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Universidades federais podem seguir UnB na adoção de cotas para negros

A Universidade de Brasília (UnB) pode ser a primeira federal de grande expressão a adotar o sistema de cotas de vagas para negros em seu processo seletivo já em 2003. O professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da UnB, apresentou em 2001 uma proposta que reserva 20% das vagas para estudantes negros. Após amplo debate, incluindo dois seminários e a apresentação do projeto como pauta oficial do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB, a proposta está sendo aprovada para vigorar no vestibular do 2º semestre deste ano.

O Conselho da UnB discute agora um plano de meta para implementação da medida, que inclui a criação de uma comissão de acompanhamento pedagógico do desempenho dos estudantes beneficiados pelo sistema de cotas. O critério de quem deve se beneficiar, a exemplo do que já é feito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é o da auto-classificação, ou seja, o estudante preenche um campo na ficha de inscrição informando se é negro. "Mas ao contrário da UERJ, nós não faremos dois vestibulares diferentes na UnB", adianta o autor da proposta. "A prova do vestibular será igual, com nota mínima de corte, e os negros competirão entre si", completa.

Carvalho coordenou em janeiro um encontro com 19 professores (17 dos quais são negros) dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros de 10 universidades federais, quatro estaduais e duas particulares. Os participantes do encontro elaboraram propostas e recomendações que foram apresentadas no dia 13 daquele mês no I Fórum Diversidade na Universidade, organizado pelo Programa de mesmo nome, recém-criado no Ministério da Educação (MEC). Além de considerar que as cotas devem fazer parte das ações políticas, os professores recomendam, entre outras coisas, que o termo a ser usado nas discussões e leis que tratam do assunto seja apenas "negro", e não preto, pardo ou afro-descendente. O documento encaminhado ao MEC também sugere medidas que permitam não apenas o acesso de negros, mas a sua permanência na universidade, com bolsa de estudo, moradia e acompanhamento acadêmico. Os professores sugerem ainda que as cotas sejam estendidas para os programas de mestrado e doutorado.

O autor da proposta de cotas na UnB diz que se ela tivesse sido aprovada em 2002 pelo Conselho da Universidade e o Ministério da Educação impedisse a sua implementação no vestibular, a questão iria parar no Supremo Tribunal. "Nós estamos lidando com a autonomia da universidade", defende. "Há um diferencial racial no Brasil. Não podemos ficar esperando 30 anos para que os negros possam competir com igualdade de condições", afirma Carvalho. Ele diz que a UnB, que possui apenas 1% de negros no seu corpo de docentes, pode dar um exemplo significativo no sentido de diminuir a defasagem de escolaridade de negros em relação a brancos, uma vez que a proposta de cotas está sendo aprovada em uma universidade importante, instalada na capital do país.

Segundo Carvalho, a primeira a aderir à medida adotada pela UnB seria a Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde as discussões sobre o tema já estão adiantadas. Para o diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, professor Ubiratan Castro de Araújo, no entanto, a proposta de cotas deve se adequar à realidade de cada estado. "As cotas de vagas em Brasília não devem ser as mesmas na Bahia, que tem uma população negra muito maior", afirma Araújo. Uma pesquisa intitulada A cor da Bahia, desenvolvida por Delcele Mascarenhas no Departamento de Ciências Sociais da UFBA, revela que o acesso de negros aos cursos mais concorridos da universidade é restrito. O estudo mostra que enquanto cursos de baixa demanda, como Estatística e Química Industrial, chegam a ter entre 18% a 25% de alunos negros, os mais disputados, como Medicina e Odontologia, têm menos de 2% de negros entre seus estudantes.

Até agora, o sistema de cotas de vagas para negros já é adotado em 11 universidades públicas do país: a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Universidade Estadual de Diamantina (MG), a Universidade do Estado do Mato Grosso, as 6 estaduais do Paraná e a Universidade Federal do Tocantins. Em janeiro, o governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, também aprovou o sistema de cotas para a universidade estadual de seu estado.

A discussão sobre cotas ganhou espaço na mídia a partir da aprovação, pelo então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, em 2001, de uma lei que estabelecia cotas de 50% das vagas das universidades estaduais para estudantes da rede pública de ensino e 40% para negros e pardos. A lei aprovada por Garotinho, no entanto, previa uma avaliação seriada a cada ano do ensino médio, ou seja, só garantiria o ingresso na universidade depois de três anos. No dia 4 de julho do ano passado, a sua sucessora, Benedita da Silva, regulamentou a lei, por meio de decreto, e estipulou a criação de um processo seletivo diferenciado para estudantes negros no exame vestibular das universidades estaduais.

As cotas no legislativo federal
Enquanto as decisões no Rio ganhavam repercussão nacional, o debate sobre o acesso, não só de negros, mas também de índios, à universidade já estava na pauta de discussão do legislativo federal, e se reforçou especialmente após a Conferência Mundial de Combate ao Racismo, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2001, na África do Sul. "A Conferência estabeleceu uma série de recomendações, e uma delas é a criação de programas que universalizem o acesso às universidades", diz o deputado federal Gilmar Machado (PT-MG), líder da bancada de parlamentares negros.

Coordenada pelo deputado mineiro, que é educador e membro da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, essa bancada se mobilizou e conseguiu apoio suficiente para converter em lei, em novembro de 2002, a Medida Provisória que criava no âmbito do Ministério da Educação o Programa Diversidade na Universidade. Segundo a lei, o objetivo do programa, que terá recursos da União pelo período de três anos, é "implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afro-descendentes e dos indígenas brasileiros".

Apesar da discussão sobre cotas ocupar as tribunas do Congresso há pelo menos dois anos, o consenso em nível federal tem se mostrado mais lento que as decisões locais de cada estado. Desde 2000, já existem Projetos de Lei que tratam da questão e que até hoje estão tramitando no Congresso, como o PL 3198/00 do deputado Paulo Paim (PT-RS), que cria o Estatuto da Igualdade Racial. Esse PL prevê que pelo menos 20% das vagas de universidades públicas sejam destinadas à população negra. Outros projetos, como os de Luiz Salomão (PDT-RJ) e de Nair Xavier Lobo (PMDB-GO), reservam respectivamente cotas de vagas para negros em concursos públicos e cotas de alocação de recursos para qualificação profissional de afro-descendentes no Programa Seguro Desemprego. No ano passado, o deputado Damião Feliciano (PMDB-PB) apresentou o PL 6399/02, que destinava no mínimo 15% de vagas para afro-descendentes em cursos de graduação.

O Projeto de Lei mais abrangente e que esteve mais próximo da aprovação é o 6912/02, de autoria do senador José Sarney. Esse PL, que destina um mínimo de 20% das vagas em universidades públicas e privadas, em concursos públicos e em contratos de crédito educativo do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior pelos próximos 50 anos, chegou a ser aprovado por unanimidade, após a inclusão de substitutivo, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, no dia 17 de abril de 2002, e foi enviado à Câmara no dia 6 de junho, mas ainda não foi ao plenário para votação. O projeto de Sarney determina que as cotas devem variar de estado para estado, de acordo com a composição étnica do local onde está a universidade ou o órgão público.

O substitutivo apresentado na CCJ amplia a medida, incentivando a candidatura de afro-descendentes a cargos eletivos e propondo uma melhor pontuação em concorrências públicas para as empresas que se comprometerem a contratar negros e pardos. A questão mais polêmica na discussão do projeto era a definição de quem seria beneficiado pela medida. A proposta de Sarney de destinar as vagas para quem se declarar negro ou pardo no ato da inscrição do concurso público ou do vestibular, foi aprovada pela CCJ, pois a classificação das pessoas pela cor da pele, que já foi um dos itens das certidões de nascimento, não aparece mais em nenhum documento oficial emitido no país. O substitutivo ao projeto determina também que as universidades criem sistema de acompanhamento do desempenho acadêmico dos estudantes negros beneficiados pela proposta, a exemplo do que será feito na UnB, segundo o professor José Jorge de Carvalho.


Fonte: Boletim de Políticas Públicas do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ
JUN/SET 2002 Nº3

(RC)

 
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Atualizado em 10/02/2003
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