Entrevista com Nilton Rennó por Sabine Righetti
O homem ainda não consegue explorar pessoalmente outros planetas, mas já consegue mandar robôs para que explorem por nós. Esse é um dos trabalhos do cientista espacial Nilton Rennó, brasileiro que faz parte da equipe da Nasa, agência espacial dos EUA, que desenvolveu um robô do tamanho de um carro compacto, o Curiosity, que tem circulado Marte desde 2012.
Nascido em São José dos Campos, em São Paulo, ele se formou em engenharia na Unicamp na década de 1980 e está nos Estados Unidos há mais de 30 anos – onde cursou doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT). Desde 2002, Rennó leciona na Universidade de Michigan.
Dentre seus desafios atuais, faz parte da equipe que está desenvolvendo um microscópio que vai integrar um novo robô espacial da Nasa. O robô deve pousar em Europa, uma das luas de Júpiter. A ideia, diz, é procurar vida bacteriana por meio de amostras de gelo que, derretido, pode mostrar evidências de células – “de preferência se dividindo”.
Leia a íntegra da entrevista concedida por Rennó à revista ComCiência.
O desenvolvimento de robôs para aplicação na Terra é muito diferente da criação de robôs que vão explorar um planeta desconhecido como Marte? Como se dá a criação de um robô que passará por áreas às quais o homem não chegou?
O desenvolvimento de robôs para aplicação na Terra é, na verdade, bem parecido com o desenvolvimento de robôs para exploração espacial. O que acontece é que o desenvolvimento de um se beneficia do outro. Por exemplo, a criação de drones para uso aqui na Terra levou a Nasa a pensar em um drone para explorar Marte, o Mars Helicopter, que deve ser lançado no ano que vem na missão Marte 2020 – chegando ao planeta em 2021. O Mars Helicopter é um robô de menos de dois quilos que vai sobrevoar o planeta. É um ótimo exemplo de robô que vai explorar áreas que o homem ainda não consegue chegar.
O desenvolvimento desse tipo de robô requer muito planejamento e testes detalhados. Na minha opinião, a principal razão para o sucesso dos EUA no desenvolvimento de robôs espaciais, especificamente, é justamente o processo sistemático e rigoroso de teste com base em parâmetros bem estabelecidos.
Uma das preocupações do robô Curiosity na época de seu lançamento, em 2011, era o pouso em Marte, que não poderia ser bruto e nem levantar muita areia – algo capaz de prejudicar o próprio robô. Como se calculam riscos no desenvolvimento de robôs para ciência espacial?
Na área espacial, nós pensamos em riscos como um vetor de duas dimensões: probabilidade e consequência. Se a probabilidade do risco for baixa e a consequência da falha também for baixa, não há razão para se preocupar muito. Porém, se a probabilidade ou a consequência de um risco for alta, temos que fazer um plano bem claro para diminuir esse risco. Se a probabilidade e a consequência do risco forem altas, temos que eliminar o risco – como por exemplo procurando outra solução para resolver o problema.
Que tipo de tecnologias foram desenvolvidas pelos cientistas do Curiosity, que poderão ser aplicadas aqui na Terra?
O sistema de navegação por câmeras pode ser usado por veículos autônomos (sem motoristas), por exemplo. Além disso, as imagens das câmeras de navegação do Curiosity também são usadas para criar um mapa tridimensional do terreno – nesse caso, as técnicas desenvolvidas para isso também podem ser usadas aqui na Terra.
Robôs como o Curiosity precisam de guia humano para circular pelo planeta. Como a equipe de cientistas, da Terra, decidem se o robô irá para direita, reto ou para esquerda?
A operação do Curiosity e semiautônoma. Baseado nas imagens das câmeras de navegação, os operadores mandam comando para o Curiosity, que se move de um ponto A para um ponto B. O robô, no entanto, está preparado para tomar algumas decisões, como, por exemplo, do que deve se desviar quando encontra um obstáculo não previsto.
E quando a equipe discorda de para aonde movimentar o robô, como é tomada a decisão? [risos]
Em geral, a equipe concorda. Quando há ideias diferentes, os cientistas apresentam seus pontos de vista diferentes. No final disso, os cientistas responsáveis pela missão tomam a decisão.
Voltando à autonomia: podemos projetar algum dia um robô capaz de tomar suas próprias decisões de quais regiões de um planeta como Marte devem ser exploradas?
Boa pergunta. Esse é o plano para o futuro, principalmente para manter os sistemas de missões tripuladas funcionando. A ideia é evitar que os astronautas tenham que passar a maior parte do tempo mantendo os sistemas de suporte funcionando, como atualmente acontece na ISS (Estação Espacial Internacional).
O Curiosity e outros tipos de robôs de exploração espacial poderão “preparar o terreno” para uma possível viagem de cientistas humanos para Marte no futuro?
Sim, um dos principais objetivos das missões da Nasa em Marte é justamente preparar para exploração humana. Procurar mantimentos para sustentar uma missão humana e estudar os perigos.
Como robôs como o Curiosity se diferenciam, por exemplo, de sondas-robôs como o Rosetta, que pousou em um cometa em 2016?
A operação de um robô como o Rosetta é mais simples. As observações são planejadas entes do encontro com o cometa. A nave é programada e, com exceção de algumas pequenas correções, tudo é programado com antecedência. No caso do Curiosity, quando o robô está na superfície, os planejamentos são feitos de um dia para o outro, dependendo do que é descoberto. São, portanto, decisões recorrentes que devem ser tomadas.
Que tipo de exploração e de experimento ainda se espera, aqui da Terra, do Curiosity em Marte?
O Curisity deve continuar subindo o Monte Sharp (uma montanha no centro da cratera) à procura de materiais sedimentares. Quem sabe, vai descobrir vestígios fortes de que um dia Marte teve um clima que pode ter suportado vida bacteriana (com condições habitáveis, na linguagem técnica).
E que tipo de robô os cientistas espaciais planejam para o futuro? Pousaremos, por exemplo, em planetas ainda mais distantes?
A bola da vez é a exploração de planetas ao redor de outras estrelas como o Sol, mas que estão fora do nosso sistema planetário (os chamados exoplanetas). Alguns grupos vêm desenvolvendo tecnologia para fazer uma nave capaz de explorar os exoplanetas.
Se você pudesse estimar, quando acredita que chegaremos, com robôs, a exoplanetas?
Bom, o sistema estelar Alpha Centauri é próximo da Terra – e fica a 4,4 anos luz de distância. Isso quer dizer que a um robô levaria 4,4 anos para chegar naquele sistema planetário viajando à velocidade da luz. Como os mais otimistas acreditam que a velocidade maior de uma espaçonave seria uma fração da velocidade da luz, vamos dizer que a gente demoraria 44 anos para chegar a Alpha Centauri se a nave fosse lançada hoje. Portanto, acho que isso ainda vai levar entre 50 e 100 anos para acontecer.
Sabine Righetti é doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp (2016), com passagem como pesquisadora visitante pela School of Education da Universidade de Michigan (Knight fellow, 2012) e pela Graduate School of Education de Stanford (Lemann fellow, 2017). É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e organizadora e coordenadora acadêmica do RUF – Ranking Universitário da Folha de S.Paulo. Assina a coluna on-line sobre educação e políticas de educação Abecedário, no mesmo jornal.