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Os blocos econômicos e o emprego: o caso das maquiladoras

Ao analisar os efeitos de um bloco econômico, os especialistas geralmente apontam como conseqüência positiva o aumento das exportações e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) dos países envolvidos. Quando o tema do emprego entra em discussão, os defensores dos blocos econômicos argumentam que eles intensificam o comércio internacional dos países e, conseqüentemente, aumentam a oferta de emprego, apontando como exemplo os Estados Unidos, o Japão e os Tigres Asiáticos que comercializam muito e têm as menores taxas de desemprego do mundo. Em meio aos debates sobre a possível entrada do Brasil em um bloco econômico das Américas liderado pelos Estados Unidos, sociólogos e economistas avaliam os efeitos do Nafta para os trabalhadores, destacando o papel das empresas mexicanas conhecidas como maquiladoras.

Maquiladoras - são empresas que importam peças e componentes de suas matrizes estrangeiras para que os produtos (como carros, computadores, aparelhos de som) sejam manufaturados (montados) - em geral, por trabalhadores que ganham um salário inferior ao daqueles que trabalham nas matrizes - para depois exportar o produto final para o país de origem da empresa ou para outros países em que o produto seja competitivo. Elas existem no México desde 1965, mas ganharam um impulso com a eliminação das alíquotas de importação a partir do Nafta, implantado no começo de 1994, e no final daquele ano já somavam mais de 2 mil empresas, que a princípio se instalaram na fronteira com os Estados Unidos, mas depois se espalharam por todo o território mexicano. Em 1998, o Decreto para a Fomentação e Operação da Indústria Maquiladora serviu de novo impulso, e já são mais de 3 mil empresas do gênero instaladas no México. As maquiladoras são na maioria dos setores de eletroeletrônicos (Cânon, Casio, Kodak, Ericsson, Hewlett Packard, IBM, Motorola, General Eletric, Philips, Samsung, Sanyo, Sony) e automotivo (BMW, Ford, General Motors, Honda).

"Um dos aspectos pouco explorados nos estudos dos blocos econômicos tem sido o impacto da formação de um bloco comercial sobre o mercado de trabalho", afirma o economista Celso Pudwell, do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). Segundo ele, no caso do Nafta (North American Free Trade Agreement, ou Acordo de Livre Comércio Norte-Americano), em vigor desde 1994, houve uma deterioração das condições de trabalho nos três países envolvidos - Estados Unidos, Canadá e México. Neste último, de acordo com o economista, os postos de trabalho com maiores salários e benefícios sociais diminuíram, enquanto aumentou o número de empregos com menor estabilidade e benefícios sociais.

"O aumento do número de empregos de baixos salários é positivo, pois representa a inserção da população de baixa renda no mercado de trabalho", opina o pesquisador Armando Castelar Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que não considera que o Nafta tenha sido desfavorável para os países envolvidos. Segundo ele, também é preciso analisar o efeito de um bloco econômico para os trabalhadores enquanto consumidores. "Com o Nafta, aumentou o acesso a uma cesta maior de produtos com custo menor", avalia.

Um estudo publicado em 2003 pelo Carnegie Endowment for International Peace, uma organização norte-americana sem fins lucrativos dedicada ao avanço da cooperação entre nações, mostra que nas empresas maquiladoras do México - que importam produtos de suas matrizes estrangeiras para processamento e reexportação - foram criados 550 mil novos postos de trabalho entre 1994 e 2002. No mesmo período, houve uma redução de cerca de 100 mil postos de trabalho em empresas convencionais. De acordo com o Ministério da Economia do México, as empresas com investimentos estrangeiros diretos geraram um em cada três novos empregos no país desde 1994 e contavam em 2002 com 20% da mão-de-obra mexicana empregada. O estudo do Endowment, contudo, revela que cerca de 30% dos empregos criados nas maquiladoras na década de 90 desapareceram nos últimos anos, devido à transferência de empresas do gênero para países asiáticos que pagam salários mais baixos, particularmente a China.

O estudo do Endowment também revela que os salários reais da maioria dos trabalhadores mexicanos, ao invés de convergir para os níveis de remuneração dos norte-americanos, como efeito esperado do Nafta, estão mais baixos do que antes do acordo de livre comércio entrar em vigor. "A desigualdade entre Estados Unidos e México é extremamente grande: enquanto o salário médio nas maquiladoras é de US$ 4,5 por dia (uma jornada de 9 horas), nos Estados Unidos, é possível ganhar US$ 5 por hora, ou seja, 10 vezes mais", reforçam as pesquisadoras Graça Druck e Tânia Franco, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em artigo publicado em 2003 na revista Ciência & Saúde Coletiva, sobre as possíveis implicações da Alca para o mercado de trabalho brasileiro.

"A Alca é uma extensão do Nafta e, nesta medida, analisar os resultados já demonstrados desse acordo permite avaliar o que pode ser desencadeado em nosso país e, em especial, aos trabalhadores de todos os países americanos", defendem as pesquisadoras da UFBA. Segundo elas, nem mesmo os trabalhadores do parceiro mais rico do Nafta - os Estados Unidos - se beneficiaram com o acordo. "Nos Estados Unidos, 7 entre cada 10 empregos criados nos últimos 10 anos são precários, ou seja, por tempo determinado, sem cobertura social e sem direitos", afirmam.

Nos países em desenvolvimento, como México, Brasil e Argentina, outro fator que pode afetar substancialmente o nível salarial dos trabalhadores são as eventuais crises financeiras - por fatores externos ou internos - que levam à disparada na cotação do dólar em relação à moeda nacional. O estudo do Endowment aponta a crise mexicana de 1994-1995 como principal fator que prejudicou o nível de remuneração no país nos quase dez anos de vigor do Nafta. Os atuais resultados da balança comercial mexicana apontam um sinal de alerta: "Embora tenham permitido um incremento nas exportações e no saldo comercial do México para os Estados Unidos, as maquiladoras não possuem competitividade internacional, motivo pelo qual o déficit comercial mexicano vem crescendo nos últimos anos", alerta o economista do BRDE, prevendo a possibilidade de uma nova crise cambial no país como a que ocorreu há dez anos atrás.

Para Armando Castelar, do IPEA, que não acredita na possibilidade de uma nova crise cambial mexicana, o crescimento das economias dos Estados Unidos e do México na última década mostra que o Nafta beneficiou esses países. Após a crise, as maquiladoras mexicanas, que têm como atividade fim a exportação, foram as principais responsáveis pela recuperação econômica do México, cujo PIB (Produto Interno Bruto) ultrapassou os US$ 600 bilhões em 2003, superando o do Brasil. Segundo o Ministério da Economia mexicano, em 2001, as exportações do país alcançaram quase US$ 159 bilhões, o triplo do valor exportado em 1993, ano imediatamente anterior ao início do Nafta. Em 2001, no entanto, o total de importações mexicanas já superava o total de exportações, ficando acima de US$ 167 bilhões, o que dá naquele ano um saldo negativo de mais de US$ 8 bilhões na balança comercial. O alerta de Pudwell, do BRDE, tem muito a ver com experiências brasileiras nessa seara das crises cambiais: nos últimos anos, o Brasil tem conseguido frear as eventuais disparadas do dólar graças à enorme reserva cambial disponível - fruto de seguidos superávits na balança comercial - que permite ao Banco Central vender uma grande soma da moeda norte-americana num curto período de tempo, forçando a sua desvalorização em relação ao real.

Precarização do trabalho no Brasil
As pesquisadoras Graça Druck e Tânia Franco, da UFBA, além de fazer um balanço dos efeitos do Nafta no mercado de trabalho para refletir sobre a possível entrada do Brasil na Alca, também apontam fatores de precarização do trabalho que já existem no país, independentemente da sua entrada no bloco econômico encabeçado pelos Estados Unidos. Entre eles está a proposta de reforma do artigo 618 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo FHC, e retirada pelo governo atual para que ela fosse discutida no Fórum Nacional do Trabalho. Essa proposta estabelece que os acordos coletivos entre trabalhadores e empresários teriam primazia em relação às normas da CLT, ou seja, seria possível flexibilizar, pela negociação, direitos trabalhistas históricos como a duração da jornada de trabalho, a hora extra, o 13º salário, as férias, entre outros (veja reportagem sobre o assunto)

Outro fator de precarização do trabalho apontado pelas pesquisadoras é a transferência de riscos com acidentes de trabalho nas empresas através da terceirização, como aconteceu no Pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, entre 1989 e 1993, período em que foi constatado um crescente número de acidentes com trabalhadores terceirizados. Druck e Franco destacam, ainda, o medo do desemprego que leva muitos trabalhadores a se adaptarem às estratégias das empresas para obter os certificados ISOs (International Organization for Standadization) que normatizam as condições de segurança e saúde do trabalho. "Torna-se cada vez mais comum o não registro de acidentes ou o não afastamento por problemas de acidentes ou saúde, já que os trabalhadores são pressionados por suas gerências a cooperarem no cumprimento das metas", afirmam. "A cada registro ou afastamento, eles se sentem rompendo o compromisso e a cooperação e, desta forma, colocando em risco a sua permanência na empresa", completam.
Alca: uma longa história
Empresários, políticos e acadêmicos - entre eles, Armando Castelar, do IPEA-- voltaram a debater, no 1º Seminário Internacional "Compete Brasil", realizado em São Paulo, nos dias 4 e 5 de maio, a possível inserção do país na Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A idéia da Alca foi lançada há quase uma década, durante a 1ª Cúpula das Américas, realizada em dezembro de 1994 em Miami, nos Estados Unidos, com líderes de 34 países americanos. De lá para cá já foram realizadas mais de 300 reuniões para discutir a sua implementação, prevista inicialmente para 2005. No entanto, em videoconferência realizada no dia 20 de abril deste ano, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, especialistas brasileiros e americanos já haviam admitido que as negociações não serão concluídas até o fim de 2004. Um dos entraves estava ligado às reivindicações do Brasil para a eliminação dos subsídios agrícolas pelo governo dos Estados Unidos, para dar maior competitividade aos produtos brasileiros - consideradas procedentes pelo tribunal de arbitragem da Organização Mundial do Comércio (OMC) no dia 28 de abril, no caso do algodão. O governo norte-americano já avisou que vai recorrer da decisão.

(RC)

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Atualizado em 10/05/2004
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