Um dos temas mais frutíferos referentes à análise dos processos de escolha democrática se refere à dicotomia entre os valores protegidos pelo princípio democrático e os resultados obtidos pela simples aplicação do chamado “princípio majoritário” – que, historicamente, vem acompanhando as democracias ao ponto de ser com elas confundido pelo cidadão que pouca reflexão dedica ao assunto. De fato, para a maioria dos cidadãos, distantes em corpo e alma das camadas decisórias da política, a democracia é vivida materialmente em duas ocasiões: na igualdade das filas de espera, o mais mundano dos institutos democráticos, e na eleição periódica, onde o candidato que empilha mais votos que os concorrentes ganha um tipo de cheque em branco pelos próximos anos – afinal, a “maioria é que manda”, como geralmente aceita o vencido resignado, antes de retornar sua atenção a assuntos individuais mais imediatos (ou festeja o vencedor, antes de iniciar um verdadeiro atropelo das vontades ou até direitos dos vencidos). Continue lendo Engenharia eleitoral alternativa e a proteção da democracia contra a ditadura da maioria
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Tenentes vs. Bacharéis: a primeira onda do tenentismo e o começo do conflito entre os militares e o sistema jurídico no Brasil
Sem a Constituição o nomeando defensor, o militar perde sua essência, torna-se um pistoleiro ou mercenário qualquer. Por isso é estranho, ou ao menos deveria ser estranho, o pensamento que uma força armada possa aspirar existir fora do sistema constitucional – como se pairasse acima dele, imune aos seus desígnios. Uma força externa, que o tutela de fora – que o aceita quando e se quiser, ao sabor da discricionaridade do comando. Seria, no mínimo, uma contradição. Continue lendo Tenentes vs. Bacharéis: a primeira onda do tenentismo e o começo do conflito entre os militares e o sistema jurídico no Brasil
O diabo nas engrenagens: mecanismos do comportamento perverso autogenético na era da informação
É impensável que uma ideia tão absurda e aberrante como a Terra Plana, por exemplo, pudesse ser proposta em fóruns presenciais e atrair interessados. Somente a virtualidade pode unir interessados tão rarefeitos, proteger discursos tão frágeis à crítica, e conceber o núcleo essencial viável que, este sim, uma vez formado, pode ir às ruas. Continue lendo O diabo nas engrenagens: mecanismos do comportamento perverso autogenético na era da informação
A guerra contra a ciência de Bolsonaro: estilhaçando o mito da Janela de Overton
Nesta altura dos acontecimentos, o governo de Jair Bolsonaro – sobretudo o seu heterodoxo método de manejo da crise sanitária da Covid-19, marcado pelo desrespeito inflexível, incondicionado e inarredável à medicina baseada em evidências científicas – já não é um fator de perplexidade apenas nacional, mas um assunto que causa espanto ao globo. O Brasil, de uma longa lista de nações, alcançou o improvável feito de se destacar no último lugar em ranking que analisa reação de países à Covid-19, atrás de locais de lamentável performance humanitária[1], preocupa o mundo como um celeiro de novas variantes virais[2] e, como resultado, hoje nosso principal líder político é personagem legado ao imaginário mundial, catalisador de reações que vão do choque[3] à chacota[4]. Continue lendo A guerra contra a ciência de Bolsonaro: estilhaçando o mito da Janela de Overton
Comunicação de conflito presidencial: da doutrina militar de John Boyd à desinformação de Putin
Por Douglas Oliveira Donin [ilustração de Dinho Lascoski]
Um grande problema da análise da comunicação do governo Bolsonaro – e que provavelmente ficará sem solução definitiva – é saber o quanto da ação midiática do governo é acidental, fruto dos caprichos momentâneos da família presidencial, e o quanto é feita dentro de um esquema estratégico deliberado, consciente, visando objetivos de longo prazo e dentro de um método definido. Continue lendo Comunicação de conflito presidencial: da doutrina militar de John Boyd à desinformação de Putin
Democracia iliberal: de Hungria e Rússia a Europa e América
[foto: Victor Orbán, primeiro ministro da Hungria]
A democracia, mais do que um conceito acabado, é uma ideia em permanente mutação e perpétuo movimento, ora avançando, ora recuando, sujeita às apreciações de cada geração e momento histórico sobre a dinâmica da constituição do poder e o sentido, função e papel do Estado frente aos cidadãos. Contemporaneamente, a democracia atinge sua expressão máxima, seu mais amplo alcance, no conceito conhecido como Estado democrático de direito, expressamente adotado pela Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo 1º. Continue lendo Democracia iliberal: de Hungria e Rússia a Europa e América