Por Paula Penedo P. de Carvalho
Comportamento de insetos sociais inspirou área voltada à cooperação inteligente entre robôs
Quem já observou a interação de um grupo de formigas sabe o real significado da expressão “trabalho em equipe”. Conhecidos por atuarem de forma integrada na manutenção e sobrevivência da colônia, esses insetos dividem suas responsabilidades no desempenho de tarefas como coleta e distribuição de alimentos, construção e cuidado do ninho e defesa do formigueiro. Foi inspirado nesse comportamento, e no de outros insetos sociais, como abelhas e cupins, que surgiu a área de sistemas autônomos cooperativos, campo da robótica voltado à elaboração de robôs que trabalham em rede na execução de tarefas complexas.
Também conhecida como robótica cooperativa, sua origem está relacionada ao conceito de swarm intelligence (inteligência de enxame), proposto no final dos anos 1980 para se referir a sistemas robóticos compostos por agentes pouco inteligentes e com capacidades limitadas, mas que, quando atuam em conjunto, apresentam comportamentos inteligentes. Por isso, não basta ser um grupo de robôs teleoperados por um agente humano; é preciso que eles sejam capazes de se comunicar ou de interpretar o que está acontecendo no ambiente ao seu redor, tomando decisões ao longo da operação.
Eric Rohmer, docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e da Computação (FEEC) da Unicamp, exemplifica citando robôs que tenham como missão levantar e carregar uma mesa. De forma similar ao que um grupo humano faria, um dos robôs assumirá a posição de líder, determinando o caminho a ser seguido, enquanto os demais detectam a direção e o peso exercido e se adaptam à situação. “Nesse nível de colaboração, cada um está fazendo um esforço para detectar, sentir o peso, levantar, segurar o máximo que pode e seguir o fluxo”, explica.
Nos últimos anos, a robótica cooperativa tem adquirido um interesse crescente, fruto da constatação de que algumas tarefas são demasiado complexas ou perigosas para serem resolvidas por humanos, como resgates de vítimas de desastres ou mapeamento de áreas muito extensas. Além disso, o emprego de múltiplos robôs pode resultar em melhorias de desempenho e ser mais acessível do que um único robô com alta capacidade de processamento de informação e sensores complicados.
De acordo com Nadia Nedjah, professora do Departamento de Engenharia Eletrônica e de Telecomunicações da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as universidades não possuem recursos para comprar ou fabricar sistemas tão complexos. Os robôs cooperativos, por sua vez, costumam ser mais simples e, portanto, mais baratos, em especial na robótica de enxame, que envolve a colaboração de um número elevado de robôs. “Eles têm um processador limitado, uma memória limitada e um conjunto de sensores e atuadores bem limitados, como o sensor infravermelho. Portanto, é possível comprar vários, centenas. Existem alguns problemas que se resolvem com milhares de robôs”.
Há seis anos, o grupo de Nadia na UERJ vem desenvolvendo pesquisas com o objetivo de solucionar problemas na operacionalização dos enxames de robôs. Entretanto, a falta de recursos impossibilita a aquisição de enxames com uma comunicação mais robusta, via GPS ou mesmo wifi. Por isso, a comunicação entre os robôs em seu laboratório é feita via infravermelho ou radiofrequência, que só funcionam quando eles estão geograficamente próximos. “Eu tenho robôs pequenininhos, limitados, e consigo formar um enxame grande de centenas. Mas eles ficam na mesma sala, não posso espalhá-los pelo campus e esperar que se comuniquem”, lamenta.
Apesar das dificuldades brasileiras, a robótica cooperativa é um campo que ainda está em fase experimental e sem aplicação comercial em todo o mundo, embora tenha evoluído em alguns setores produtivos. Ambientes não estruturados apresentam desafios que a robótica ainda é muito limitada para resolver e as cidades não possuem infraestrutura adequada nem educação para que o cidadão aprenda a conviver com essas tecnologias. “Há, por outro lado, em ambientes estruturados como na indústria 5.0 – onde o robô irá interagir com o ser humano de maneira mais complexa do que temos hoje na indústria convencional –, condições para que conjuntos de robôs cooperem com base em uma inteligência artificial bastante evoluída”, avalia Marco Henrique Terra, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia da USP de São Carlos (EESC).
Marco Henrique é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Sistemas Autônomos Cooperativos (InSAC), sediado na EESC, que tem o objetivo de desenvolver sistemas autônomos para solucionar problemas relacionados à segurança e ao meio ambiente. Alguns dos projetos do instituto envolvem veículos autônomos, exemplo que, segundo o pesquisador, é mais facilmente identificado pela população quando o assunto é robótica cooperativa. No futuro, esses automóveis poderão tornar o sistema de transporte urbano mais eficiente e seguro. “Em uma infinidade de cruzamentos entre ruas e avenidas, não haverá mais necessidade de usar semáforos. Um carro autônomo saberá sua vez de cruzar outra via, conhecendo as posições dos outros carros. Podemos olhar para uma frota de carros autônomos como um enxame de robôs”, explica o pesquisador.
Mas, para que a robótica cooperativa se torne uma realidade, muitos desafios ainda precisam ser superados, como redução do custo de sensores de alta precisão e aperfeiçoamento de técnicas de reconhecimento de imagem. Para Marco Henrique Terra, é preciso também melhorar a cultura de integração dos diversos profissionais atuantes nessa área, que requer a relação entre especialidades como automação industrial, sensores e atuadores, controle de trajetória e sistemas de visão computacional.
Atualmente, as instituições líderes na pesquisa em sistemas autônomos cooperativos são a Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça e a Universidade Livre de Bruxelas (ULB), na Bélgica. Na ULB, por exemplo, a equipe do pesquisador Marco Dorigo está desenvolvendo um projeto para que artefatos possam se autoconstruir de maneira autônoma. Denominado de “anarquitetura”, o objetivo é desenvolver técnicas que permitam que, no futuro, uma coleção de robôs pequenos seja capaz de se organizar e automontar em objetos maiores e até mesmo se descartar e se reciclar quando já não for mais necessário.
Segundo Nadia Nedjah, as universidades brasileiras também estão competindo na produção de soluções inovadoras para a robótica cooperativa. O Laboratório de Síntese Automática de Circuito da UERJ vem desenvolvendo várias metodologias para operacionalização dos robôs, como técnicas para a divisão dos trabalhos, comunicação e aglomeração. “Temos uma metodologia, por exemplo, em que os robôs se aglomeram no espaço de acordo com o tipo e com a tarefa. Se eles estão fazendo a mesma tarefa, é melhor que fiquem juntos para que a comunicação seja viável. É uma técnica chamada de clusterização, agrupamento”, explica.
Eric Rohmer enxerga uma grande oportunidade para a robótica no Brasil. Nascido na França, ele chegou ao país em 2011, após terminar o doutorado no Japão, para fazer um pós-doutorado na Unicamp, e se surpreendeu ao perceber que o país tinha muito mais pesquisas nessa área do que sua participação no exterior demonstrava. Ao longo dos anos, no entanto, ele constatou um avanço ainda maior. “Em sete anos que estou aqui, estou vendo uma progressão. E o Brasil tem tudo para conseguir. Muitas instituições estão investindo em robótica dentro do Brasil e muitos alunos trabalham com o tema. E, principalmente, temos os talentos, o tamanho e a motivação para isso”, finaliza.
Paula Penedo P. de Carvalho é jornalista com especialização em jornalismo científico pela Unicamp. Atualmente cursa o mestrado em Divulgação Científica e Cultural (Labjor/Unicamp) e integra o programa Mídia Ciência da Fapesp.