Por Luiz Carlos Pereira da Silva, Joni Amorim e Maria Ester Soares Dal Poz
O Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) tem como missão desenvolver pesquisas, tecnologias e soluções inovadoras nas áreas de gestão, eficiência e transição energética, melhorando a qualidade de vida das pessoas e promovendo a sustentabilidade ambiental, econômica e social. É formado por pesquisadores que viabilizam a proposta de “laboratório vivo”, um espaço inovador para pensar a transição.
A humanidade tem percebido que não será possível continuar vivendo do mesmo modo como se vive hoje. O planeta não pode suportar o desperdício de água, o uso inadequado de recursos naturais e a degradação ambiental, temas cada vez mais comuns dos nossos noticiários, que dia após dia mostram efeitos como enchentes, aumento do nível do mar, eventos extremos de temperatura, insegurança alimentar, e assim por diante. Então, tanto pesquisadores como cidadãos, por estarem conscientes dessa problemática, vêm pensando em como fazer a transição do modo de vida atual para um modo de vida mais sustentável.
A transição para a sustentabilidade é um desafio significativo por diversas razões. Tudo parece precisar mudar: as formas de produzir os itens de consumo que utilizamos no dia-a-dia, a maneira como as pessoas se utilizam dos recursos disponíveis, os modos como se obtém e se distribui energia, as formas de se produzir alimentos para uma população mundial crescente e, mais ainda, os processos de uso e de reuso da água, vista como essencial para a vida de animais e de plantas.
Esse dossiê apresenta um exercício real de transição para a sustentabilidade, feito por pesquisadores testando as melhores possibilidades para “tudo” se tornar mais sustentável. Pretende-se mostrar como as coisas acontecem e como estes desafios são vivenciados como se ocorressem em um “balão de ensaios”, tal como um frasco de vidro ou plástico como aqueles dos laboratórios de ciências, úteis para fazer misturas e soluções. Dentro deste “balão de ensaios”, os problemas da transição são vivenciados e investigados em detalhe para entender o melhor jeito de poder, então, replicar métodos já testados.
O “balão de ensaios” de que tratamos é, na verdade, um dos vários Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Este foi denominado Centro Paulista de Estudos da Transição Energética, e fica localizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O CPTEn é formado por pesquisadores e por outros colaboradores que viabilizam a proposta de “laboratório vivo”[1][2], neste caso um espaço inovador para investigar como fazer a transição acontecer do melhor modo.
Assim, este “laboratório vivo” prioriza os principais problemas e desafios da transição no intuito de buscar soluções que depois poderão ser replicadas fora do ambiente acadêmico, beneficiando a sociedade. Desta forma, os pesquisadores vão, cientificamente, entendendo como as coisas podem funcionar para que a transição se dê da situação atual, no presente, para uma situação mais desejável, no futuro. Fazendo-se uma analogia, é como se as questões de interesse fossem reagentes de química no “balão de ensaios”, sendo que as reações vão sendo observadas e controladas, para ver como serão os resultados após a ocorrência da transição.
Exemplificando, estuda-se no “laboratório vivo” como poderia ser utilizado um ônibus elétrico para o transporte dentro do campus universitário para que, depois, as melhores práticas de uso de veículos elétricos possam ser replicadas em escalas maiores nas cidades, nos estados, e assim por diante. Outro exemplo é o da geração de energia elétrica utilizando-se placas solares produzidas com materiais semicondutores para que, depois, as melhores práticas de produção de energia possam ser viabilizadas em outros contextos.
Contudo, realizar tais pesquisas no campus é mais complicado do que seria ao se utilizar um “balão de ensaios” no laboratório de ciências, dado que são inúmeros os fatores a serem considerados, alguns deles pouco perceptíveis em um primeiro momento. Um dos fatores de interesse é o “mercado”, com movimentos que nem sempre vão a favor da sustentabilidade ambiental dada a busca pelo lucro a curto prazo. O mercado de combustíveis fósseis, vale citar, oferece produtos altamente poluentes mas, também, muito lucrativos, sendo este um ótimo negócio no curto prazo que gera inúmeros problemas no médio e no longo prazo. Mesmo os governos que dizem querer a transição não são tão ativos para promovê-la, porque muitas vezes são percebidos os interesses políticos de curto prazo afins a se manter o cenário inalterado, inclusive para que não se altere a arrecadação de impostos que representam orçamentos vitais para a continuidade dos governos.
Este cenário sugere que a educação é um dos componentes mais importantes para acelerar a transição que aqui se discute: as pessoas devem ter acesso também ao conhecimento de como será a produção de bens, de como o consumo consciente é importante, de como evitar desperdício de recursos naturais, de como as políticas públicas devem orientar o mundo na sua forma sustentável, dentre outros elementos de importância.
Como se percebe nesta rápida análise de alguns dos inúmeros desafios ligados à integração de todas as potenciais soluções, é possível entender porque a transição para a sustentabilidade ambiental não é uma tarefa simples. Ou seja, tal transição envolve inúmeras esferas de poder, atores diversos, jogos de interesses, modos dos mercados competirem, jeito de consumir, dentre outros aspectos.
Assim sendo, a dinâmica da transição energética é complexa, sendo as capacidades organizacionais do CPTEn úteis aos ensaios ligados ao fenômeno sendo estudado. Este centro de ciência para o desenvolvimento realiza parcerias com governos, empresas e várias outras organizações para então conduzir pesquisas orientadas a problemas específicos e com relevância social ou econômica. Ainda que tenha maior foco no Estado de São Paulo, pretende-se que as soluções encontradas possam ser utilizadas até mesmo em outras partes do país e do mundo.
O CPTEn agrupou seus pesquisadores em oito eixos principais, os quais são apresentados neste dossiê, deste modo explicitando linhas de investigação vistas como muito relevantes. Tais eixos são listados a seguir:
- Eixo I – Inteligência artificial e ciência de dados para gestão de energia
- Eixo II – Inovação regulatória e modelos de financiamento e parcerias
- Eixo III – Políticas públicas e governança
- Eixo IV – Análise econômica de prospecção e cenários
- Eixo V – Educação, formação e capacitação para a sustentabilidade socioambiental
- Eixo VI – Transição para energias renováveis e bioenergia
- Eixo VII – Transição para redes digitais e consumo inteligente
- Eixo VIII – Inovação para municípios inteligentes
Viabilizar um centro de ciência para o desenvolvimento representa uma grande empreitada pois envolve volumosos recursos humanos e financeiros, lida com inúmeros parceiros de diversas organizações e ocorre em meio a diversos riscos positivos, que são oportunidades, assim como ocorre em meio a variados riscos negativos, que são ameaças. Por esta razão, também são investigadas as melhores formas de alavancar projetos e subprojetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) através de sua mais adequada gestão. Tal gestão inclui desde o planejamento até a execução de diversas ações, com atividades afins à internacionalização das investigações, à administração de parcerias e à melhor realização da comunicação tanto interna como também com os atores do entorno do CPTEn. Há, então, uma clara intenção de não apenas promover o avanço no conhecimento existente, mas de também disseminá-lo de modo a beneficiar a todos.
Assim, o CPTEn tem como missão desenvolver pesquisas, tecnologias e soluções inovadoras nas áreas de gestão, eficiência e transição energética, melhorando a qualidade de vida das pessoas e promovendo a sustentabilidade ambiental, econômica e social. A visão é a de transformar o Estado de São Paulo em líder e protagonista na gestão da energia e no processo de transição energética, tornando-o uma referência nacional e internacional; para isso, o CPTEn busca reunir talentos da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico, fontes de financiamento, empresas e instituições, públicas e privadas, na geração de inovações que promovam as mudanças ambiental, econômica e social pretendidas. Os valores deste centro de ciência para o desenvolvimento são os seguintes:
- A transgressão disciplinar como condição essencial para a ação interdisciplinar promotora da inovação disruptiva;
- A conexão indissociável com a agenda de sustentabilidade;
- A ambição de longo prazo pela nulidade das emissões de gases de efeito estufa até 2050;
- A educação como uma força transformadora para uma nova sociedade;
- O modelo de desenvolvimento baseado em projetos e ações com impactos locais e potencial de crescimento exponencial.
Este centro de ciência para o desenvolvimento iniciou suas atividades em 2022 com mais de 200 pessoas distribuídas em várias equipes, sendo 75 pesquisadores com doutorado, além de alunos e de funcionários ligados à Unicamp e a outras instituições. Já em seu primeiro ano, o CPTEn atingiu um total de mais de 200 produções, sendo cerca de 150 produções em pesquisa, como capítulos de livros e artigos em revistas acadêmicas indexadas. O impacto local vem sendo percebido pelas várias parcerias com organizações públicas e privadas, o que inclui parcerias com empresas que participam de projetos colaborativos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI). Em educação, já são vários os projetos em parceria com escolas do ensino fundamental e do ensino médio. Neste sentido, é possível afirmar que os resultados iniciais sugerem que este centro de ciência para o desenvolvimento vem contribuindo para pensar em como fazer a transição do modo de vida atual para um modo de vida mais sustentável.
Luiz Carlos Pereira da Silva é pesquisador responsável e diretor do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/0009015688374245
Joni Amorim é pesquisador e gestor executivo do CPTEn –http://lattes.cnpq.br/3278489088705449
Maria Ester Soares Dal Poz é pesquisadora do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/8338826449053539
Notas
[1] Living Lab Platform: Processes and Test bed Typologies – https://sustainability.mit.edu/defining-living-labs
[2] Living Lab Platform: Projeto Campus Sustentável – https://campus-sustentavel.unicamp.br/en/home-2/