Por Bianca Bosso
Tel Amiel é professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e coordena a Cátedra Unesco de ensino a distância da universidade. Ele realiza pesquisas relacionadas ao ensino público e formação docente, educação aberta, tecnologia educacional e melhoria escolar. Com base em sua experiência e pesquisas na área, forneceu apontamentos sobre a virtualização da educação em um cenário pré e pós-pandemia.
O cenário pré-isolamento social apontava para a virtualização do ensino?
Sim, a legislação já apontava para isso. Havia uma tendência para a flexibilização das aulas presenciais no ensino superior e também no ensino básico. Não é um movimento de agora. Universidades públicas operam com a EaD há bastante tempo, desde ao menos 2007, com a Universidade Aberta do Brasil.
O isolamento social acelerou esse processo?
Não acelerou, na verdade criou um pânico. Trabalho nessa área há 20 anos e mesmo para mim essa mudança repentina gerou um grande problema. O apoio aos colegas, a reorganização do espaço e do tempo de trabalho gera uma sobrecarga de trabalho. Talvez agora as pessoas comecem a ter uma visão mais precisa do que é necessário para fazer educação a distância, mas infelizmente de uma forma distorcida, em um momento incomum.
O que o isolamento social acrescentou a esse cenário?
Percebemos o quanto estamos despreparados. A falta de investimento está nos levando ao pânico porque não temos estrutura para o modelo de educação a distância funcionar bem em escala institucional. Assumimos que o presencial seria sempre viável e o ensino a distância seria um “a mais”, havia uma polarização entre o presencial e o EaD, mesmo dentro da mesma instituição. Há agora um estímulo a um olhar diferente sobre o que é ensino e aprendizagem e o que é educação formal.
Devido à pandemia as instituições de ensino estão correndo atrás de soluções prontas de empresas grandes, no curto prazo, sem muita consideração com as consequências – que podem ser drásticas. Começam a surgir questões sobre direitos autorais, uso de imagem, softwares de videoconferência e acesso à internet.
As pessoas estão começando a pensar em como podemos ter mais controle dessas estruturas, mas não acho que seja porque perceberam seu valor. Afinal, se a pandemia acabasse amanhã, voltaríamos ao presencial como modelo.
Uma das alternativas foram as parcerias com grandes empresas de tecnologia, as big techs, para o oferecimento de soluções tecnológicas. Quais são as consequências que você menciona?
O problema é que todos esses serviços estão sendo oferecidos como doação ou de forma gratuita, e isso deveria causar suspeitas. Quando uma instituição oferece de graça um serviço que custa caro para milhares ou milhões de alunos, deveríamos nos perguntar quais são os benefícios dessa empresa, o que ela receberá em troca. O fato é que elas se beneficiam da coleta massiva de dados dos usuários, que permitem a criação de perfis, uma vez que as pessoas apresentam comportamentos específicos online (clicam em determinados links, por exemplo) e isso é muito valioso. Mesmo que esses dados sejam usados só para melhoria interna de produtos, claramente a empresa se beneficia por ter 50 ou 100 mil alunos e professores usando seu sistema.
Outro ponto é em relação a uma estratégia de fidelização. Se o usuário se acostuma a fazer uso desses serviços durante sua formação, há grande possibilidade de que ele continue usando depois em sua carreira profissional.
No que diz respeito às instituições de ensino, ao usar esses serviços terceirizados criam dependência e desenvolvem sua própria infraestrutura institucional
Quais as vantagens do uso de ferramentas tecnológicas?
As vantagens são inúmeras, mas precisamos deixar de ser tão deterministas. Devemos pensar o ensino presencial e as ferramentas tecnológicas do ensino a distância como complementares – já que ainda estamos acostumados a vê-los como entidades e processos distintos.
Ao flexibilizar o ensino presencial, o aluno não precisaria pegar dois, três ônibus (e agora, com o risco de se contaminar com covid19), para ir para à faculdade todos os dias. Podemos trabalhar com soluções mais apropriadas para os diferentes contextos, sem uma normativa única.
Em termos de acessibilidade, por exemplo, algumas instituições não possuem estrutura adequada, problema que pode ser atenuado com a transmissão das aulas online.
As tecnologias ajudam as pessoas a organizarem seu espaço de aprendizagem da forma que for melhor. Para muitos isso pode ser uma grande vantagem, mas não para outros. É uma questão que transcende o cenário da pandemia.
A virtualização é vantajosa para todas as fases do ensino?
Não acho que o ensino virtual através de plataformas caiba para atividades desenvolvidas no ensino infantil, mas acredito que incorporar ferramentas tecnológicas com, por exemplo, uma atividade de contação de história virtual, não seria um problema. É preciso ter autorregulação, planejamento e organização do tempo, coisas que são difíceis para uma criança pequena.
Existe a possibilidade de desenvolver escalas e modelos diferentes em cada nível de ensino, de forma que a virtualização do ensino fundamental seja mais restritiva e se expanda até a total liberdade durante o doutorado, por exemplo. Não faltam modelos de EaD em diversos países, inclusive no Brasil, que abarcam os mais diversos cenários, tendo como objetivo maior a inclusão de alunos no ensino formal.
Quais são as perspectivas para o futuro da virtualização do ensino?
Acredito que vamos incorporar cada vez mais ambientes virtuais de aprendizagem. Colocar conteúdos em uma plataforma online para acesso dos alunos será um modelo que irá rapidamente se expandir pela experiência dos docentes neste momento e a expectativa dos alunos no futuro. Já temos esses espaços hoje, onde os alunos baixam conteúdo, participam de discussões, mas ainda de uma maneira muito tímida.
Também acho que aplicativos de conversa serão incorporados para dinamizar diálogos, usando muitas vezes plataformas que não são apropriadas para isso. O uso de redes sociais é muito atrativo para os professores porque são plataformas que todos estão acostumados a usar.
Vejo também a tendência para uma consolidação do uso de redes sociais incorporadas de uma maneira um pouco problemática na educação.
Estamos ainda longe do ideal, mas com um grupo crescente de atores preocupados com a formação de uma estrutura própria e aberta de ferramentas colaborativas para fomentar diálogo entre docentes e alunos, departamentos e até entre universidades. Sonho com a concretização de modelos mais abertos e flexíveis de educação formal, e estruturas de tecnologia livres e abertas que apoiem esses modelos. Na ausência disso, só espero que aprendamos a levar as nossas relações com estruturas tecnológicas na educação mais a sério. Já seria um grande ganho.
Bianca Bosso é formada em ciências biológicas na Unicamp e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).