Por Jeanne Carstensen, ilustração de John Hendrix, originalmente publicado na revista Nautilus em 29 de abril de 2013, tradução de Amin Simaika
O que nos torna fundamentalmente humanos? A moda!
Pense em uma daquelas figuras da evolução do homem mostrando uma progressão de perfis, desde um macaco andando de quatro, passando por um hominídeo curvado até um ser humano moderno ereto. O que está faltando? O ser humano está nu. Sem acessórios!
Poderemos não encontrar um capítulo sobre moda nos livros de ciência, mas os adornos e as vestimentas exercem papel protagonista em nosso sucesso como espécie. Nas passarelas pré-históricas nós vencemos a concorrência neandertal nos quesitos de funcionalidade e estilo e progredimos até nos tornarmos os hominídeos dominantes em virtualmente todas as zonas climáticas da terra.
As roupas não só fazem o homem — elas nos tornam humanos. As roupas e os adornos corporais evoluíram em uma série de ferramentas e comportamentos de comunicação humanos que moldaram a trilha da evolução e da cultura humanas.
A moda tem sido tão “crucial para o surgimento dos humanos modernos como a música e a dança, arte, humor e linguagem,” diz o psicólogo evolucionário Geoffrey Miller, professor associado de psicologia na Universidade do Novo México. “Trata-se de uma parte legítima da natureza humana”.
Isso não é novidade para homens e mulheres bem vestidos. Mesmo assim, colocar a moda e a ciência na mesma frase pode parecer um pouco estranho. Dessa forma, para assegurar que o orgulho e entusiasmo que você sente ao vestir um terno Armani ou um par de calçados Manolo Blahniks são emocionalmente legítimos, vamos retornar a nosso passado evolucionário. O surgimento do vestuário revela que nascemos para desfilar.
Já que não existem por aí fragmentos de roupas pré-históricas, os cientistas tiveram que ser criativos em sua tentativa de determinar o ponto em que os humanos começaram a se vestir. Eles começaram a coçar a cabeça e perceberam que uma abordagem poderia ser uma análise de piolhos. Os piolhos, adaptados à roupa, pareciam ser fundamentais.
Na realidade, uma análise recente do DNA de piolhos feita por David Reed, curador associado de mamíferos do Museu de História Natural da Flórida descobriu que os humanos provavelmente usaram suas primeiras roupas, incluindo piolhos, cerca de 170 mil anos atrás, aproximadamente 830 mil anos depois que nossos antepassados perderam sua pelagem.
Ainda é controverso o motivo pelo qual perdemos nossa pelagem. Uma teoria prevalente é que a perda da pelagem nos permitiu ficar livres dos piolhos pré-vestimentas e de outros parasitas sanguessugas mortais que infestavam nossa pelagem ancestral. Outra teoria é que, quando emergimos da floresta para a savana escaldante, precisávamos abaixar nossa temperatura corporal e a pele nua consegue transpirar.
Em qualquer caso, diz Ian Gilligan, bioantropólogo na Universidade Nacional Australiana, que é especialista no desenvolvimento pré-histórico do vestuário, a data de 170 mil anos atrás faz sentido, já que coincide grosso modo com a penúltima Idade do Gelo, há 180 mil anos. “Os humanos só começaram a usar roupas para se manterem aquecidos”, diz ele. Gilligan afirma que alguns poucos graus abaixo de 0°C representa “o limite da tolerância do homem ao frio sem proteção”.
Mesmo antes do advento generalizado das roupas para aquecer, os humanos primitivos decoravam seus corpos. “É muito provável que nos enfeitávamos com tintas no corpo, materiais vegetais e peles de animais durante toda a história de nossa espécie”, diz Nina Jablonski, paleontóloga na Universidade Estadual da Pensilvânia e autora de Skin: a natural history (Pele: uma história natural. “Os adornos criam uma abreviação que diz às outras pessoas instantaneamente quem somos, com quem queremos nos associar e quem desejamos ser”, diz ela.
Nos registros fósseis, os adornos começaram a aparecer há aproximadamente 75 mil anos. Os arqueólogos acreditam que conchas de ostras eram usadas como contas e provavelmente usava-se ocre como pintura para o corpo. Na época do Paleolítico Superior na Europa, há 35 mil anos, evidências de agulhas de osso sugerem que as pessoas estavam fabricando roupas sofisticadas, personalizadas, com múltiplas camadas que as protegiam do frio.
Em comparação, o vestuário dos neandertais era inferior. Gilligan argumenta que a falta de roupas sofisticadas dos neandertais contribuiu para sua extinção, que ocorreu durante ondas de frio repentinas entre 40 mil a 35 mil anos atrás. “Somente humanos modernos equipados com roupas preparadas conseguiram migrar para lugares termicamente mais desafiadores, e só depois de terem inventado a agulha com furo e outras tecnologias para fabricar trajes sofisticados, com múltiplas camadas — inclusive as primeiras roupas íntimas”, explica Gilligan.
Durante o Paleolítico Superior, nossos antepassados dedicaram enormes quantias de tempo para ornamentar seus trajes. Em Sungir, um sítio arqueológico a leste de Moscou de 26 mil anos atrás, cerca de 12 mil contas de marfim de mamute furadas foram encontradas nos túmulos de três indivíduos — um homem adulto e duas crianças — que haviam sido costuradas em suas vestimentas. Os arqueólogos estimaram que deva ter levado uma hora para fazer cada conta com ferramentas de pedra — milhares de horas de trabalho. “Não se trata apenas de um pouco de adorno”, diz o antropólogo Robert Boyd, coautor de Not by genes alone: How culture transformed human evolution (Não somente por genes: Como a cultura transformou a evolução humana). “É um grande investimento. É uma exibição de riqueza”.
Sendo assim, você pode deixar de se preocupar com o fato de ser um cabide de roupas; exibir-se em seus melhores trajes não é futilidade, mas sim uma parte inerente da natureza humana. Polly Wiessner, antropóloga e professora na Universidade de Utah, estudou como as tribos caçadoras e coletoras no deserto do Kalahari utilizam adornos corporais para enfatizar a identidade pessoal e a interação social. “O fato que todos os humanos se sentem bem quando sabem que estão com boa aparência e se sentem mal quando estão com má aparência sugere que a busca pela boa aparência, conforme padrões socialmente estipulados, é uma predisposição com base biológica”, afirma Wiessner.
Você poderia argumentar que ter um sentido de moda com base biológica não se limita aos seres humanos já que outros animais também usam adornos. Caranguejos decoradores prendem algas, esponjas do mar e anêmonas em suas conchas para se camuflar. Os pássaros construtores decoram áreas de acasalamento com artísticas pilhas de flores, conchas iridescentes, pedacinhos de fungos coloridos e outros objetos do solo da floresta. Logicamente um fato mais conhecido, o pavão abre as magníficas penas de sua cauda para atrair as fêmeas. E os biólogos evolucionários nos dizem que é verdade que, quando nos vestimos para impressionar, não somos tão diferentes do orgulhoso pavão ou do pássaro construtor que dança.
Porém, a maioria das táticas de ostentação dos animais serve para fins de sobrevivência e acasalamento. Podemos usar a moda para exprimir uma ampla gama de emoções e intenções humanas, graças a nosso cérebro. A moda pode ser vista como uma forma de comunicação simbólica (“um substituto simplificador para algo complexo”, diz o primatologista Robert Sapolsky), um procedimento operacional padrão do cérebro humano evoluído. O paleontólogo Ian Tattersall, autor de Becoming human: evolution and human uniqueness (Humanizando-se: evolução e singularidade humana), diz que a moda é um exemplo de nossa capacidade cognitiva singular de manipular o significado e a informação. “A decoração do corpo, as roupas e a significância que atribuímos a elas estão intimamente arraigadas no tipo de criatura que somos”, diz Tattersall.
Wiessner vai além. Fazendo eco ao trabalho revolucionário do psicólogo desenvolvimentista Michael Tomasello, que alega que somente os seres humanos têm a capacidade de sentir as intenções uns dos outros, ela diz que, como conseguimos “ler as mentes dos outros… conseguimos associar uma gama completa de significados a certos adornos corporais, coisa que os animais não conseguem fazer”.
Para Miller, exprimir e entender uma ampla gama de significados é um traço que nos foi concedido pela evolução, como meio de atrair parceiros sexuais. Em seu livro de 2001, The mating mind (A mente acasaladora), ele argumenta que “nossas mentes evoluíram não apenas como máquinas de sobrevivência, mas como máquinas de cortejo.” Ele escreve que traços humanos que parecem não ter benefícios diretos para a sobrevivência — “humor, narração de histórias, fofoca, arte, música, autoconhecimento, linguagem ornamentada, ideologias imaginativas” — evoluíram para atrair e entreter parceiros sexuais. É uma tese provocativa que tem seus críticos, que insistem que Miller exagera no papel de seleção sexual entre as complexas forças biológicas e culturais que nos moldaram como espécie. No entanto, é uma visão que ressalta a importância da moda na expressão de uma riqueza de traços pessoais e sociais.
A moda “é uma questão de sinalização e exibição, é uma questão de mostrar que você tem alguns recursos ou criatividade ou gosto que os outros não têm”, diz Miller. “Você conquista um status mais elevado em seu grupo e entre seus rivais, e esse status se traduz em melhor acesso a comida e abrigo, redes de amigos e apoio social.”
Mark Twain, conhecido por seus alinhados ternos brancos, uma vez afirmou que “as pessoas nuas têm pouca ou nenhuma influência na sociedade”. Essa grande tirada era mais profunda do que ele poderia imaginar. “Se outras pessoas privilegiam você, realmente você tem uma vantagem na sociedade humana”, diz a antropóloga Wiessner. “Se você pode se apresentar de maneira positiva e ter aspecto atraente — mesmo se não for especialmente atraente — isso pode mostrar sua riqueza, pode mostrar suas conexões sociais. Você tem mais probabilidade de fazer com que as pessoas invistam em você”.
Hoje em dia, em uma sociedade de consumo com infinitas escolhas de moda, temos mais poder do que nunca para criar nossas próprias identidades e sinalizar os grupos e subculturas com os quais desejamos nos associar. “Com moda produzida em massa”, diz Miller, “você não está exibindo qual tipo de moda você tem condições de comprar, mas que tipo de pessoa você é, quais são seus traços pessoais, quais são seus interesses e valores. A diferença entre alguém usando uma camiseta preta heavy metal de 20 dólares e outras pessoas usando uma camiseta polo de 20 dólares não é a riqueza — é o estilo de vida, a personalidade, é mostrar que você é um membro de uma determinada subcultura”.
Valerie Steele, diretora e curadora-chefe do museu no Fashion Institute of Technology em Nova York, concorda que a moda contemporânea permite às pessoas usarem o que quiserem, não ficando presos a um lugar ou ordem social. Por exemplo, gente de todos os meios “usa jeans”, diz ela. Steele também nos lembra que a moda nos permite realçar nossas características físicas. “As roupas podem fazer o corpo fazer coisas que não conseguiria fazer de outro modo — como meus óculos podem me fazer enxergar melhor, meus calçados podem proteger meus pés”, diz ela.
E a tecnologia faz a identidade humana ainda mais fluida. “A ideia toda de cyborg está relacionada à moda,” diz Steele. Afinal de contas, ela acrescenta, uma prótese pode ser encarada como “outro tipo de acessório que você coloca no corpo para lhe permitir fazer mais coisas”. Não vai demorar para os óculos serem usados também como computadores “vestíveis”. Atualmente uma nova onda de projetistas está empregando design assistido por computador para criar roupas com impressão em 3D para clientes individuais baseadas em um scanner corporal. E os cientistas estão criando tecidos com microeletrônica que podem mudar as estampas ou cores ao capricho ou humor da pessoa que os veste.
Como sempre, a moda está explorando nossa capacidade inata de exprimir quem e o que queremos ser, abrindo novas portas para a autoexpressão e influência social. Olhe novamente nossa tabela da evolução do homem. Desta vez imagine o Homo sapiens devidamente trajado e usando acessórios. Como poderia ser de outra maneira? Sem a moda, nós absolutamente não seríamos humanos.
Jeanne Carstensen é escritora e colaboradora no New York Times, Salon, Modern Farmer e outras publicações.