Agências
dos EUA reconhecem efeito estufa, mas Bush não ratifica Quioto
Responsável
atualmente por 25% das emissões mundiais de gases que provocam
o efeito estufa, os Estados Unidos, após o início
da administração de George W. Bush, têm procurado
cada vez mais se distanciarem dos compromissos ambientais assumidos
pela administração anterior. Não somente o
novo governo se recusa a ratificar o Protocolo de Quioto como procura,
também, questionar a validade das afirmações
colocadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC).
A administração
Bush tem procurado negar o consenso de que a ação
humana tem causado o aumento da temperatura global, o que entre
os cientistas já é praticamente um consenso. Segundo
Arnaldo César Walter, da Faculdade de Engenharia Mecânica
da Unicamp, a posição dos Estados Unidos é
política e não científica. "A não
ratificação se dá pelos interesses políticos,
econômicos e estratégicos. Mas, ao mesmo tempo, o governo
norte-americano coloca uma quantidade enorme de recursos para desenvolver
fontes renováveis de energia e não faria isso se não
acreditasse nas causas do efeito estufa postas pelo IPCC",
afirma.
O principal
argumento para a rejeição ao Protocolo, tem sido o
alto impacto que as reduções na emissão de
gases de efeito estufa teriam na economia norte-americana. Boa parte
da geração de energia daquele país (86%, segundo
dados da Agência dos Estados Unidos para o Meio-Ambiente)
é baseada na queima de carvão, o que gera alta liberação
desses gases. O aquecimento das casas é baseado na queima
de combustíveis fósseis e o país é o
que tem o maior número de veículos por habitante,
com alta liberação de gases a partir de automóveis.
Além disso, desde 2001, o país enfrenta um período
de recessão e desemprego, agravados depois dos ataques terroristas
de 11 de setembro.
Entretanto,
alguns sinais têm sido dados de que pressões internas
e externas podem levar à adoção de medidas
de combate ao efeito estufa, embora a assinatura do Protocolo de
Quioto seja algo altamente improvável.
Segundo
editorial
do portal SciDev.net - site de notícias realizado por membros
da revista Nature, assinado por David Dickson, entre os fatores
que estariam pressionando o governo norte-americano estão:
o escândalo da Enron, empresa de energia que fraudou seus
balanços de lucros e com ligações com membros
da Casa Branca; novas evidências do derretimento de geleiras
no Alasca; e iniciativas locais como a da assembéia legislativa
do estado da Califórnia, que aprovou uma lei exigindo cortes
dramáticos na emissão de CO2 por parte dos automóveis.
Quem
enfatiza o impacto dessas medidas também é a revista
norte-americana Grist, voltada para questões ambientais.
Em uma reportagem
especial, a revista mostra como ações individuais,
de ONGs, empresas e universidades, espalhadas por todos os Estados
Unidos, apesar de terem pouco impacto nas emissões de todo
o país, contribuem para chamar a atenção do
público para o assunto e podem contribuir para uma mudança
política mais profunda.
Mesmo
no ambiente político da Casa Branca, a solução
dada por Bush para o problema do aquecimento global não parece
ser unânime. As autoridades científicas que ocupam
posições técnicas e burocráticas, em
sua maioria, aceitam os pareceres do IPCC de que há fortes
evidências de que a ação humana tem causado
o aquecimento global. O último relatório do grupo
de estudos norte-americano sobre as mudanças climáticas
já aceita o impacto da ação humana nas mudanças
climáticas.
Próximos
ao presidente norte-americano, duas figuras procuram influenciá-lo
diferentemente sobre essa questão. É o que revela
o jornalista Robert Novak, da CNN. Segundo ele, o vice-presidente
Dick Cheney é a figura mais ativa que tenta promover a desfiliação
total dos Estados Unidos ao Protocolo de Quioto. Do outro lado,
estaria a conselheira sobre Segurança Nacional, Condoleezza
Rice. Ambos teriam influência semelhante sobre Bush e a estratégia
da última seria fazer com que os Estados Unidos não
rompa totalmente com o Protocolo, mantendo a possibilidade de ratificação
aberta ao futuro novo presidente - que poderia ser um democrata,
mais ligado às questões ambientais.
Entretanto,
os conservadores norte-americanos, ligados ao Partido Republicano
atualmente no poder, possui setores mais radicais que chegam a defender
que o aumento da temperatura global pode ser favorável economicamente.
Há cientistas com altos cargos nas universidades norte-americanas
que têm fomentado a recusa das evidências do aumento
da temperatura global.
Um
deles é Patrick J. Michaels, professor de Ciências
Ambientais da Universidade de Virgínia, que tem acusado o
IPCC, e mesmo instituições de pesquisa norte-americanas,
de tratarem o assunto politicamente. Em um testemunho ao Congresso
Norte-americano, em 1996, ele fez questão de questionar a
classificação do gás carbônico como um
gás poluente, lembrando que poluente é algo que tem
impacto negativo no meio ambiente, e que negativo e positivo são
termos subjetivos. Michaels é membro do Cato Institute, organização
que tem por objetivo levar ao debate público os "princípios
tradicionais norte-americanos da liberdade individual, do governo
limitado, do mercado livre e da paz".
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O
plano de Bush para conter o efeito estufa está no Congreso
norte-americano. Fonte: Eric Draper, Casa Branca
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Oficialmente,
o próprio governo Bush tem procurado tocar projetos autônomos
de redução das emissões de gases. No final
de julho, foi anunciado o envio para a aprovação do
Congresso do plano Céu Limpo e Iniciativas sobre Mudanças
Climáticas Globais, "a mais agressiva iniciativa norte-americana
para cortar as emissões na geração de energia".
O plano inclui o corte de 18%, em um prazo de dez anos, da emissão
de gases que causam o efeito estufa e a redução drástica,
mas gradual, da emissão de três gases (o dióxido
de enxofre em 73%; os óxidos de nitrogênio em 67%;
e as emissões de mercúrio em 69%).
Essa
política é anunciada como uma alternativa mais favorável
do que as reduções de Quioto, que poderia, segundo
o governo norte-americano, ameaçar milhares de empregos nos
Estados Unidos. Em lugar disso, o objetivo seria incentivar o desenvolvimento
de novas tecnologias e a parceria com países subdesenvolvidos.
Ao invés de procurar transformar um padrão de vida
e de consumo que tem colocado em risco os recursos naturais, as
autoridades norte-americanas estão preocupadas em desenvolver
novas alternativas tecnológicas que possam diminuir os efeitos
e as emissões dos gases, tudo em nome da boa saúde
do mercado. "Enquanto os investimentos na ciência que
estão sendo feitos hoje, melhoram nosso entendimento do desafio
de agir seriamente frente às dúvidas da ciência,
nossos investimentos no setor de energia e nas tecnologias para
o seqüestro de gases vão nos prover o atalho para reduzir
as nossas emissões em um longo período", diz
o documento oficial do plano Céu Limpo.
As
ligações com a indústria do petróleo
A
administração Bush é acusada, por organizações
ambientais de todo mundo, de ter relações próximas
e não muito claras com as grandes companhias de petróleo.
O caso que se tornou mais famoso envolveu a ExxonMobil (Esso, no
Brasil) e culminou com a retirada do antigo chefe do IPCC, o norte-americano
Robert Watson.
Watson
teve o apoio da administração Clinton para chegar
à chefia do IPCC e estava no cargo há 6 anos. Em abril
deste ano, no entanto, foi substituído por seu vice, o indiano
Rajendra Pachauri, tido como menos combativo na cobrança
dos países desenvolvidos com relação à
redução da emissão dos gases do efeito estufa.
A mudança do comando do IPCC ganhou destaque porque foi sugerida,
em memorando, pela ExxonMobil, que ressaltou a inadequação
de Watson aos interesses da administração Bush. Veja
o memorando em http://www.comciencia.br/reportagens/clima/memo.pdf
(RE)
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