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Reportagem
Brasil poderia explorar melhor o turismo de negócios
Por Roberto Takata
10/06/2015
O turismo de negócios e eventos é um setor da economia que experimentou uma extraordinária expansão na última década. Dados de estudos acadêmicos sobre o setor e de agências e associações mostram que eles alavancam as visitas em vários países, e o Brasil é um deles, trazendo divisas. Porém, o que se constata é que faltam informações que possam reforçar esse tipo de turismo, de modo a mitigar os problemas que são trazidos, como melhorar a infraestrutura dos principais eventos e pontos turísticos e lidar melhor com a sazonalidade.

Segundo dados da International Congress and Convention Association (ICCA), em 2003, um total de 62 eventos internacionais foram realizados em 22 cidades do Brasil; em 2013, esse número saltou para 315, em 54 cidades. Em 2014, ano de Copa do Mundo, o número foi um pouco menor: 291, ainda assim foi o décimo país em total de encontros, o primeiro sendo os EUA, com 831.

Pelos dados do Ministério do Turismo, o gasto médio diário de turistas em viagem a negócios em 2013 era de US$ 102,18, cerca de 50% a mais do que o gasto médio diário de turistas de lazer. Em 2014, foi de US$ 127, quase o dobro do gasto dos turistas de lazer. Já no levantamento “Impactos Econômicos dos Eventos Internacionais Realizados no Brasil” da Fundação Getúlio Vargas (FGV), para a Embratur de 2014, a diferença é ainda maior: US$ 329,39 de gasto diário médio dos turistas de negócios e eventos contra US$ 73,77 do turista em viagem de lazer. Na mesma pesquisa em 2007/8, o valor de gasto diário médio do turista de negócio foi de US$ 285,10.

Outro estudo que traz dados do setor, do Ministério do Turismo – Estudo da Demanda Turística Internacional – aponta que 25,6% dos estrangeiros que vieram ao Brasil em 2013 eram turistas de negócios (em 2007 eram 27,4%), desses, 48,3% na cidade de São Paulo e 23,9% na do Rio de Janeiro. Negócios são o segundo motivo mais citado pelos estrangeiros para a visita ao país, sendo o primeiro, o lazer.

A despeito desse vigor econômico, o turismo de negócios como tema de pesquisas acadêmicas no Brasil parece bastante incipiente. Uma busca na base bibliográfica da SciELO não retorna nenhum resultado com o uso do termo “turismo de negócios” ou “business tourism” no campo de título ou de assunto contra 79 artigos com “turismo” no título (72 “tourism”) e 112 no assunto (123 “tourism”). Na base da Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal, Redalyc, apenas 8 resultados (em português e espanhol) são encontrados na busca por “turismo de negócios” no campo de título do artigo e 7 no campo de palavras-chave.

“Acredito que a falta de produção a respeito do assunto esteja mais relacionada à dificuldade de obtenção de dados junto a empresários do que uma falta de interesse pelo assunto”, diz a administradora e doutora em engenharia de produção, Deborah Moraes Zouain, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV. Atual editora da Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo da Ebape/FGV, ela complementa: “De forma geral, os empresários estão com o tempo cada vez mais escasso e o acesso a eles para coleta de dados primários se torna cada vez mais difícil e burocrático, o que leva o pesquisador a buscar fontes secundárias ou optar por outra temática de estudo”.

A turismóloga e doutora em ciências da comunicação, Debora Cordeiro Braga, da Escola de Comunicação e Artes da USP, destaca o número relativamente reduzido de pesquisadores: “O tema é estudado por alguns pesquisadores de São Paulo, Fortaleza, Salvador e Natal, mas são poucos os artigos publicados”.

Essa falta de pesquisas pode ser um problema. Apesar da importância econômica do turismo de negócios em São Paulo, “o poder público não dá a devida importância para esse segmento, que também demanda transporte público, utiliza restaurantes, frequenta casas de show e faz compras”, diz Braga. E continua: “O congestionamento na região dos grandes espaços de exposição e nos hotéis em épocas de eventos corporativos afeta a todos, assim, políticas públicas são necessárias. As pesquisas podem, e devem, ser as referências para convencer empresários e poder público sobre as necessidades e especificidades desse segmento.”

Um nome, múltiplos significados

Nessa escassa literatura e nos diversos relatórios de órgãos e empresas de turismo é possível notar uma grande variação no entendimento do que exatamente seja o turismo de negócios. Para alguns teóricos, a viagem a negócios nem sequer se constitui em turismo por não ter o lazer como objetivo primordial.

Para a Organização Mundial do Turismo (OMT), um evento (meeting) é uma reunião com, no mínimo, 10 pessoas durante pelo menos 4 horas em um espaço alugado. Esses encontros podem se chamar convenções, conferências, congressos, feiras comerciais, exposições, incentivos, encontros empresariais e de negócios. A inclusão de viagens a negócios como atividade turística pelo órgão foi baseada mais no uso e na demanda sobre bens e serviços turísticos do que pela natureza e razões da atividade. A IMEX, exibição mundial de viagem de incentivo, encontros e eventos, por sua vez, adota como definição de turismo de negócios: a “provisão de instalações e serviços para os milhões de delegados que anualmente participam de encontros, congressos, exibições, eventos de negócios, viagem de incentivo e hospitalidade corporativa”.

Zouain esclarece que “hoje, o Ministério do Turismo denomina turismo de negócios e eventos aquele grupo pessoas que viaja para reuniões de negócios, visitas técnicas ou para participar de eventos, convenções, simpósios, lançamentos, mostras, exposições, feiras, entre outros”.

Definição similar é adotada por Braga: “Turismo de negócios é aquele em que o deslocamento até o destino é motivado por questões ligadas à atividade laboral e ao desenvolvimento profissional”. A professora da USP diz ainda que, pensando nesse sentido, “participar de um curso de especialização ou de aperfeiçoamento pago pelo próprio interessado é negócio, no meu entendimento. Ao mesmo tempo uma viagem para assinar um contrato ou participar de uma reunião com outras duas pessoas, sem pernoite no local é turismo de negócios, ficar cinco dias visitando clientes com as despesas pagas pela empresa é turismo de negócios. Viajar para um evento de premiação ou comemorativa da área é negócio etc.”

É possível que essa variação nas definições explique, por exemplo, as diferenças dos valores estimados dos gastos dos turistas de negócios de um estudo para outro.

Nem tudo são flores

Os impactos positivos são muito evidenciados especialmente nos relatórios de órgãos e empresas ligadas ao turismo.

Do relatório de “Impactos Econômicos” da FGV de 2007/8 podemos destacar o trecho na página 8: “A realização de eventos, quando planejada adequadamente, propicia a demanda de produtos e serviços de diversos segmentos da economia, desenvolvimento da infraestrutura, geração de receitas e de mão de obra direta e indireta, preservação do patrimônio natural e cultural, além da troca de experiências entre turistas e a população local”.

Na região metropolitana de Campinas, interior do estado de São Paulo, caracterizada por um grande número de empresas, parques tecnológicos, universidades e institutos de pesquisa, segundo reportagem do jornal Correio Popular de 28 de outubro de 2013, o turismo de negócios movimenta cerca de R$ 1 bilhão ao ano; correspondendo a 90% dos turistas (nacionais e internacionais) que visitam as cidades que compõem a região.

Em São Paulo, de acordo com os dados do Observatório de Turismo e Eventos da SPTuris, empresa municipal de turismo e eventos, para 2014 eram esperados 8 milhões de turistas de negócios e 3 milhões de turistas de eventos, gerando R$ 9 bilhões em receitas, ou 80% do total de receitas em turismo na cidade.

Os resultados do estudo de “Impactos Econômicos” da FGV de 2014 indicam que para 42,1% dos turistas de negócios a imagem em relação à cidade sede do evento melhorou, sendo que 3 em 4 dos entrevistados indicaram uma avaliação positiva.

Das 19 cidades entre os principais destinos de turismo de negócios, 12 são das regiões Sudeste e Sul; 4 do Nordeste e 2 do Norte; além de Brasília. Mas, como alerta Zouain, considerar que haja apenas impactos positivos é uma visão um tanto míope. Sobre os problemas ocasionados pelo turismo de negócios, Braga aponta os que considera mais importantes: “Os impactos socioculturais estão ligados à prostituição e uso conjunto de mobiliário urbano que não é pensado para um fluxo turístico contínuo e em volume considerável”.

Outra desvantagem mencionada por Zouain é o alheamento do turista de negócios em relação à cultura local em comparação com o turista de lazer. “De forma geral, esse turista viaja para o destino para participar de uma atividade empresarial ou um evento e todo o seu tempo e recurso fica nesta localidade; é como se ele estivesse em uma bolha e sua relação com a comunidade local, cultura e o ambiente como um todo fosse quase nula”, diz. Não é um alheamento total, no entanto. Em “Impactos Econômicos” de 2014, cerca de um terço dos respondentes pretendiam permanecer no país por mais dias do que a duração do evento e quase 8% do gasto diário médio era dedicado à cultura e lazer. No relatório de 2007/8, aproximadamente dois terços dentre os que pretendiam ficar mais tempo indicaram como motivo o lazer; dentre os mais de 90% que pretendiam retornar ao país, três quartos o fariam para lazer.

A concentração do setor turístico na área de negócios e eventos também traz riscos. De um lado os investimentos voltados especialmente para a área ajudam a fortalecer a cadeia de bens e serviços. “No entanto, evidencia-se esse risco relacionado à sazonalidade e ao ambiente macro econômico como um todo, dependendo do destino os impactos podem ser de mercados regionais, nacionais ou até mesmo internacionais”, pondera Zouain. “Para tanto, devem ser pensadas estratégias de se mitigar esses riscos e potencializar os benefícios para o local”, conclui.