Verónica Savignano é jornalista responsável pelos conteúdos do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE) e da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat)
Como foi e tem sido sua trajetória intelectual e profissional?
Eu sou argentina. Morei na Argentina até os 21 anos. E ali fiz algumas incursões por graduações na área de ciências humanas. A principal foi filosofia. Fiquei um pouco mais de um ano estudando Filosofia na Patagônia Argentina, em uma universidade em Neuquén, onde morava. Depois acabei indo para o jornalismo, porque gostava de escrever e queria também mudar o mundo, e achava que ia conseguir por esses meios. Comecei jornalismo, na Argentina, mas logo me mudei para o Brasil com meu companheiro que foi fazer doutorado em Física na Unicamp. Então fui parar em Campinas. Ali estudei Comunicação Social – Jornalismo na PUC. E fiquei sabendo da especialização do Labjor. Achei muito interessante até pela minha convivência com a ciência através do meu companheiro, e sempre fui muito interessada por tudo que é conhecimento científico.
Então fiz o Labjor, a pós lato sensu, e ao mesmo tempo comecei a trabalhar na área em que permaneço até hoje, que é a comunicação de instituições de ciência e tecnologia. Essa comunicação que eu chamo de institucional, integrada, organizacional, inclui vários aspectos. Por exemplo, sempre produzi matérias ou releases sobre trabalhos científicos realizados nessas instituições, que seria o que se assemelha mais ao jornalismo científico em si. E também outras tarefas de comunicação, desde organização de eventos de vários tipos até elaboração de site institucional com as informações científicas e organizacionais. E nos últimos dez anos, um pouquinho mais talvez, as redes sociais. Bastante. Todos os dias as nossas queridas redes sociais, em vários idiomas [risos].
Então a minha trajetória profissional na área de comunicação de ciência é mais ou menos isso. Trabalhei para sociedades científicas, fiz trabalhos para empresas de base tecnológica. Fiz trabalhos para organizações que se dedicam a inovação, para centros de pesquisa. Primeiro, como autônoma e depois, já faz bastante tempo, com a minha empresa, que abri para poder atender esses clientes. Faz três anos que tenho um auxiliar, que primeiro foi estagiário e agora é funcionário, que é da área de publicidade e propaganda. Além disso, sempre tive parceiros de empresas que oferecem por exemplo arte visual, design, programação de sites etc.
Com sua experiência, o que você encara como defeitos da divulgação científica praticada hoje no Brasil?
Tem gente que estuda esse assunto e poderia responder melhor, mas tenho, claro, uma opinião, ressaltando que não acompanho a divulgação científica de forma abrangente, sistemática. Vejo que tem muitas coisas hoje em dia em divulgação. Em jornalismo, nem tanto. Vamos fazer a diferença entre divulgação e jornalismo científico, não é? Tenho algumas observações que com certeza não se aplicam de forma universal, mas podem talvez ser consideradas.
Por exemplo, temos muitas pessoas que fazem divulgação nas redes sociais, em sites, e também na grande imprensa, ou melhor na imprensa grande, há alguns blogs, colunistas. Mas o que sinto falta é ver mais grandes reportagens sobre ciência. Isso seria interessante ter mais. Agora, se alguém vai ler… Todo mundo tá no TikTok, então eu não sei! Mas acho que pelo menos a gente tem de fazer a nossa parte, não é? Já que somos jornalistas, então a gente deve permanecer na resistência e fazer nosso trabalho. Então essas reportagens, não que não tenha, mas eu gostaria de ver mais, um pouco maiores, que contextualizem bem uma descoberta, por exemplo, se for o caso de falar de uma descoberta. Que essa contextualização tenha um lado social e um lado acadêmico, que a gente consiga entender qual é a importância dessa novidade na ciência e qual sua importância na sociedade também, fora da ciência. Creio que tem de ter mais vozes ouvidas nessas reportagens. A gente tem que ir além dos autores do artigo científico, ouvir pessoas de fora da academia também.
Nesse sentido uma coisa que noto é que às vezes parece que há um descompasso entre o que está sendo informado sobre uma descoberta e o que acontece no mundo real com essa tecnologia. Como eu trabalho mais na área de físico-química, materiais, fico mais nesse mundo, que é muito aplicado, tem muitas aplicações que quase sempre se traduzem em tecnologia ou avanços para tecnologias. Então eu noto isso. Às vezes a gente pensa “puxa! mas se já tem esse equipamento, essa tecnologia, qual a diferença?” Tá, a gente vê uma pequena diferença, mas não consegue entender bem. Então penso que fazer esse trabalho seria uma missão importante do jornalismo científico.
Explicar ainda me parece importante no sentido de tornar mais compreensível aquele texto árido e realmente difícil de entender que é o do paper, que é horrível, geralmente. Mas também contextualizar mais, colocar mais diversidade de vozes para falar sobre isso.
E na escolha do que a gente vai reportar, divulgar, creio que a gente tem de parar com a loucura do dia-a-dia, respirar fundo e pensar um pouco, se posicionar, sabe? Por que é importante divulgar ciência? Por que é importante fazer jornalismo aqui no Brasil? E não ficar apenas reproduzindo ou editando o que chega até nós. Ter uma pauta mais própria que inclua um posicionamento, que necessariamente vai partir de uma visão de mundo , e a gente tem que ter claro qual é, que inclua também as necessidades locais e a visão própria do Brasil.
Então se os jornalistas pudéssemos pensar um pouquinho mais sobre isso e estar melhor posicionados na hora de escolher o que vai ser reportado, seria interessante. Não que não o façamos, mas que façamos isso um pouquinho mais. Por exemplo, os temas que vejo na imprensa, não sei se estou muito limitada, são meio ambiente e saúde. Está ótimo, óbvio. Porque acho que é o que mais interessa o público, o que mais impacta a vida cotidiana, é a saúde, não é? Concordo, de certa maneira. E meio ambiente porque temos toda essa crise climática, é um assunto realmente que pode levar até ao fim da espécie.
Mas há outros assuntos também muito relacionados e muito presentes na vida cotidiana que são essas tecnologias. E quando você vê matérias classificadas como “tecnologia”, acabam falando sobre redes sociais! Tem tecnologias que a gente usa todos os dias com novidades sendo geradas pela ciência, inclusive a ciência brasileira, todos os dias, e precisamos compreendê-las, contextualizá-las e ver o seu peso. Qual é seu peso real na sociedade.
Você tem um semestre para dar aula em uma oficina de jornalismo científico. Qual seria seu foco?
Não vou te dar uma resposta completa porque nunca passei por isso. Mas acho que lidar com artigos científicos no dia-a-dia é importante, porque é uma coisa difícil e eu particularmente não acho, pela minha experiência – lido há muito tempo com isso – que a gente possa fazer entrevista com o autor sem ter lido e compreendido um pouco o artigo. Também acho difícil, muitas vezes, encontrar qual é a notícia ou a abordagem jornalística da descoberta que foi reportada no artigo científico. Seria muito bacana fazer exercícios desse tipo.
E depois considero importante também outros elementos para a formação do jornalista, como a filosofia da ciência, para compreender como funciona a ciência, as suas possibilidades e limitações. Isso seria muito para uma oficina, né? Mas me parece fundamental na formação do jornalista, para que possa fazer essa escolha mais correta do que vai divulgar e para dar àquilo que vai divulgar o peso e relevância que merece. Tal pesquisa traz uma novidade na ciência muito grande? Foi feita com todas as técnicas possíveis, as melhores? Ou não? Para o jornalista poder escolher melhor o estudo que vai divulgar.
Seria bacana ainda discutir nas aulas resultados de estudos científicos da área de comunicação que possam nos ajudar a tomar decisões mais embasadas na hora de produzir as reportagens, entrevistas etc.