir
os problemas que os usuários de energia elétrica terão no
futuro apenas pelo lado da oferta, pelo aumento da capacidade
de geração. Essa discussão é imposta à opinião pública, até
mesmo à academia, pelo lobby ofertista, do setor que constrói
barragens, das termelétricas e das nucleares. Se você me pergunta
exclusivamente do ponto de vista ambiental, eu digo que a
melhor energia elétrica é a que já está em funcionamento.
Ou seja, temos que cuidar de nossas represas e rios para que
nosso parque hidrelétrico continue operando, temos que investir
criteriosamente no sistema de transmissão e distribuição e,
principalmente, na redução dos índices de consumo de energia
elétrica. Não estou defendendo que ninguém seja obrigado a
apagar as luzes em casa, como há três anos atrás, estou falando
da redução específica, que cada tonelada de aço gaste menos
KWH para ser fabricado, cada metro quadrado de shopping gaste
menos ar condicionado.
Do ponto de vista do quê está instalado
hoje e do crescimento nos próximos anos, parece que de fato
sobra energia. Um pouco antes de sair da presidência da Eletrobrás,
o professor [Luis] Pinguelli [Rosa] afirmou várias vezes,
e ninguém desmentiu, que sobravam 7.000 MW no sistema. Estamos
entrando com 1.500 a 2.000 MW novos por ano no sistema, portanto,
do ponto de vista de energia e meio ambiente, a própria pergunta
tem que ser diferente: para o quê temos, quais os melhores
usos? Como gastar menos? Como poluir e destruir menos?
Comciência – Por
que há tanta resistência às termelétricas?
Sevá Filho - Não é que exista resistência,
mas aonde elas funcionam, a população, a vizinhança reclama
muito. Isso vale para Tubarão (SC), Bagé (RS), Charqueada
(RS) e para Santa Cruz (RJ). Os projetos de novas termelétricas
despertaram resistências em alguns lugares no Brasil e não
em outros, portanto, seria preciso fazer uma análise envolvendo
sociólogos e pesquisadores para entender o que acontece com
as empresas e com a opinião pública nesses casos. Em Araucária
(PR), por exemplo, houve, em 1999, um projeto de uma termelétrica
a gás natural. Era de uma empresa americana, a El Paso, que
rapidamente fez um estudo de impacto ambiental e em poucos
meses teve o projeto aprovado. A empresa construiu a usina,
que começou a operar, e a população só percebeu que ela existia
quando surgiram problemas na operação.
Um ano e pouco depois, surgiu um outro projeto
chamado Cofepar (que era a sigla para Conversora de Fertilizantes
e Energia do Paraná), completamente absurdo e mal intencionado,
de uma usina tipo “piche – elétrica” , com recuperação de
gases num equipamento que iria neutralizar os gases de enxofre
e produzir sulfato de amônia, um precursor dos fertilizantes
agrícolas. Mas o projeto não passou da audiência pública.
Até conseguiu a licença ambiental mas, poucos meses depois,
os empreendedores desistiram. Todo mundo da cidade de Araucária
estava contra. Numa cidade de 50 mil habitantes, 25 mil participaram
de um abaixo assinado. O padre estava contra, o pastor, as
comunidades dos ucranianos, poloneses, italianos, a maior
parte dos vereadores. Eles já tinham engolido um projeto sem
querer, o da usina a gás, de 400 MW. O segundo projeto iria
também captar água no reservatório do rio Verde, (como fazem
a Petrobras e a usina a gás), que a única represa com água
limpa na região metropolitana de Curitiba. Aí não teve jeito.
As pessoas ficaram contra mesmo.
Em São Paulo, a resistência foi devido ao
uso de água mas também ao acréscimo de poluição atmosférica.
A maior termelétrica existente era a de Piratininga, com capacidade
em torno de 600 MW. As empresas chegaram anunciando projetos
de 800 MW, 1000 MW, projetos que em termos internacionais
seriam considerados de grande porte. Propuseram usinas que
emitiram um volume de poluição atmosférica desconhecido; pior,
tentaram nos enganar, fazendo contas do tipo desligar a usina
velha Carioba I e “trocar” pelo projeto Carioba II. Enganar
de uma forma grosseira, porque Carioba I tem 30 MW e a segunda
teria 1.200 MW.
Esse tipo de postura, mais a questão do
uso da água, propiciou uma espécie de pauta básica de resistência
nos vários casos: Jundiaí, Paul~inia, Americana, Santa Branca,
Cubatão... Mas não acredito que as térmicas não tenham sido
construídas por causa da resistência. Ela foi muito importante
como movimento social e para nós pesquisadores, que tivemos
que estudar muito. Não fizeram por outros motivos: quais seriam?
A Carioba-II chegou a obter a Licença ambiental prévia, o
projeto em Cubatão (CCBS) também, mas depois de três anos,
reduziram de 960 MW para uns 90 MW, que era o que a refinaria
da Petrobras precisava. Mas é preciso ter em mente que problemas
ambientais, todos os tipos de geração de energia apresentam.
Nenhuma tecnologia é isenta de riscos, nenhuma tecnologia
é limpa, nenhuma energia é de fato renovável.
Comciência - Nem a fotovoltaica?
Sevá Filho – A fotovoltaica só serve para
lugares pequenos, locais isolados, ilhas, seringais no meio
da mata. Além disso, as placas gastam uma quantidade muito
grande de energia para serem fabricadas, e isso tem que ser
computado. Nada é limpo. Analisando o processo de produção
de uma placa fotovoltaica, ele parte de uma sílica encontrada
na natureza, por exemplo, com um teor de silício na faixa
de 90 a 95%, que tem que ser beneficiado até 99,99 %. E isso
se faz gastando uma enormidade de combustível, inclusive carvão
vegetal, óleo, gás e eletricidade, portanto, não é um processo
limpo. A placa dura um determinado tempo, e depois vira sucata.
Apenas durante a etapa operacional- quando ela recebe a luz
do sol e a transforma em eletricidade, pode-se dizer que é
inócua. Mas uma tecnologia, para ser adotada, entrar no mercado,
para virar algo que a sociedade inteira use, tem que ser avaliada
rigorosamente no conjunto das etapas. Mas a principal limitação
à energia fotovoltaica é mesmo a potência. Não existe fotovoltaica
que alimente uma cidade grande.
Comciência - E a eólica?
Sevá Filho – Ela pode servir pode complementar
a rede, principalmente em lugares onde venta muito. No Brasil,
esses lugares são raríssimos, no litoral do Rio Grande do
Norte ao Maranhão, onde o vento é garantido em 365 dias no
ano. Varia a velocidade, mas não tem calmaria. Em outros lugares
não é assim. Visitei uma instalação no ano passado em Santa
Catarina, que tinha 600 KW de potência. A turbina no alto
da Serra do Rio do Rastro dizem que ilumina a estrada que
sobe a Serra, que é linda e muito perigosa. Mas quando a visitei
ela gerava só 70 KW e a cidadezinha mais próxima estava sendo
abastecida pela energia da Celesc, que compra de uma usina
termelétrica de grande porte, ali perto em Tubarão. Não é
muito romântico uma estação eólica com o “backup” garantido
por uma termelétrica que queima carvão mineral. É preciso
saber diferenciar tamanhos: as luzes da estrada podem gastar
70 kw, a cidadezinha ali perto talvez use 10.000 ou 30.000
KW. Uma metrópole usa 1 milhão de KW. Ou duas três vezes isto.
Comciência - Mas as renováveis têm
menos impacto no ambiente do que as não renováveis, não é?
Sevá Filho – A expressão Energia renovável
, apesar de muito atraente, é uma contradição em si. É um
jogo de palavras, porque a energia, de acordo com a Termodinâmica,
é a capacidade de realizar trabalho, é algo que se converte,
de uma forma em outra, quase que indefinidamente e sempre
se degradando. Então, não existe nada no mundo que seja renovável
e muito menos o fluxo da energia. Em termos de física, de
termodinâmica, o máximo que se pode dizer é que o ciclo das
águas, se não for muito alterado, é renovável. Em qualquer
mudança de forma, uma parte da energia vai se perder.
Não existe maneira de fazer uma conversão
energética com eficiência de 100%, sem nenhuma dissipação.
Associar o renovável ao menor impacto ambiental às vezes é
válido, mas às vezes não. Para discutir impacto ambiental
é precisa ver em que período (ou perímetro) se está discutindo.
É como a chamada “solar fotovoltaica”. É mágico ver aquele
sistema funcionando. Bate um raio de Sol, que em sua expressão
menor é um fóton, um quantum da energia solar; cada fóton
tem a capacidade de fazer vibrar lá dentro um elétron de silício
que foi devidamente dopado com produtos químicos raríssimos,
e que produz uma corrente elétrica que pode ser captada. Para
se chegar naquilo, não há mágica, é gasta uma quantidade enorme
de energia! E vai funcionar com rendimento obrigatoriamente
decrescente ao longo dos anos, um dia morre. Há placas que
morrem com oito anos, outras com vinte anos de uso.
Comciência – Hoje
há a gasolina, o álcool, e o gás natural está entrando no
mercado. Como o senhor vê a questão de combustíveis alternativos
em relação ao petróleo?
Sevá Filho – Do ponto de vista ambiental,
de todos os combustíveis fósseis, o pior é sem dúvida o carvão.
O Brasil deveria parar de explorar o carvão. A siderurgia
no Brasil, por exemplo, deveria voltar a usar carvão vegetal
como no passado, principalmente porque o carvão vegetal da
siderúrgica vem a maior parte de eucaliptais – só uma parte
muito pequena vem de desmatamento de cerrado ou de Mata Atlântica.
Outra boa medida seria tirar o carvão das termelétricas, trocando
pelo gás natural onde fosse possível. Quanto aos combustíveis
líquidos, 80% do problema que temos de suprimento é de responsabilidade
do nosso sistema de transportes de cargas e passageiros. Não
dá para falar em combustível sem falar em transporte. E de
todos os combustíveis o menos poluente é o gás natural, apesar
de ser fóssil. A entrada do gás natural GNV, em cidades de
vários Estados brasileiros, primeiramente nos táxis, nas vans,
camionetes que têm motores que usam gasolina e álcool, e nas
frotas de empresas, é uma opção bem interessante. Além disso,
o transporte eletrificado no Brasil é muito mal utilizado.
Fizemos a besteira de retirar todos os bondes
e temos pouquíssimos trens eletrificados nas regiões metropolitanas.
Metrô só temos em duas cidades, São Paulo e Rio; em três capitais
populosas, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre funcionam
metrôs de superfície. São sistemas ainda muito pequenos em
relação à dimensão dessas cidades. Sem dúvida a saída seria
ter mais transporte coletivo de passageiros, mais corredor
exclusivo de ônibus, mais transporte eletrificado, o que diminuiria
o consumo de gasolina e de diesel. A gasolina brasileira,
do ponto de vista ambiental, é comparável às melhores do mundo.
O diesel brasileiro está ficando melhor,
devido à redução do nível de enxofre. Boa parte do consumo
do diesel brasileiro ocorre nos picos das safras agrícolas,
inclusive a safra da cana, o que é um contra-senso. Para fabricar
álcool o consumo de diesel é muito grande, da ordem de 80
a 120 ml de diesel por litro de álcool fabricado. O álcool
para motores em geral,e não apenas veículos leves, é uma experiência
que já deveria ter dado certo. Não deu porque do outro lado
tem o petróleo que é muito forte e porque há uma conjunção
da indústria automobilística, do petróleo internacional, das
fábricas internacionais de motores e carros. A parte ambiental
do álcool também não está nada bem resolvida. Da bomba de
combustível para frente o álcool é igual ou melhor que a gasolina.
Dali para trás, se fosse bem feito, não haveria como derrubá-lo.
Comciência – É
possível aplicar o mesmo sistema de produção do álcool para
a produção do biodiesel?
Sevá Filho - Eu conheço pouco de biodiesel.
A primeira pergunta que sempre faço é: “biodiesel feito de
quê?”. Se for de um produto que é coletado, como o babaçu,
a organização vai ser de um jeito; se for de um produto que
pode ser plantado, como o dendê, o girassol ou a mamona, vai
ser de outro jeito. Então depende muito. É preciso encarar
os problemas existentes na produção dos combustíveis convencionais
e não ficar apenas imaginando um belo futuro.
Nas discussões sobre energia algo que atrapalha
muito é o espírito do professor Pardal. A todo momento somos
assediados com alguma novidade que pretende ser a solução
de todos os problemas. Não sou jornalista e nem empresário,
na minha área estou preocupado com o conhecimento, e esse
tipo de “oba-oba”, estimulado de tempos em tempos por vários
lobbies atrapalha muito o conhecimento, a pedagogia.
Comciência – Na
sua opinião, qual seria o impacto ambiental de Angra 3?
Sevá Filho – A energia nuclear é algo muito
preocupante porque, desde o momento que esse governo assumiu,
a ministra de Minas e Energia lavou as mãos. Ela chegou a
declarar que, do ponto de vista energético não era necessário
construir Angra 3, mas que isso não estava na alçada dela.
Para quem entende bem os recados foi dito que o programa nuclear
não é um problema energético. Trata-se de um problema militar.
Se for feita mais uma usina, que seria a Angra 3, é por decisão
dos militares e da parte do governo que acha que os militares
têm razão e que acha que o país tem que dominar toda a cadeia
da tecnologia nuclear, até mesmo o enriquecimento de urânio
e a fabricação da bomba.
Visto nessa ótica, não cabe na área de energia
uma discussão sobre Angra. É um problema de ordem militar
e a própria ministra já reconheceu isso. Já existem duas usinas
funcionando, uma de tecnologia Westinghouse, com potência
na faixa de 600 MW e a outra, Angra 2, com 1.300 MW, tecnologia
alemã, resultado do acordo militar Brasil-Alemanha, do período
Geisel. Essas duas implicam numa cadeia produtiva que começa
na mineração do urânio, que produz uma quantidade enorme de
resíduos durante as fases de beneficiamento até chegar ao
isótopo 235 de urânio. Ou seja, para chegar às pastilhinhas
que compõem o núcleo do reator há um processo que é um dos
mais poluentes e mais contaminantes em toda a história da
engenharia.
Como se não bastasse isso, em seu funcionamento
a usina nuclear usa muitos recursos hídricos, como qualquer
usina termelétrica – ela é uma usina termelétrica convencional,
só que no lugar de uma caldeira tem um reator; tem torres
de resfriamento de grande porte, trabalha com um condensador
que, em geral, é em circuito aberto e portanto esquenta a
água do mar, como no caso de Angra. Se não bastasse isso,
todo o reator, todas as máquinas, todas as botas, luvas, ferramentas
usadas no trabalho entram em contato com o material radioativo,
são contaminados, tudo isso vira sucata. As pastilhas usadas
são remetidas para recuperação de plutônio para fabricar bomba,
todo o restante está guardado dentro da piscina do reator
de Angra. Por enquanto, não se sabe o que se vai fazer com
aquilo e, enquanto ela continua funcionando, a sucata radioativa
vai aumentando.
Os dois últimos ministros de Ciência e Tecnologia
são pouco informados sobre os assuntos do seu ministério,
foram colocados no cargo por mera conveniência partidária.
E, além disso, parecem maravilhados com o militarismo, concordam
com os militares que temos que dominar a tecnologia nuclear
para desenvolver a bomba. Isso para o Brasil é uma desgraça!
Entrevistaram o Prof. Arsênio Osvaldo Sevá Filho: Eliane Santos, Bibiana Sant´Ana, Maria Teresa Costa, Eleide Bérgamo, Hélio Paschoal Filho, Flávia Martelli e Simone Pallone.
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