Por Paula Drummond de Castro e Cristiane Bergamini
Uma forma de ataque que afeta principalmente as mulheres, não deixa marcas físicas, e é devastadora para a saúde mental e até para a economia
A violência psicológica pode ser tão sutil que dificulta sua correta identificação. Muitas vezes, não deixa marcas visíveis, como a violência física. Envolve rejeição, desrespeito, depreciação, discriminação, humilhação, punições ou castigos exagerados, isolamento relacional, intimidação, domínio econômico, agressão verbal, subjugação (contenção, proibições, imposições, punições restritivas) e ameaças.
No ambiente doméstico, é mais comum que a figura feminina sofra esse tipo de violência. “Embora estejamos num momento social em que se tem buscado o empoderamento feminino, muitas vezes a mulher só vai se perceber num caso de violência quando começa a ter sintomas de doenças inexplicáveis e mesmo autoimunes, psicossomáticas, quando, então, busca tratamentos”, alerta Ralmer Nochimówski Rigoletto, especialista em saúde mental e sexualidade humana e membro diretor da Sociedade Latino Americana de Medicina Sexual e da World Association for Sexual Health (órgão da OMS).
Ainda são feitas poucas pesquisas sobre o perfil do agressor. De acordo com estudo publicado na Revista Panamericana Salud Publica, há uma importante lacuna na literatura quanto às motivações e aos condicionantes associados a quem pratica a violência doméstica. Vale destacar, no entanto, que o estudo sobre o agressor é de fundamental importância para que se busque políticas e intervenções específicas para a redução e o combate da violência contra a mulher.
A pesquisa DataSenado sobre violência doméstica e familiar, divulgada em junho de 2017, revela aumento no número de mulheres que declaram ter sofrido algum tipo de violência doméstica: o percentual passou de 18%, em 2015, para 29%, em 2017. Dessas, 74% não procurou ajuda. Dentre as que sofreram agressão, 67% afirmaram ter passado por situações de violência física e 47% por violência psicológica.
Outro dado alarmante é que 71% das entrevistadas disseram conhecer alguma mulher que já sofreu violência doméstica ou familiar. Em 2015, esta porcentagem era de 56%. O DataSenado entrevistou 1.116 mulheres por meio de ligações para telefones fixos e móveis.
Avanços e entraves legais
A violência psicológica (ou emocional) enfrentou muita dificuldade para ser reconhecida, especialmente em termos legais. No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), promulgada em 2006, define como crime cinco tipos de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Uma vez descrita em termos legais, a violência psicológica pôde ser finalmente aplicada judicialmente e os agressores condenados.
A violência psicológica é entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha).
Ainda assim, enfrenta obstáculos para ser comprovada. “Há dificuldades na judicialização da violência psicológica, ou seja, de se enquadrar em um crime específico”, afirma Marina Ganzarolli, pesquisadora do Núcleo de Direito e Democracia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
A realidade é que se fala em violência psicológica e moral, mas a condenação se dá por violência física. “O que se tem feito é enquadrar criminalmente a violência psicológica como ameaça, nos crimes contra a honra (injuria, replica watches, calúnia, difamação), na contravenção penal de constrangimento (com menor potencial ofensivo), e no artigo de lesão corporal, pois há o entendimento de que a violência psicológica causa lesão corporal à integridade psíquica da vítima. Entretanto, é necessário provar a extensão do trauma, por meio de um laudo”, explica Ganzarolli.
Violência psicológica e impactos na saúde
As implicações de ordem física e mental sofridas são diversas, aponta o estudo publicado na Revista Panamericana Salud Publica, como depressão, abuso de substâncias psicoativas e em problemas de saúde como cefaleias, distúrbios gastrintestinais e sofrimento psíquico. Além disso, impacta também na saúde reprodutiva, como no caso de gravidez indesejada, dor pélvica crônica, doença inflamatória pélvica e doenças sexualmente transmissíveis. Pode, ainda, relacionar-se à ocorrência tardia de morbidades como artrite, problemas cardíacos e hipertensão.
Quem sofre esse tipo de agressão normalmente desenvolve alguns quadros associados à depressão e ansiedade, que podem evoluir para doenças físicas e psicossomáticas, relata Ralmer Rigoletto. A vítima pode também se tornar um agente agressor. “Antes disso, ela tenta a autoagressão, como o suicídio. Se escapa, transpõe um limiar no qual consegue culpabilizar ao agressor pela tentaria de suicídio e, então, passa a agredi-lo. Normalmente, a agressão é física, tentando até, em casos extremos, o assassinato”, expõe Rigoletto.
São diversas as formas de ajudar as vítimas. Conversar e sugerir a procura de profissionais (médicos, psicólogos, advogados) pode ser uma saída. “A classe médica tem um papel preponderante nesse diagnóstico, e precisa investigar a história dessas mulheres, não apenas a queixa que as trouxe ao consultório. É uma investigação mais cuidadosa. Os médicos precisam sair da sintomatologia exclusivamente física e olhar um pouco para o substrato psicológico que vem junto com a doença. Quando isso acontecer, as vítimas de violência psicológica estarão mais cuidadas, mais acolhidas”, defende Rigoletto.
Impactos não desprezíveis: os efeitos no mercado de trabalho
No Nordeste, 1 em cada 3 mulheres já sofreu algum tipo de violência doméstica, em um mercado no qual mais da metade da força de trabalho é feminina, ou seja, os impactos estão longe de serem desprezíveis.
Um estudo feito com mulheres nordestinas, lançado em agosto de 2017, apontou as sequelas. As instabilidades emocionais decorrentes da violência doméstica refletem em maior instabilidade no mercado de trabalho e se correlacionam negativamente com a produtividade e o salário (agravado em mulheres negras).
O comprometimento das funções cognitivas da mulher, tais como concentração e memória, a falta de confiança em si mesma, a depressão, o alcoolismo, uso de drogas ilícitas são alguns dos efeitos que impedem o pleno exercício de sua capacidade laboral. Logo, as mulheres vítimas de violência doméstica têm, em média, maior instabilidade na dinâmica do mercado de trabalho (curtos períodos empregadas e longos períodos de desemprego). Todos esses efeitos custam muito caro não somente para as vítimas, mas para a economia do país, com reflexos tanto no setor público quanto no privado.
“Em média as mulheres perdem 18 dias de trabalho no ano em decorrência da violência doméstica, custando quase R$ 1 bilhão em massa salarial perdida”, explica Victor Hugo de Oliveira, do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – Ipece, um dos coordenadores do estudo.
Nos EUA, estima-se que cerca de 8 milhões de dias de trabalho remunerado são perdidos em decorrência da violência doméstica. Em termos monetários, isso representa cerca de US$ 5,4 bilhões em custos médicos e de saúde mental e quase US$ 2,3 bilhões, em perdas de produtividade.
“A violência doméstica funciona como um verdadeiro choque negativo para as vítimas, seus familiares, e seus empregadores, na medida em que diminui o empoderamento feminino e baixa a produtividade da economia, contribuindo para o aprofundamento das diferenças de gênero e perpetuação da pobreza e desigualdade no Brasil” conclui o documento.
Para saber mais
A Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) disponibilizou uma série de publicações que tratam do tema. Os documentos podem ser encontrados no site da organização.
Paula Drummond de Castro é formada em ciências biológicas (Unicamp), com mestrado e doutorado em política científica e tecnológica (Unicamp). Pesquisadora associada do Geopi (Grupo de Estudos da Organização da Pesquisa e da Inovação). Atualmente é aluna do curso de especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).
Cristiane Bergamini é formada em comunicação social (PUCC), com mestrado em planejamento de sistemas energéticos, doutorado em planejamento de sistemas energéticos (Unicamp). Atualmente é aluna do curso de especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).