Por Felipe Góes de Moraes e Vinícius Nunes Alves
foto de Léo Ramos Chaves / revista Pesquisa FAPESP
Presidente do CNPq compartilha visões sobre a valorização da ciência pela sociedade e discute prioridades e projetos em andamento para fomentar a pesquisa científica no Brasil
Ricardo Galvão é físico, engenheiro, professor titular do Instituto de Física da USP e tem experiência de pesquisa em áreas como física teórica, física de plasma e fusão nuclear. Na comunidade científica, já recebeu prêmios nacionais e internacionais e é membro de diversas associações, incluindo a Academia Brasileira de Ciências. Como um cientista ativo socialmente, Galvão faz parte do movimento Cientistas Engajados que defende a formação de uma bancada da ciência e da educação no Congresso, além de ser filiado ao partido Rede.
Em 2019, quando ainda estava na direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Galvão ganhou notoriedade por ter sofrido ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro logo após ter divulgado o aumento do desmatamento na Amazônia. Os atritos levaram à exoneração do cientista, ao mesmo tempo em que foi defendido pela revista científica Nature, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras instâncias importantes. Este ano, com a posse do novo governo eleito, Luciana Santos, ministra de Ciência e Tecnologia, nomeou Galvão como presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em entrevista exclusiva à ComCiência, Galvão comenta sobre perspectivas, projetos e prioridades que estão em andamento para fortalecer a pesquisa científica.
Recentemente foram anunciadas duas medidas muito aguardadas: o reajuste das bolsas de mestrado e doutorado (defasadas desde 2013), e um edital de R$ 100 milhões para estimular a participação feminina na ciência. Ainda assim, são valores que dificilmente competem com o setor privado, diminuindo a atratividade das carreiras acadêmicas no Brasil e fazendo a ciência brasileira depender da abnegação dos pesquisadores iniciantes. Há espaço para uma maior valorização da carreira de pesquisador?
Esses 100 milhões em bolsas para a participação feminina na ciência se referem a um programa especial chamado mulheres na ciência ou meninas na ciência. Ele é voltado para estimular, principalmente, os jovens nas áreas de STEM: Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Serão recursos especiais que a Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, está articulando com o governo. Esses R$ 100 milhões serão alocados dentro do programa ao longo de 4 anos. Estamos agora elaborando o programa para ver se conseguimos lançar ainda este ano.
De fato, o valor de correção das bolsas não foi o desejável. Se levarmos em conta o valor das bolsas em 2013 e a correção monetária, o aumento deveria ser por volta de 70%, mas isso seria inviável do ponto de vista orçamentário. Temos que lembrar que o orçamento do CNPq atual está baseado na Lei Orçamentária atual, proposta no governo passado. Só conseguimos dar esse aumento devido a um acordo com o Congresso na PEC da transição. No entanto, é preciso colocar que o valor das bolsas nunca irá se equiparar àqueles praticados pelo setor privado. Mesmo no exterior, quem trabalha em pesquisa na academia, fazendo mestrado ou doutorado, não tem valores de bolsas equiparáveis ao salário de quem está trabalhando em empresas e indústrias. Mas creio que esse não seja o ponto mais relevante para estimular a formação de novos cientistas. Além de termos valores de bolsas que sejam razoáveis para que o cientista em formação possa manter sua família e ter boas condições de vida, temos também que oferecer a ele laboratórios onde possa desenvolver suas pesquisas e estimular seu interesse científico. A motivação maior para um cientista não é o valor do salário, mas sim ter condições para buscar respostas para as questões científicas que ele coloca.
Pensando na formação dos pesquisadores brasileiros, o novo governo tem intenção de retomar e aumentar a internacionalização da ciência nacional, através de um programa parecido com o que foi o Ciência Sem Fronteiras? Isso seria possível, dentro de uma realidade de seguidos cortes orçamentários nos últimos anos?
Nós estamos fazendo um grande trabalho para aumentar ainda mais as nossas colaborações internacionais. Mas isso não será realizado na direção do Ciência sem Fronteiras. O Ciência sem Fronteiras foi importante para enviar estudantes para fora e também trazer pesquisadores estrangeiros para o País; mas isso foi feito num contexto político e econômico que não vai voltar. Nós iremos continuar a oferecer bolsas para o exterior, mas o mais importante é estabelecer os acordos de colaboração com instituições no exterior. Entre os acordos de cooperação, por exemplo, acabamos de renovar um com o Consiglio Nazionale delle Ricerche (CNR) italiano; estamos reeditando acordos de colaboração com instituições alemãs, francesas, inglesas e assim por diante. Não dispomos ainda de todos os recursos orçamentários necessários, mas, gradualmente, pretendemos ampliar. Isso vai ser posto, inclusive, no projeto de Lei Orçamentária para o próximo ano.
Segundo Gilson Volpato, especialista em metodologia e redação científica, é um equívoco separar ciência básica de ciência aplicada porque essas definições se baseiam no produto final e não no mecanismo de gerar conhecimento que é a ciência. Mas políticos já defenderam o investimento apenas na ciência “aplicada”. Qual a sua visão sobre essa distinção e qual deve ser o papel do Estado?
Realmente essa não é uma questão trivial e, muitas vezes, é impossível estabelecer uma distinção entre ciência básica e ciência aplicada. Muita ciência básica se torna aplicada mais tarde; o exemplo paradigmático disso é a invenção do laser. A teoria básica, que permitiu mais tarde o desenvolvimento do laser, foi postulada por Einstein em 1905, mas apenas em 1957 a teoria foi aplicada efetivamente para o desenvolvimento do laser propriamente dito. Portanto, nem sempre há uma aplicação imediata da ciência básica. A mesma coisa ocorreu na área nuclear e em muitas outras áreas. Inclusive, uma das vacinas mais recentes para a Covid-19 está baseada em trabalhos de ciência básica de medicina realizados há mais de 25 anos. Na atualidade, temos utilizado o termo: pesquisas voltadas à missão. Ou seja, o governo, de acordo com suas estratégias, determina algumas áreas prioritárias nas quais as pesquisas são mais estimuladas. Isso o governo está fazendo e vai fazer durante esse período de 4 anos, principalmente nas questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável, produção sustentável de energia, enfrentamento das mudanças climáticas, enfrentamento de epidemias e agricultura avançada. Um trabalho que estamos realizando também é o que chamamos de inovação acionada pela ciência, que tem objetivos que serão colocados tanto para as áreas de ciência básica quanto de ciência aplicada em paralelo. Como eu disse, não é fácil estabelecer uma diferenciação precisa entre o que é básico e o que é aplicado.
O Brasil tem tudo para ser uma potência bioeconômica, principalmente devido ao potencial da Amazônia. O CNPq tem planos em vista de alavancar aportes em centros de excelência da região, como o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA)? Paralelamente a todo esse potencial, continuamos vendo o desmatamento em alta. Qual tendência o senhor acredita que a taxa de desmatamento terá nos próximos anos?
O Centro de Biotecnologia da Amazônia, que ficou inerte durante muitos anos, está sendo reformulado pelo novo governo de forma a apoiar, inclusive, a geração de negócios sustentáveis na Amazônia. Além disso, o CNPq lançará chamadas especiais para projetos na Amazônia, independentemente de serem oriundos de centros de excelência. Nós sabemos agora que na Amazônia existem cerca de 240 campi de diferentes instituições, distribuídos por toda a grande Amazônia, que necessitam de apoio e insumos para o desenvolvimento de suas pesquisas. Portanto, o CNPq procurará reservar, em todas as suas chamadas, um certo montante de recursos para projetos na Amazônia.
Acredito que esse aumento do desmatamento no primeiro trimestre tenha ocorrido por uma reação dos desmatadores e mineradores ilegais se antecipando às ações mais contundentes do atual governo no sentido de coibir suas práticas. Além disso, também tivemos algumas condições de cobertura de nuvens que dificultaram o monitoramento desse desmatamento. Foram identificados avanços na destruição do cerrado, da mata atlântica e dos manguezais. A melhora desse quadro depende fortemente das ações do governo e eu tenho certeza, pelo que tenho conversado com a ministra Marina Silva, que a ação do Ministério do Meio Ambiente será muito efetiva. Mas, para isso, é necessário que o Congresso não esvazie o Ministério do Meio Ambiente, como parece que estão querendo fazer. Em particular no caso do controle do desmatamento, é absolutamente essencial uma ação forte do Ibama e do ICMBio, que precisam ampliar seus quadros de servidores e seus recursos para ações rápidas e contundentes contra o desmatamento. Se isso for feito, eu espero que consigamos realmente zerar o desmatamento em questão de cinco anos, como prometeu o presidente Lula.
A epidemia de fake news e a politização de temas fundamentais para a população contribuem para reduzir a confiança da população na ciência e gera danos significativos, como na pandemia de Covid-19. Como podemos aproximar o conhecimento científico do público amplo?
Questões de fake news, negacionismo e descrédito da ciência junto à população em geral estão estreitamente relacionadas à deficiência no letramento científico da nação e à forma como as mídias sociais atuam. Isso não é fácil, porque as redes sociais não permitem, muitas vezes, a profundidade necessária para que tratemos alguns assuntos científicos que são mais complexos. Mas o poder executivo, as instituições de pesquisa e as universidades estão muito alertas a essa questão; e estão buscando novos meios e ferramentas para ter acesso mais direto à população, de forma a transmitir as notícias e informações corretas sobre o desenvolvimento científico e a necessidade da ciência, inclusive de uma forma mais atrativa.
Felipe Góes de Moraes é engenheiro florestal e mestre em ciência florestal pela Unesp. Tem experiência técnica com restauração ecológica e inventário de florestas nativas.
Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp, mestre em ecologia e conservação de recursos naturais pela UFU, especialista em jornalismo científico pela Unicamp. Atua como professor de ciências e jornalista.