“Tyler Prize” reconhece líderes que contribuem com a ciência e sustentabilidade em todo o mundo

Em 52 anos, é a primeira vez que um brasileiro é laureado com o “Nobel do meio ambiente”

Por Juliana Vicentini

As décadas de 1960 e 1970 anunciavam uma crise ambiental em várias partes do mundo. Os perigos dos pesticidas para a saúde humana e meio ambiente eram denunciados nos EUA. No Brasil, o desmatamento da Amazônia era impulsionado pela expansão agropecuária. Em Londres, a população ainda sofria os efeitos tóxicos do uso do carvão. O Japão enfrentava o Desastre de Minamata (contaminação de peixes por mercúrio que intoxicou pessoas em massa).  Los Angeles convivia com um nevoeiro fotofísico, resultado da reação química entre os poluentes emitidos pelos veículos e os raios solares.

Ainda naquele período, alguns movimentos e ações em prol do meio ambiente começavam a surgir. Grupos ambientalistas e Organizações não governamentais (ONGs) eram criados. A primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano acontecia em Estocolmo, e o Dia da Terra era instituído. Pesquisas sobre degradação e mitigação ambientais eram desenvolvidas em várias partes do globo.

O primeiro prêmio mundial de ciência ambiental

John e Alice Tyler formavam um casal conservacionista, filantropo e amante dos animais. Apaixonados pela natureza, estavam preocupados com os níveis alarmantes de poluição e queriam contribuir para a conservação planetária. Com o apoio de Ronald Reagan, então governador da Califórnia, em 1973, criaram o Prêmio Tyler de Conquista Ambiental (Tyler Prize for Environmental Achievement). Administrado pela Universidade do Sul da Califórnia, Los Angeles, o objetivo era reconhecer aqueles que trabalham para preservar e melhorar o mundo e inspirar outros a entenderem a importância do meio ambiente.

O casal “morava em Los Angeles, que é a casa do prêmio Oscar cinematográfico. Então, pensaram, por que não temos o Oscar para o meio ambiente? Naquela época não existia nenhum prêmio no âmbito ambiental. Então, preencheram essa lacuna”, conta Jayde Lovell, que é fundadora e diretora executiva da Reagency, companhia que há nove anos é responsável pela comunicação e relações públicas do Tyler Prize.

Desde a sua criação, o prêmio é uma referência na área ambiental. Popularmente, é conhecido como o “nobel do meio ambiente”. No levantamento realizado por Lokman Meho, publicado no periódico Quantitative Science Studies, o Tyler Prize está na lista dos 100 prêmios mais importantes do mundo. Na área ambiental, ocupa a primeira colocação como o mais prestigiado, somando 0,75 ponto em uma escala cujo limite de avaliação é 1.

Critérios de seleção para escolha dos laureados e premiação

A seleção dos premiados é de responsabilidade da equipe do Tyler Prize. Ela é formada por dois conselheiros consultivos (um homem e uma mulher) e 11 conselheiros executivos (sendo 55% mulheres), que são especialistas reconhecidos internacionalmente na área ambiental. Jayde Lovell esclarece que “tem havido muito trabalho para garantir que o comitê seja o mais diverso possível. Embora o prêmio tenha sido originalmente fundado nos Estados Unidos, o comitê está se movendo para se tornar um grupo representativo verdadeiramente global. No momento, há oito países representados”.

Os candidatos ao Tyler Prize não podem se inscrever. Eles precisam ser indicados por outra pessoa. Isso significa que qualquer um pode fazer isso pelo preenchimento do formulário disponível no site. O comitê toma a decisão sobre quem é laureado a partir dos critérios de análise da qualidade da pesquisa, novidade e impacto socioambiental. Segundo as diretrizes do prêmio, é preciso que o escolhido tenha uma pesquisa robusta que inclua ciências naturais e/ou sociais; que apresente dados e/ou ações mensuráveis e com impactos escaláveis; foco em desigualdades globais e suas soluções; engajamento com gerações jovens.

A escolha ocorre a partir da análise minuciosa das indicações feitas. “Normalmente dura de dois a três dias. O premiado é selecionado por consenso, então, ninguém vai para casa até que todos concordem sobre quem deve ser o vencedor. Em alguns casos, como em 2025, temos dois laureados”, completa Jayde Lovell.

Os contemplados recebem US$ 250 mil, proveniente do capital deixado pelo casal Tyler. O prêmio é oficialmente conferido em uma cerimônia anual nos Estados Unidos. “As primeiras celebrações do Tyler Prize eram muito formais, elegantes, de gravata branca, há fotos realmente interessantes dos primeiros anos em que todos usavam vestidos de coquetel longos e pareciam muito glamorosos. Hoje em dia, ainda é muito sério e é uma grande celebração, mas eles usam ternos normais”, detalha Jayde Lovell.

O brasileiro premiado pelo “Nobel do meio ambiente”

Tyler Prize já concedeu 88 prêmios distribuídos em 18 países. Os premiados são pessoas que se dedicam a ciência em prol da sustentabilidade planetária, seja na área de conservação, preservação, políticas públicas, biodiversidade, energia, economia, floresta, oceano, mudança climática, saúde, povos originários e populações tradicionais, por exemplo. Em 52 anos de existência é a primeira vez que pesquisadores da América do Sul são agraciados: em 2025, o brasileiro Eduardo Brondízio e a argentina Sandra Díaz dividem a honraria.

Professor Emérito na Universidade de Indiana e Professor Associado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Eduardo Brondízio é antropólogo ambiental e atua na integração de saberes etnográficos, ecológicos e geoespaciais. “Eu me vejo trabalhando diretamente no chão com as pessoas, mas sem limites metodológicos. As questões me guiam para novas áreas que preciso aprender, novas colaborações, novas metodologias, conhecimento de outras disciplinas para poder abordar questões de todos os tipos”, esclarece o professor.

Natural de São José dos Campos, interior de São Paulo, Brasil, Eduardo possui aproximadamente 40 anos de experiência como pesquisador. Ele sempre buscou compreender a transformação do Brasil a partir do ponto de vista das comunidades rurais indígenas. “Comecei a trabalhar na região da Mata Atlântica, com os impactos da construção da rodovia Rio-Santos. Nos anos 1980, eu queria entender qual é o lugar das populações rurais num país que estava se transformando e se urbanizando. Isso me levou para à Amazônia, para entender como as comunidades rurais respondiam à rápida transformação regional. Tento ver a relação entre processos de escala maior que influenciam condições locais e as perspectivas e anseios em resposta a esse processo e que acabam transformando as paisagens onde as pessoas vivem”, detalha.

Eduardo Brondízio é professor da Unicamp e recebeu o prêmio em 2025

Enquanto participava de uma conferência, Eduardo foi pego de surpresa ao ser comunicado que ele era um dos ganhadores do Tyler Prize. Segundo a própria entidade organizadora, “ele é amplamente reconhecido como um dos maiores especialistas nas interações entre seres humanos, o meio ambiente e as mudanças socioambientais na região amazônica. Seu trabalho tornou visíveis as contribuições frequentemente negligenciadas de comunidades rurais e indígenas para a produção de alimentos, a sustentabilidade ambiental e a governança na Amazônia. Seus estudos sobre mobilidade rural-urbana e urbanização destacaram o papel crescente das áreas urbanas na transformação da Amazônia e as vulnerabilidades enfrentadas por estes moradores da região”, descreve o comitê do prêmio.

As pesquisas desenvolvidas pelo antropólogo ambiental concentram-se na Amazônia. O cientista acredita que o prêmio é uma oportunidade para trazer atenção para as questões da região nesse momento tão importante. “Ela está numa encruzilhada social e climática, e será sede da COP-30. Então, é uma oportunidade de falar dos problemas, das soluções que estão lá, das invisibilidades, e eu levo isso com muita seriedade”, revela Eduardo.

Brondízio confessa que se sente muito honrado com o prêmio. Ele afirma que “representa esse reconhecimento do esforço colaborativo, da pesquisa interdisciplinar e da pesquisa transdisciplinar que é necessária para encarar a complexidade de problemas que temos. Também vejo que é um reconhecimento do papel da ciência sociais, de populações indígenas e locais, e suas contribuições para conservação, manejo e produção de alimentos. São temas que aparecem na divulgação do prêmio que representam o reconhecimento de todos esses aspectos”, finaliza.

Impacto do prêmio

O que diferencia o Tyler Prize de outros prêmios é uma junção de fatores. Jayde Lovell explica que “hoje em dia há muitos outros prêmios ambientais. O Tyler Prize não é o único que reconhece conquistas ambientais, mas é o mais antigo, tem maior impacto, é o mais prestigioso e oferece um alto valor”. Muitas vezes as pesquisas ambientais são conduzidas com pouco recurso e nem sempre são reconhecidas.  “O papel do Tyler Price é mostrar aos cientistas que esse tipo de ação ousada e produção pensada no mundo pode ser valorizada pela sociedade. Então, fazemos conscientização direta, reconhecendo cientistas e inspirando novos”, afirma Jayde Lovell.

As premiações podem gerar diversos impactos positivos. Elas popularizam grandes realizações, têm o potencial para aumentar a alocação de fundos de pesquisa, melhorar o ranking global da instituição, incentivar novos trabalhos e engajar novas gerações para atuarem na ciência, pontua o relatório do Observatório IREG. Outros benefícios estão relacionados à visibilidade a determinado tema e ao aumento da quantidade de pessoas envolvidas em sua resolução, é o que Paul Barnett e Cheryl Brown constaram em sua publicação.

Juliana Vicentini é doutora em ciências (ecologia aplicada) pela USP e é especialista em jornalismo científico pela Unicamp.