Por Maria Vitoria Pereira de Jesus
Pesquisadores enfatizam a aplicabilidade da luz em pesquisas e ressaltam o caráter pioneiro do Brasil na construção de um síncrotron de 4ª geração. Há apenas outros dois no mundo.
Um feixe de luz mais fino que um fio de cabelo possibilita técnicas de raio-X capazes de visualizar a menor partícula de uma matéria, assim como a composição química que estrutura e determina o aspecto físico de um material. Essa luz existe e é chamada de síncrotron. A ferramenta se encontra disponível no Brasil, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e permite desde a criação de novos materiais e medicamentos, até a preservação obras de pintores famosos como Candido Portinari. O Brasil foi pioneiro na construção de um síncrotron de 4ª geração, já que atualmente existem apenas três operando no mundo.
Segundo o físico Harry Westfahl Junior, diretor do LNLS, essa luz pode ser definida como uma radiação eletromagnética emitida por partículas aceleradas, os elétrons. Quando colocados em movimento – em uma velocidade próxima à da luz – geram a denominada luz síncrotron. Liu Lin, física e chefe da divisão aceleradores do laboratório ressalta que o que diferencia a síncrotron de outras fontes é o fato de ser gerada por um feixe de elétrons e possuir um alto brilho.
Segundo Liu, a síncrotron é produzida a partir de um feixe de elétrons fortemente carregados que, ao serem inseridos nos aceleradores, geram a luz utilizada nas linhas luz (ou estações), onde são realizados os experimentos. No LNLS há, atualmente, 14 linhas de luz experimentais que, ao receberem a síncrotron, permitem a aplicação de diferentes técnicas de pesquisa, cujo uso depende do objetivo e das hipóteses levantadas por cada tipo de estudo. Liu conta que, para além da agitação de partículas, a produção desse tipo de radiação eletromagnética requer análises constantes de tamanho, estabilidade do feixe de elétrons e equipamentos que compõem os aceleradores. Tais observações são fundamentais para garantir a qualidade da luz que chega até as estações experimentais.
Para produzir a luz síncrotron, de acordo com a pesquisadora, é essencial que o feixe de elétrons tenha um tamanho específico. “A gente tenta deixar esse feixe o mais estável possível. Ele também não pode vibrar, chacoalhar, nem alterar a frequência”, diz Liu. A estabilidade, segundo ela, é muito importante para a realização dos experimentos e, por conseguinte, para os resultados das pesquisas. Na produção de luz síncrotron, o funcionamento adequado de todos os equipamentos e subsistemas que compõem os aceleradores é de suma relevância. “O acelerador é uma máquina bastante complexa, com diversos subsistemas. Tem fontes de corrente, fontes pulsadas de diagnósticos, ímãs, e tudo isso precisa estar funcionando”, diz.
Aplicações diversas
De acordo com Westfahl, por cobrir todo o espectro eletromagnético, que vai desde a luz infravermelha, a radiação ultravioleta e ao raio-X, a luz síncrotron possui inúmeras aplicações. Ela possibilita conhecer a estrutura de materiais, assim como as ligações químicas que ditam suas principais características físicas. O conhecimento dessas questões é o que permite, por exemplo, a criação de materiais mais ou menos resistentes. Westfahl conta que, no início da descoberta do pré-sal, a luz síncrotron e as técnicas de pesquisa provenientes de sua aplicação auxiliaram os estudos sobre a melhor forma de extrair o óleo das rochas.
Nas pesquisas sobre a extração do pré-sal, uma tomografia obtida através de luz síncrotron fornece ao pesquisador informações detalhadas sobre os poros das rochas e o local de maior concentração de óleo. “Ela ilumina a rocha, permite fazer imagens tridimensionais e testar modelos que me digam sobre como extrair melhor o petróleo”, diz o pesquisador. Esses modelos e testes ajudam a invenção de tecnologias de bombeamento e extração do petróleo.
Westfahl cita outros exemplos em que a aplicação de luz síncrotron foi essencial, como nas pesquisas sobre o coronavírus durante a pandemia de Covid-19. A criação de uma vacina ou medicamento dependia de conhecimento minucioso da estrutura do vírus. “Quais proteínas têm nesse vírus? Como elas se ligam nas células? Eu tenho que saber como estão as proteínas, os átomos dessa proteína e ver se ele encaixa em algum medicamento”, explica. Para este estudo, o pesquisador destaca o uso da técnica de cristalografia, proveniente da radiação eletromagnética de alto brilho.
Pesquisas que investigam a proporção de determinados nutrientes no solo, fundamentais para a fertilização e o desenvolvimento das plantas, também podem utilizar a luz síncrotron. Segundo o diretor do LNLS, o uso da ferramenta permite saber onde está a maior concentração de ferro no solo e porque alguns solos possuem maior quantidade de fósforo, por exemplo, e outros não. “Na linha Carnaúba, eu consigo enxergar onde está o átomo de cobre e qual a concentração em uma região onde há mais ferro”, diz o pesquisador.
Além das aplicações em pesquisas nas áreas de física, química e biológicas, estudos de artes, arqueologia e geologia também utilizam a luz síncrotron. Westfahl explica que, através da ligação de um elemento químico a um certo número de oxidação, é possível saber, por exemplo, se um quadro pertence a um determinado pintor ou qual a composição das tintas que resultaram na cor utilizada naquela obra, como é o caso da pesquisa que tem como objetivo auxiliar na preservação dos quadros de Candido Portinari.
Na área da arqueologia, o diretor do Laboratório diz que há estudos que se dedicam a descobrir a origem de alguns objetos de cerâmica, enquanto na geologia há pesquisas com a datação de diamantes de afloramento. “Há certas ligas metálicas que, para se formarem, era preciso condições de temperatura e pressão vistas na formação do planeta”, diz ele sobre as hipóteses levantadas com a realização dos experimentos.
A diversidade de aplicação em pesquisas de todas as áreas é importante tendo o vista o caráter pioneiro e audacioso do projeto de luz síncroton, a maior e mais complexa infraestrutura científica do País. “.“Acho que é o maior projeto de ciência nacional e tem uma característica que não é vista entre outros projetos no mundo, que é a altíssima participação da indústria nacional”, ressalta Westfahl.
Maria Vitoria Pereira de Jesus é cientista social e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).