Schenberg e os neutrinos do processo Urca

Por Guilherme de Faria Lemos de Lucca

O físico brasileiro Mario Schenberg foi, segundo Einstein, “uma das dez personalidades da física do século 20”, e tem uma trajetória que coincide com a institucionalização da física no Brasil. Publicou mais de 100 artigos em revistas científicas sobre raios cósmicos, astrofísica, mecânica quântica e geometria, entre tantos outros assuntos, e trabalhou com os mais importantes físicos de sua época, como Fermi, Pauli e Gamow. Também era crítico de arte e foi deputado federal.

Mário Schenberg (1914 – 1990) foi amigo e incentivador de poetas e artistas, e um dos críticos de arte mais respeitados do país. Para o pintor Volpi, em 1944, escreveu a apresentação do catálogo de sua primeira exposição, enquanto Haroldo de Campos dedicou-lhe um poema e Gilberto Gil uma música.

Porém, Schenberg foi também, segundo Einstein, “uma das dez personalidades da física do século 20” (Leão, 2014). Publicou mais de 100 artigos em revistas científicas sobre raios cósmicos, astrofísica, mecânica quântica e geometria, entre tantos outros assuntos, e trabalhou com os mais importantes físicos de sua época, como Fermi, Pauli e Gamow. O físico brasileiro assinava seus trabalhos como Mário Schönberg.

Acima de tudo, Schenberg foi capaz de unir de tudo um pouco. “Não gosto muito de separar as coisas da vida” (Schenberg, 1984, p. 145), ele dizia. “Acho que tudo é uma coisa só. A vida não se separa em ciência, em atividade política, em atividade filosófica, ou outras coisas” (idem).

Além de físico e crítico de arte, foi por duas vezes deputado estadual pelo Partido Comunista Brasileiro, em 1946 e 1962. Intelectual engajado, participou ativamente da “discussão dos problemas políticos do Brasil” (Schenberg, 2001, p. 208), tendo iniciado a campanha do “O petróleo é nosso”, em São Paulo e se colocado contra o acordo nuclear Brasil-Alemanha durante a ditadura militar.

Essa capacidade de síntese de Schenberg, fruto da “intuição” (idem, p. 160), como ele dizia, expressou-se também em muitos de seus trabalhos em física, particularmente em sua tentativa de unificar a mecânica quântica, o eletromagnetismo e a relatividade geral. Antes, isso também aconteceu quando Schenberg relacionou o “problema das supernovas” – a explosão de estrelas supermassivas – com o neutrino, no processo que ficou conhecido como processo Urca.

Esse trabalho, publicado em 1941 em parceria com George Gamow, “foi sua maior contribuição à física contemporânea” (Goldfarb, 1994, p. 43), fazendo com que, pela primeira vez, um físico brasileiro obtivesse reconhecimento internacional.

1934: criação da USP e Fermi no Brasil

O processo que levou Schenberg a realizar esse trabalho com um dos maiores físicos da época coincide com a institucionalização da física no Brasil. O primeiro marco dessa institucionalização foi a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, em janeiro de 1934.

Nascido no Recife, de uma família de imigrantes judeus, Schenberg iniciou seus estudos na Escola Politécnica de Pernambuco em 1931. No terceiro ano do curso, em 1933, depois de ficar sabendo da possibilidade de se criar uma faculdade de ciências em São Paulo, ele transfere-se para a Escola Politécnica de São Paulo. Segundo ele, esse foi “o motivo que realmente me atraiu para São Paulo” (Schenberg, 1985, p. 24).

Schenberg conta que na Politécnica de São Paulo “pela primeira vez tive uma biblioteca razoável de física”, tendo contato com a mecânica quântica através do livro A nova mecânica quântica, de Ernest Bloch. Nesse período, Schenberg conheceu o professor Teodoro Ramos, que lhe deu “certa orientação” sobre a mecânica quântica.

No início de 1934, com a criação da USP, Ramos, que havia sido um dos idealizadores da universidade e tornara-se diretor da FFCL, chefiou a comitiva que foi à Europa contratar professores para a faculdade. O primeiro convidado para se tornar professor de física foi Enrico Fermi, um dos mais importantes físicos da época, que recusou o convite. Porém, Fermi indicou para o cargo o físico ucraniano Gleb Wataghin, que chegou ao Brasil em abril de 1934.

Em agosto desse mesmo ano, o governo fascista de Benito Mussolini, com o objetivo de “estabelecer laços acadêmicos e científicos” (Caruso e Marques, 2014, p. 281), patrocinou uma viagem de Fermi à América do Sul, que realizou palestras na Argentina, Uruguai e Brasil. Depois da visita de Einstein ao Brasil em 1925, Fermi era o físico mais importante que visitava o país. Em sua apresentação em São Paulo, que foi co-patrocinada pela USP, Fermi falou sobre a constituição da matéria (cf. idem, p. 283).

O título da palestra de Fermi não era à toa: novas descobertas estavam mudando o entendimento da matéria no início da década de 1930. Entre elas, destacavam-se a descoberta do nêutron e do pósitron, em 1932, e da radioatividade artificial, no início de 1934.

Um dos presentes na conferência de Fermi foi Mário Schenberg. Nela, pela primeira vez, ele ouviu “falar em neutrino” (Schenberg, 1985, p. 29). Muito provavelmente Fermi se referiu ao neutrino para apresentar sua teoria do decaimento beta, elaborada no final de 1933, considerada “sua obra-prima teórica” (Segrè, 1987, p. 201). No decaimento beta, um nêutron se transforma em um próton e libera um elétron e um anti-neutrino (decaimento beta menos), ou um próton se transforma em um nêutron e libera um pósitron e um neutrino (decaimento beta mais).

O neutrino havia sido previsto em 1930 pelo físico suíço Wolfgang Pauli para explicar um problema observado no decaimento beta: a diferença de energia entre o núcleo atômico antes do decaimento beta e a energia do elétron emitido e do núcleo depois dele acontecer, o que violaria o princípio de conservação de energia. Schenberg diz que “Bohr inclusive fez um trabalho com a colaboração de outros cientistas admitindo a possibilidade de que na emissão dos raios betas não houvesse conservação de energia” (Schenberg, 1985, p. 29). Porém, para Pauli, havia “conservação de energia, mas que grande parte da mesma sai sob a forma de uma partícula sem carga elétrica e que, portanto, não é observada. A energia não está perdida, pois foi emitida como uma partícula neutra que não é detectada, dai o nome que Pauli lhe deu” (idem).

Schenberg na Europa, Gamow no Brasil

A criação da USP não tinha sido apenas importante para a institucionalização da física no Brasil, como também para impulsionar a colaboração internacional dos físicos brasileiros. O pivô desse processo foi Wataghin, cujos contatos pelo mundo ajudaram a enviar à Europa muito físicos brasileiros. Schenberg foi o primeiro deles.

Schenberg formou-se engenheiro eletricista em 1935 e bacharel em matemática no ano seguinte. Em 1936, foi contratado por Wataghin para ser assistente de física teórica da Faculdade de Filosofia. Nesse mesmo ano, publica seu primeiro artigo numa revista estrangeira sobre “as interações dos elétrons, uma aplicação da eletrodinâmica quântica” (Schenberg, 1984, p. 154).

Depois, em 1937, Schenberg realiza um trabalho sobre a função delta de Dirac, que é publicado em duas partes em uma revista científica italiana. Wataghin, então, envia esses trabalhos ao físico inglês Paul Dirac, um dos principais nomes da mecânica quântica, que convida o físico brasileiro para trabalhar com ele em Cambridge (cf. Caruso e Marques, 2014, pp. 280-281).

Em 1938, por ser assistente na faculdade, Schenberg consegue um comissionamento de seis meses e viaja à Europa para, inicialmente, trabalhar com Dirac. Porém, depois de fazer uma escala em Roma e ter conhecido “um assistente do Fermi, que insistiu para que eu ficasse trabalhando com Fermi” (Schenberg, 1985, p. 26), ele resolve ficar na Itália. Em um seminário que Fermi pediu para Schenberg realizar, o físico italiano elogiou o brasileiro dizendo “que faria uma ‘alta strada’” (idem, p. 27) na física. Nesse curto período em Roma, Schenberg também realiza um importante trabalho sobre raios cósmicos, que mais tarde viria a ser elogiado por Heisenberg.

Porém, com a aproximação da Segunda Guerra Mundial e a promulgação de leis antissemitas na Itália, que proibiu crianças e jovens judeus de estudar e negava o direito de cidadania e trabalho aos adultos, Fermi deixa a Itália para receber o prêmio Nobel e, depois, refugia-se nos EUA. Lá, ele logo se tornaria um dos cientistas mais importantes no desenvolvimento da bomba atômica.

Schenberg, então, viaja à Suíça e inicia uma breve colaboração com Pauli, que oito anos antes havia previsto a existência do neutrino. “Foi em Zurique”, Schenberg conta, “apesar do pouco tempo, que comecei a estudar astrofísica, em particular o problema da energia das estrelas. Foi o Pauli que indicou, mas não cheguei a fazer o seminário, pois não houve tempo” (ibidem, p. 28). A ameaça de uma guerra na Europa era cada vez maior e Schenberg volta, no mesmo ano, ao Brasil.

No ano seguinte, em junho de 1939, o conhecido físico George Gamow visita o Brasil e realiza uma série de palestras no Rio de Janeiro e São Paulo. A chegada de Gamow ao Brasil foi bastante noticiada pelos jornais da época, que, segundo eles, aconteceu a partir de um convite da Academia Nacional de Medicina. O jornal Correio Paulistano relatou que, segundo Gamow, “constantes visitas feitas à Universidade George Washington por muitos brasileiros … lhe proporcionou o ensejo de travar relações com vários médicos patrícios, mantendo com eles continua correspondência, surgindo daí, o convite para nos visitar” (Correio Paulistano, 1939). O físico Bernardo Gross, representando a Academia Brasileira de Ciências, recebeu Gamow em sua chegada ao Rio de Janeiro.

Em julho, depois de cerca de um mês no Rio, Gamow realiza duas palestras na Faculdade de Direito da USP. Segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo na época, as palestras foram sobre o “O universo em expansão e a origem das grandes nebulosas” e “A origem da energia solar”, “um dos maiores problemas da astrofísica dos últimos anos” (O Estado de S. Paulo, 27/07/1939). O jornal relata também que um “numeroso público”, que “se compunha de professores e estudantes da universidade e de leigos” (idem), acompanhou a palestra. Não existem relatos de que Schenberg tenha assistido às palestras de Gamow, mas o físico brasileiro encontrou-se com ele no Rio de Janeiro, onde visitaram o cassino da Urca (cf. Schenberg, 2011, p. 120), um lugar que mais tarde marcaria o reencontro dos dois.

Schenberg (o quinto da esquerda pra direita), entre Wataghin e Gamow. Foto tirada quando Gamow veio ao Brasil, em 1939.

De fato, a origem da energia do Sol era um dos problemas mais intrigantes para os físicos desde meados do século XIX. No início do século XX, com os avanços da física atômica, já se imaginava que a energia solar deveria ser de origem nuclear, e, em 1920, o astrônomo inglês Arthur Edington sugeriu que a energia das estrelas tivesse origem da fusão nuclear. Finalmente, na década de 1930, a “evolução cósmica que ligava a história atômica e a história estelar” (Ferris, 1990, p. 197) foi finalmente desvendada.

Foi exatamente Gamow um dos primeiros a explorar essa relação. Em 1928, utilizando o “tunelamento quântico”, ele realizou um estudo mostrando que dois prótons poderiam superar a repulsão coulombiana e se fundirem, um trabalho que foi completado no ano seguinte por Robert Atkison e Fritz Houtermans (Cf. Idem, p. 203).

Porém, foi Hans Bethe que conseguiu finalmente explicar a origem da energia do Sol. Primeiro, em 1938, Bethe ajudou Edward Teller e C.L. Critchfield, um discípulo de Gamow, a calcular “que uma reação iniciada com a colisão de dois prótons poderia gerar aproximadamente a energia irradiada” (ibidem) por uma estrela como o Sol. Porém, essa reação não conseguia explicar a produção de energia de estrelas com luminosidade muito maior do que o Sol.

Isso Bethe conseguiu realizar em meados desse mesmo ano. Ele considerou que, além da fusão de prótons, parte da energia dessas estrelas é produzida a partir da fusão de prótons com núcleos de carbono, nitrogênio e oxigênio, processo que ficou conhecido como ciclo CNO. Esse trabalho lhe valeria o prêmio Nobel de física em 1967.

Em suas reportagens sobre as palestras de Gamow, o Estado relata também que Gamow não só explicou a produção de energia do Sol, mas disse também que essa “teoria permite, hoje, …, prever a sua evolução futura” (O Estado de S. Paulo, 16/07/1939). O relato do jornal sobre a evolução do Sol é praticamente o que hoje sabemos a respeito dela.

O Sol, que hoje é uma estrela tipicamente amarela, irá aumentar de tamanho, sua temperatura diminuirá e se tornará uma gigante vermelha, saindo da sequência principal do diagrama H-R. Finalmente, depois de ejetar a camada de gás de seu núcleo, conhecida como nebulosa planetária, ele terminará sua vida como uma anã branca. O que acontecerá com o Sol acontece também com estrelas até 8 massas solares.

Porém, o destino final de estrelas muito maiores do que o Sol é uma morte catastrófica. Depois de tornarem-se uma supergigante vermelha, essas estrelas explodem no processo que é conhecido como supernova.

Esse era, em termos gerais, o conhecimento que se tinha na época sobre a origem da energia das estrelas e sua evolução. Faltava, porém, responder várias questões, como entender o mecanismo responsável pelas supernovas. É nesse contexto que, impossibilitado de ir à Europa por causa da guerra, Schenberg, em 1940, consegue uma bolsa de estudos da Fundação Guggeinhein e vai aos EUA trabalhar na Universidade George Washington com Gamow.

Foto tirada nos EUA em 1942, quando Schenberg estava trabalhando com Gamow e Chandrasekhar. Schenberg é o sexto, da esquerda pra direita, bem atrás da mesa, entre Pauli (que previu o neutrino) e Chandrasekhar (com quem ele publicaria um importante trabalho em astrofísica). Nessa foto, Gamow é o primeiro sentado à esquerda da mesa.

Schenberg, Gamow e o processo Urca

Depois de ficar sabendo da existência do neutrino no Brasil na conferência de Fermi, Schenberg diz que “o curioso é que esse fato parece uma espécie de predestinação, pois, assim que cheguei aos EUA, George Gamow me apresentou um trabalho sobre supernovas” (Schenberg, 1985, p. 30). Depois de estudar o problema, Schenberg procurou Gamow dizendo que “o trabalho não estava certo, pois estava faltando o neutrino, e ele achou que eu havia descoberto a chave do problema” (idem).

No período em que passou trabalhando com Gamow, Schenberg e ele publicaram, primeiro, em novembro de 1940, uma “letter” ao editor da Physical Review intitulada “The possible role of neutrinos in stellar evolution” (“O possível papel dos neutrinos na evolução estelar”). Depois, no ano seguinte e na mesma revista, eles publicam o artigo “Neutrino theory of stellar collapse (“Teoria do neutrino do colapso estelar”).

Nesses trabalhos, Gamow e Schenberg consideram, inicialmente, que “a energia produzida nas estrelas é causada por reações termonucleares” (Gamow e Schönberg, 2011A, p. 129), reações essas que “contém o processo de decaimento beta acompanhado pela emissão de neutrinos a alta velocidade” (idem), que fazem a estrela perder energia e esfriar. Essa perda de energia da estrela pela emissão de neutrino, para o ciclo do carbono, é relativamente pequena e é “de importância secundária para o equilíbrio e a evolução estelar” (ibidem).

Porém, à medida que a temperatura e densidade das estrelas aumentam por causa de contração progressiva, passam a existir reações nucleares em que elétrons livres reagem com núcleos atômicos. Essas reações, que eles chamaram de processo Urca, são as seguintes:

ZNA + e — Z-1NA + neutrino                (1)

Z-1NA — ZNA + e– + antineutrino       (2)

Como pode ser visto na reação 1, o elemento químico N, com número de massa A e número atômico Z, captura um elétron (e) e produz o elemento isóbaro Z-1NA. Nesse processo, há emissão de um neutrino. Depois, o elemento isóbaro formado, que é instável, sofre um decaimento beta, produzindo o mesmo elemento químico (ZNA) que inicialmente capturou o elétron. Além da emissão de um elétron, há a emissão de antineutrino. [ver nota]

Agora, no processo Urca, a perda de energia pela emissão de neutrinos é considerável, fazendo com que as partes internas da estrela esfriem e não consigam suportar o peso das camadas externas. Esse processo resultaria em um “colapso de todo o corpo estelar em uma quase velocidade de queda-livre” (Gamow e Schönberg, 2011B, p. 159).

Ao mesmo tempo que as partes internas da estrela movem-se “em direção ao centro, … as regiões mais externas começarão a se expandir” (Gamow e Schönberg, 2011B, p. 167). Para eles, seria essa expansão que aumentaria a luminosidade da estrela tal como é observada em uma supernova.

Schenberg conta que o nome o processo responsável pela emissão de neutrinos foi dado em homenagem ao cassino da Urca, onde eles estiveram juntos em 1939 quando Gamow veio ao Brasil. Para Gamow, “a energia está sumindo no centro da supernova com a mesma rapidez com que o dinheiro sumia naquela mesa de roleta” (Schenberg, 2001, p. 120).

Na época, o grande problema da teoria de Gamow e Schenberg era que os neutrinos eram “considerados partículas altamente hipotéticas por causa das tentativas fracassadas de detectá-las” (Gamow e Schönberg, 2011B, p. 167), como eles próprios reconhecem no artigo. Porém, eles insistem, “os fenômenos que estamos estudando são apoiados por evidências experimentais da física nuclear. Ou seja, existem evidências que indicam fortemente que esse ‘desaparecimento de energia’ acontece de tal maneira que parece que é emitido por partículas de quase ilimitada penetrabilidade” (idem, p. 168).

A confirmação do processo Urca viria a acontecer apenas em 1987, 46 anos depois da publicação do trabalho de Schenberg e Gamow, quando o astrônomo Ian Shelton observou no Chile a supernova 1987A. Localizada na Constelação de Dourado, a 165 mil anos-luz da Terra, foi a explosão de estrela mais brilhante observada desde a supernova observada por Kepler, em 1604 (cf. Mourão, 1987).

Essa observação foi acompanhada por um aumento na detecção de neutrinos em quatro observatórios, tornando-se a primeira vez que, reconhecidamente, neutrinos emitidos por supernovas tinham sido detectados. Estima-se que a supernova 1987A tenha emitido 1058 neutrinos, sendo que apenas 12 deles foram capturados no experimento Kamioka, no Japão (cf. Guzzo, p. 9).

Schenberg e os primeiros anos de USP: um balanço

A “carreira relâmpago” (Goldfarb, 1994, p. 41) de Schenberg que o levou, primeiro, à Europa, e, depois, aos EUA aconteceu em meio a um novo ambiente intelectual e de trocas internacionais que fora impulsionado pela criação da USP. Muita coisa havia mudado na física e na ciência brasileira desde 1934.

No artigo “A Physica em São Paulo”, publicado no final de 1939 no jornal O Estado de S. Paulo, o então professor de história da USP Paul Vanorden Shaw faz um balanço da ciência produzida pelo Departamento de Física da FFLC. Dizendo que em meados de 1940 “é muito provável que venham a São Paulo três das maiores figuras da física moderna” (Shaw, 1939), sendo que duas delas vieram “porque em toda a América do Sul é só na Universidade de São Paulo que se encontram os laboratórios de que necessitam para fazer as suas pesquisas em solo sul-americano” (idem).

Se eles virão a São Paulo, ele continua, “é porque a Seção de Física em cinco anos, de 1934 a 1939, como pude verificar, publicou um total de 80 trabalhos de pesquisa em física, sendo 41 pelos colaboradores e alunos e 39 pelo professor Wataghin” (ibidem). Esses trabalhos foram publicados nos “principais periódicos científicos da Itália, França, Alemanha e EUA” (ibidem).

A situação descrita por Shaw contrasta com o que se viu acontecer com a física brasileira em 1933 e 1934, quando foram publicados 12 artigos originais na área em periódicos nacionais e estrangeiros (cf. Marques, 2014, p. 283).

Schenberg sempre reconheceu isso. “Faltava uma escola de física trabalhando sistematicamente. Isso começou aqui em São Paulo, depois de 1934, quando foi criado o Departamento de Física da Faculdade de Filosofia” (Schenberg, 2011, pp. 117-118). Esse reconhecimento, porém, transformou-se em ação quando, depois de 5 anos trabalhando na Universidade de Bruxelas, na Bélgica, Schenberg voltou ao Brasil. Entre 1953 e 1961, Schenberg se tornaria diretor do Departamento de Física da FFCL, passando a fazer para a física em São Paulo e no Brasil o que Wataghin e a USP haviam feito para ele e dando um novo impulso na institucionalização da física em São Paulo e no Brasil.

Guilherme de Faria Lemos de Lucca é formado em física pela USP . É professor de física e cursa especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.

Nota
No artigo original, Schenberg e Gamow descrevem o processo Urca emitindo, inicialmente, um antineutrino e, depois, um neutrino, o contrário do que consta na literatura atual (Cf. Gamow e Schönberg, 2009B, p. 159).

Referências

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