A história do homem também é a história das águas    
 
Águas no passado

Mapa esquemático da bacia dos rios Tigre e Eufrates. A região em verde-claro é a parte beneficiada pelo regime de cheias. Abaixo e à direita, o Golfo Pérsico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estado indiano Uttar-Pladesh onde localiza-se a bacia do rio Ganges, sede da civilização indiana em 567 a.C.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Exemplo da arquitetura em pedra na cidade de Angkor, Camboja. Note as raízes invadindo as construções. Foto: Adriano Gambarini.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  A disponibilidade de água doce para consumo humano e para uso na agricultura sempre ocupou um lugar privilegiado entre as prioridades a serem consideradas pelas sociedades antigas para a fixação em determinados locais. Mas foi nas origens das primeiras sociedades que as ofertas de água doce exerceram um papel muitas vezes determinante na dinâmica da vida humana e no desenvolvimento técnico e material.

Data de aproximadamente 3.100 a.C. o surgimento da civilização Suméria, na região banhada pelos rios irmãos Tigre e Eufrates, no atual Iraque. Estes rios, através de seu regime de cheias e vazantes anuais, provê as terras adjacentes com matéria orgânica fertilizante. Nesta região, os sumérios, após um razoável esforço de desbravamento, conseguiram que a agricultura fornecesse frutos abundantes.

De fato, o cultivo da terra na região da bacia dos Rios Tigre e Eufrates, um feito creditado ao empenho humano coletivo, deu resultados excelentes. Tanto que os Sumérios conseguiram desenvolver um modo de vida próprio: graças à abundância das colheitas eles obtinham mais alimento do que o necessário para a sobrevivência imediata. O armazenamento deste excedente dava aos sumérios algumas vantagens na época: a liberação de alguns indivíduos da lavoura para o trabalho com a arquitetura e a escrita.

Se por um lado o desbravamento e a colonização da bacia do Tigre e Eufrates foram necessários para a produção do excedente agrícola, por sua vez a administração e compartilhamento da água doce foram os responsáveis pela manutenção e continuidade do regime. As águas da bacia eram drenadas por uma intrincada malha de diques e canais que as faziam passar por todas as propriedades produtoras. A administração geral das águas era a tarefa maior das autoridades públicas. O assunto era tão importante para os sumérios que um estado de guerra crônica afligiu suas cidades, a partir do momento em que o crescimento urbano e demográfico exigiu a expansão dos campos cultivados. Mas isso só aconteceu depois de 600 anos do surgimento do império, ou seja, por volta de 2.500 a.C. O domínio dos rios Tigre e Eufrates e seus tributários menores era questão militar em todas as principais cidades sumérias e nunca teve uma solução. Ao contrário do Egito faraônico, onde havia um poder central forte, capaz de neutralizar forças políticas regionais, na Suméria, as cidades-estado (Ur, Uruk, Lagash e Umma, as mais importantes) detinham o controle dos exércitos e guerreavam entre si.

A tônica da vida suméria no segundo milênio antes de Cristo parece ter sido a disputa entre cidades pelo domínio da água. Uma escultura em baixo-relevo escavado na região mostra o Rei Eannatum, da cidade de Lagash, celebrando uma vitória sobre a cidade de Umma. A obra mostra exércitos equipados e treinados, capazes de praticar uma guerra cruel e letal. Havia escudos e elmos (talvez metálicos). O artista mostra os exércitos vitoriosos organizados em falanges, escudos lado a lado, e pontas de lanças saindo por entre os soldados. Corpos de soldados vencidos do exército oponente jaziam mortos no chão. Há indícios de que a disputa tenha sido originada pelo controle de um canal na fronteira de dois estados.

Há uma hipótese geral, no estudo das origens das diferentes sociedades, de que a produção de um excedente agrícola é necessária para que os agrupamentos humanos cresçam. E a produção de excedente agrícola foi possível em locais peculiares da Terra: regiões restritas, onde uma conjugação de fatores naturais favoreceu notavelmente o desenvolvimento da agricultura. A maioria destas regiões está demarcada por bacias hidrográficas. Os rios e suas dinâmicas anuais de cheias-vazantes propiciaram a fartura nas agriculturas nas sociedades Suméria, Acadiana e Egípcia.

Estado indiano de Uttar-Pradesh. Vide figura ao lado.Na Índia, na época de Sidarta Gautama, o Buda (+- 567 - 487 a.C.), as cidades localizavam-se na porção média da bacia dos rios Ganges-Jumna (ou "Yamuna").

Na China da Dinastia Shang (pré-Confúcio) os grupos humanos localizavam-se junto à bacia inferior do Rio Amarelo - na planície norte - junto com seu tributário na margem direita, o Rio Wei. Na época de Confúcio (551 - 479 A.C.) a China havia se expandido e, ao sul, ocupava também as bacias dos Rios Hwai e Han, bem como terras baixas da bacia do Yangtsé. Embora a importância da presença de água doce nestas duas últimas civilizações citadas tenha sido grande, não é tão claro que tenha havido uma agricultura tão bem sucedida quanto no mundo sumério ou egípcio.

No atual Camboja um império esconde-se dos olhos dos homens modernos, no meio da selva tropical: A cidade de Angkor foi construída por um povo que deixou poucos e enigmáticos testemunhos.
Também contava com uma intrincada rede de canais de abastecimento.

No continente americano, o registro mais antigo de povoamento encontra-se no sul do México, região conhecida atualmente como San Lorenzo. Ali, a sociedade "Olmeca", porvolta de 1.250 a.C. erigiu um império, com uma capital próxima do rio Coalzacoalcos. Este rio, que desemboca no golfo do México, pode ter tido papel importante no desenvolvimento humano da região, embora neste caso novamente não se saiba ao certo o papel das águas doces na agricultura. Uma dificuldade no estudo da civilização Olmeca é que não há registro de escrita, apenas esculturas e arquitetura. Os Olmecas deixaram-nos imensas cabeças esculpidas em basalto monolítico e representações de seu deus, uma mistura de homem com jaguar. O cultivo do milho era conhecido e praticado na região, embora não se saiba ao certo se foi desenvolvido lá ou importado de locais mais ao sul, como o Peru.

A controvérsia quanto à necessidade de excedente agrícola, logo de terras irrigadas, para o crescimento de centros populacionais na antigüidade se estende entre arqueólogos, historiadores e outros pesquisadores. Em regiões como a Síria, existiram grandes povoamentos aparentemente sem o concurso de nenhum rio ou bacia dominantes.

Contudo, pode-se afirmar que as dificuldades enfrentadas para a garantia da subsistência de povos que habitaram regiões secas foram muito maiores do que as enfrentadas por povos que se fixaram nas margens de rios.

   
           
     

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Atualizado em 10/09/2000

   
     

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