Por Maíra Torres
Estudos comprovam que, apesar de perdas fisiológicas ou cognitivas, idosos não perdem a capacidade de rir e se divertir
O senso de humor depende, diretamente, de fatores de abordagem que constroem essa característica humana e das experiências vividas. Conforme os anos passam as pessoas sofrem mudanças relativas ao existir, que influenciam no modo como enxergam o mundo, e consequentemente, riem, ou não, dele.
Somado às experiências e diretamente ligado ao envelhecimento, processos degenerativos naturais como esquecimento e demências, por exemplo, afetam cognitivamente a capacidade de o indivíduo produzir humor, reconhecer ironias e rir de piadas.
“Aspectos genéticos e do ambiente, na formação individual e na forma de nos apresentarmos ao outro e nos entendermos como indivíduos, consistem na formação da nossa personalidade, e existe uma visão de que o senso de humor, na velhice, reflete características que acompanharam a personalidade ao longo da vida”.
A fala é de Samila Sathler Tavares Toni, psicóloga e professora convidada de gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Em entrevista à ComCiência ela falou sobre como o humor, relacionado à veia cômica, é construído e sofre alterações ao longo dos anos.
Um dos estereótipos que combate, por exemplo, é o do “velho ranzinza”. “Indivíduos considerados mais ranzinzas ou mais bem-humorados geralmente já têm essas características presentes ao longo da vida, e por questões associadas ao processo de envelhecimento, essas características podem se exacerbar ou reduzir”, explica.
Fisicamente, também há a dificuldade de as pessoas perceberem com clareza o bom humor nos idosos por meio de expressões faciais, já que eles perdem, biologicamente, o controle mais detalhado desses músculos.
“Idosos tendem a ter expressões emocionais mais moderadas. Expressões muito intensas, ou de emoções muito intensas, são altamente demandantes, elas gastam recursos cognitivos, físicos, biológicos de homeostase fisiológica, como de batimento cardíaco e pressão arterial, e, por isso, são menos frequentes”, justifica Samila.
Além das mudanças sofridas pelo indivíduo com o passar da idade, que ajuda a moldar a personalidade, experiências e relatos de conversa em rodas familiares também apontam, muitas vezes, uma discrepância entre o senso de humor de um jovem e um idoso, que, às vezes, tem dificuldade para acompanhar os memes e fenômenos cômicos mais recentes das redes sociais, por exemplo.
Olhar para essa questão envolve levar em consideração outra abordagem do senso de humor, que é o contexto no qual o indivíduo cresceu, e, portanto, criou sua comicidade. Dentro de outro contexto sócio-histórico, com outras influências e repertórios, já foram criadas as associações cognitivas que resultam no riso.
Em contrapartida, existe ainda um fator genético, chamado de temperamento, e que está diretamente ligado à maneira com que se reage ao mundo externo.
“Os temperamentos são características biológicas, geralmente herdadas, que tem a ver com a nossa reatividade. Há indivíduos mais reativos ao mundo externo, sagazes, e que muitas vezes ficam abertos a novas experiências, e outros que não têm essa mesma característica”, explica Samila.
Além da genética, a convivência com o círculo familiar também orienta o objeto de riso. Há famílias que têm o hábito de rir dos problemas, por exemplo, e outras que não o fazem.
Apesar de todos esses fatores, a psicóloga afirma que alegar que a velhice é sinônimo de hostilidade, irritabilidade e falta de graça, cai por terra a cada dia, ao passo que estudos têm mostrado, cada vez mais, que o envelhecimento não leva a perdas na capacidade subjetiva de se divertir e aproveitar situações cômicas, de usufruir do humor.
A diferença é que eles deixam de usar o humor afiliativo, por exemplo, que é aquele em que pessoas mais jovens usam para se destacar em um grupo e amenizar o clima. Em relação às piadas, aquelas que têm final fechado e são de média complexidade, que geram ambivalência de sentido, também são as preferidas dos idosos, de acordo com Samila.
Uma pesquisadora que aponta frequentemente em seus artigos e estudos a questão do humor é Mirian Goldenberg, antropóloga, professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro e escritora. Acerca do tema, Corpo, envelhecimento e felicidade, título de uma das obras de Goldenberg, ela afirma que “ficar ranzinza”, e “perder a alegria” associaram-se ao lado negativo do envelhecimento. E, de maneira inversa, envelhecer bem estaria ligado à manutenção da alegria e do bom humor acima de tudo.
Mirian trabalha com estudos que revelam uma forte associação de que, tanto entre os mais jovens quanto os mais velhos, existe uma relação profunda entre a risada, a felicidade e o bem-estar, como destaca no artigo “O gênero da risada”. “A risada foi considerada um tipo de prevenção contra o envelhecimento físico e mental”, aponta.
Maíra Torres é jornalista e especialista em divulgação científica Labjor/Unicamp. Bolsista Fapesp Mídia Ciência.