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Trabalho, mercado e sociedade - O Brasil nos anos 90
Marcelo Weishaupt Proni

A Corporação (The Corporation)
Dir: Mark Achbar e Jennifer Abbott


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Trabalho, mercado e sociedade - O Brasil nos anos 90
Marcelo Weishaupt Proni e Wilnês Henrique (org.) Editora Unesp; Campinas, SP: Instituto de Economia da Unicamp, 2003.

Por Alexandre Zarias


A década de 1990 foi marcada por profundas mudanças econômicas que afetaram a estrutura produtiva e financeira nacional. Nesse período, o Estado adotou medidas para incrementar os setores industrial e de serviços, ao mesmo tempo em que a sua presença no plano das políticas sociais foi sendo reduzido aos poucos. A abertura comercial e financeira do Brasil ao capital estrangeiro, que se mascara nos termos globalização, revolução tecnológica, flexibilização, economia pós-industrial, neoliberalismo, modernização etc, resultou num processo de precarização do trabalho e aumento da desigualdade social. Essa opção estatal de uma regulação da sociedade pelas leis do mercado, com todos os seus efeitos, serve de pano de fundo para os temas analisados na coletânea Trabalho, mercado e sociedade - O Brasil nos anos 90 (Ed. Unesp, 2003).

O livro compreende oito artigos organizados por Marcelo Weishaupt Proni e Wilnês Henrique, pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e de Economia (Cesit), da Unicamp. O marco histórico dos textos apresentados compreende os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. Esses estudos focalizam a questão social, abrangendo a estrutura de classes no Brasil, o emprego e o desemprego nas regiões metropolitanas e rurais, com especial atenção ao lugar das mulheres e dos jovens no mercado de trabalho, o papel das negociações sindicais, a reforma trabalhista e as políticas para o emprego implementadas nesses dois períodos de governo.

Waldir José de Quadros e Cláudio Salvadori Dedecca, em seus textos que abrem a coletânea, indicam os efeitos perversos que o baixo crescimento econômico provocou na distribuição funcional de renda nos diferentes estratos sociais durante os anos de 1990. Apoiados em dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD's), os autores concluem que a sociedade brasileira tornou-se mais heterogênea, sendo composta por grupos estruturalmente diferentes do ponto de vista social e econômico. A característica mais marcante do período é o aumento da desigualdade social das famílias em termos de renda auferida, cujo estrato mais prejudicado é referente aos trabalhadores das regiões metropolitanas, e o agravamento da desigualdade na distribuição de renda em termos regionais, destacando-se negativamente o processo de empobrecimento da região Nordeste, devido ao seu baixo desempenho econômico.

Essas modificações, de um modo geral, são observadas com a transformação do mundo do trabalho, que tem como característica marcante a deterioração das condições gerais do mercado de trabalho, tanto na cidade, com a subcontratação e informalidade estabelecidas, como no campo, depois da introdução de modernas técnicas de produção agrícola. Essas questões são tratadas em outros três artigos de Trabalho, mercado e sociedade, que centram suas análises na elevação do desemprego que afeta diversos grupos - uma massa de excluídos que tem suas chances de acesso ao mercado de trabalho formal reduzidas, principalmente entre mulheres, jovens e negros.

O artigo "Os descaminhos das políticas de emprego no Brasil", assinado por vários autores, utiliza dados do IBGE para mostrar que a taxa de desemprego aumentou consideravelmente num período de dez anos. Em 1989, ela chegou a 3,4% atingindo o patamar de 7,8 em 1999. O problema torna-se mais dramático se visto a partir dos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PEA), da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), que declaram um aumento da taxa de desemprego aberto, na Região Metropolitana de São Paulo, de 6,5%, em 1989, para 12,3%, em 1999.

Ainda, nesse mesmo artigo, os autores afirmam que o cenário de transformação do mundo do trabalho não só afetou a estrutura social e econômica do país, mas também modificou os termos de discussão a respeito das soluções a serem enfrentadas para a diminuição do desemprego. Nesse sentido, a própria noção de "políticas de emprego" foi modificada dos anos de 1980 para a década de 1990. No período anterior, "política de emprego" significava geração direta e indireta de novos postos de trabalho, tendo o Estado à frente como principal ator, com investimentos públicos em setores estratégicos, estímulos ao desenvolvimento regional e incentivos fiscais para a expansão da produção. No momento seguinte, com o escancaramento da economia brasileira ao capital estrangeiro, "política de emprego" passou a compreender os programas destinados à melhoria do funcionamento do mercado, com o Estado atuando marginalmente sobre a demanda e a oferta de força de trabalho.

Em "As tendências recentes das negociações coletivas no Brasil", de Marco Antônio de Oliveira, a descrição do cenário do desemprego tratado nos artigos anteriores é acompanhada de uma análise do movimento sindical. Para o autor, as medidas trabalhistas adotadas pelo governo FHC alteraram as condições de contratação, remuneração e uso do trabalho. Isso modificou o conteúdo e a abrangência das negociações coletivas, reduzindo o poder de barganha dos sindicatos.

A questão do desemprego e da desigualdade de riqueza, que marcam a sociedade brasileira, vêm ganhando cada vez mais destaque na mídia. Longe de ser um fenômeno novo, a crise no mundo do trabalho não pode ser desenraizada de seus condicionantes históricos e estruturais, que, no caso do Brasil, em larga medida, estão inscritos nos caminhos políticos trilhados na década de 1990. Para compreender porque hoje o problema do emprego e as mazelas sociais que o acompanham afetam tanto nossas vidas, é preciso olhar com cuidado um passado recente. O livro Trabalho, mercado e sociedade - O Brasil nos anos 90 faz esse balanço crítico necessário e traz orientações elucidativas para a compreensão desta questão atual, que é o lugar do trabalho e dos direitos sociais frente a uma política econômica voltada quase exclusivamente para o mercado.

Atualizado em 10/05/04

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