‘The end of the Moon’, de Laurie Anderson: uma artista na Nasa

Por Diana Zatz Mussi e Lívia Mendes Pereira

“Começou com um dia ruim. Eu estava sentada no meu estúdio, sentindo pena de mim mesma; o telefone tocou e uma voz disse: Aqui é Fulano, eu sou da Nasa e gostaríamos que você fosse nossa primeira artista residente”.

Esse é um relato da artista Laurie Anderson sobre sua performance The end of the Moon, um monólogo multimídia de 90 minutos, em que fala sobre suas experiências na Nasa enquanto artista residente, além de outros temas como: beleza, subconsciente, primavera, sua cachorra Lolabelle e o ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001.

O cenário é composto por algumas velas acesas espalhadas pelo chão, uma poltrona e uma tela com projeções audiovisuais. A artista, vestida inteira de preto, mantém uma fala calma e delicada, ainda que na maior parte do tempo narre cenas perturbadoras.

“Eu disse… Bem, o que um artista residente faz? Quer dizer… O que significa um Programa Espacial? E eles disseram que não sabiam o que isso significava e me perguntaram o que eu achava que significava. Então eu pensei [pausa] – Quem são essas pessoas?”.

Anderson aceitou o convite e durante dois anos foi funcionária do governo no cargo de artista residente do programa espacial. Em seu espetáculo, conta que conheceu muitos centros de estudo e todos os tipos de projetos e pesquisas sobre nanotecnologia, robótica, telescópios e modelos espaço-temporais: “Todos gigantes e visionários, quase como projetos de arte… a construção de uma escada para o espaço”.

A trilha sonora foi habilmente conduzida pela multiartista em solos de violino e um fundo criado ao vivo a partir de instrumentos de música eletrônica. Fica difícil imaginar se os gestores sabiam exatamente o que estavam fazendo quando a convidaram para o trabalho. É verdade que ela flertava com as ciências e as tecnologias em muitas de suas obras anteriores, e era uma das mais proeminentes artistas do momento, mas ter se tornado uma artista pop parece ter sido um acaso, impulsionado pelo sucesso de sua música (também nada convencional) O Superman. Antes disso, era uma artista de vanguarda, questionadora, que desafiava o público com suas performances, filmes e músicas improváveis.

O resultado desse encontro entre Laurie e a Nasa gerou uma obra bastante crítica sobre a relação entre pesquisadores e artistas. Ao lembrar o acidente do ônibus espacial Columbia, que explodiu com sete astronautas na reentrada da atmosfera em 2003, a artista comenta: “Eu pensei: está acontecendo de novo, nossa tecnologia explodindo e caindo em cima de nós”. Em outra passagem, ela cita uma imagem produzida pelo telescópio Hubble do nascimento de uma galáxia, uma nuvem rosa e azul com uma beleza tão clássica que parecia algo da Disney – e quando descobriu que as cores eram mera interpretação de seus colegas cientistas, que se justificavam dizendo: “achamos que as pessoas iriam gostar mais dessa forma”.

Laurie teve a oportunidade única de fazer uma pesquisa de arte na Nasa, sendo que sua performance não funcionou como mera promoção da instituição, mas gerou uma criação a partir de uma intensa vivência artística. Segundo Silvio Zamboni, doutor em artes pela USP, uma pesquisa em arte é o trabalho de criação de um artista que se assume pesquisador.  Para o autor, as atividades relacionadas ao conhecimento humano têm um lado lógico, racional, e outro intuitivo e sensível, seja na produção do conhecimento científico ou artístico, a diferença entre os dois é que na ciência os métodos sensíveis e intuitivos não são questionados.

Laurie foi a primeira e também a última artista residente da Nasa. O programa foi encerrado e não encontramos nem mesmo uma nota da instituição sobre o trabalho realizado pela artista. Outros institutos e centros de pesquisa mantêm programas similares, como o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts – EUA), o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Brasil) e o Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), sendo que este último tem um programa de residência bastante consolidado desde 2012.

Talvez o momento em que a Nasa se abriu a um encontro com a arte não tenha sido ideal, já que havia muito questionamento em relação aos altos custos do programa espacial, somado à queda do ônibus tripulado. Um pouco mais tarde, em 2011, o governo dos Estados Unidos encerrou os investimentos no programa voltado aos ônibus espaciais. O desenvolvimento de tecnologias nessa área encontrou novos caminhos (principalmente na parceria com setores privados) e hoje a agência espacial investe muito em divulgação. Resta saber se algum dia se abrirá novamente a artistas.

FICHA TÉCNICA

Título: The end of the Moon
Tipo: espetáculo multimídia
Tempo: 90 minutos
Ano: 2004

Diana Zatz Mussi é formada em geografia (USP), mestre em divulgação científica e cultural e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)

Lívia Mendes Pereira é doutora em linguística (Unicamp) e cursa especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp