Resistência a antibióticos e as superbactérias

Por Laura Maria Andrade de Oliveira e Tatiana de Castro Abreu Pinto

Bactérias resistentes a antibióticos, também conhecidas como superbactérias, representam atualmente uma das principais ameaças à saúde pública mundial. Infecções por essas bactérias estão se tornando cada vez mais comuns e algumas delas são resistentes a praticamente todos os antibióticos existentes. Ao mesmo tempo, a velocidade com que os cientistas descobrem novos antibióticos vem sendo cada vez mais lenta. Nesse cenário, a Organização Mundial de Saúde estima que, se nada for feito para controlar essas superbactérias, até 2050 elas serão responsáveis por cerca de 10 milhões de mortes por ano no mundo, tornando-se mais letais que o câncer.

Há 3000 anos os seres humanos já utilizavam substâncias naturais como bolores, plantas e sais, para tratar diversos tipos de infecções. No século XVI, com o desenvolvimento da alquimia, as drogas medicinais passaram a ser obtidas por métodos laboratoriais. Nessa época foram desenvolvidos diversos antissépticos e desinfetantes. Foi somente no século XX, entretanto, que os primeiros antibióticos foram descobertos. O primeiro antibiótico a ser amplamente utilizado em seres humanos na década de 1940 – a penicilina – foi descoberto por um pesquisador do Reino Unido chamado Alexander Fleming. Embora rumores sugiram que Fleming tenha feito essa descoberta de forma acidental, não há dúvidas de que a introdução dos antibióticos para tratar diversas doenças infeciosas tenha revolucionado a medicina humana. Entre as décadas de 1940 e 1970, diversos novos antibióticos foram lançados no mercado, como tetraciclina, eritromicina, gentamicina e vancomicina, e esse período foi conhecido como a era de ouro dos antibióticos.

Cientistas e médicos chegaram a achar que certas doenças infeciosas graves, como meningite, pneumonia, endocardite e septicemia, não seriam mais uma ameaça à saúde humana. De fato, a própria penicilina foi protagonista durante a Segunda Guerra Mundial, sendo responsável pela redução drástica do número de mortes e amputações entre soldados. No entanto, o presente e o futuro não são tão promissores. Frente ao cenário atual do aumento no número de infecções por superbactérias e a falta de novos antibióticos no mercado, é mais provável que os próximos anos reflitam, na verdade, a era pré-penicilina, ou pós-antibiótico, em que não haverá qualquer tipo de tratamento para combater infecções comuns, como uma simples sinusite. Isso é ainda mais grave em certos grupos de pacientes, como aqueles ​​em tratamento quimioterápico para câncer, em diálise para insuficiência renal e submetidos à transplante de órgãos, para os quais uma simples sinusite bacteriana não tratada adequadamente pode representar uma complicação séria e fatal.

De onde vêm os antibióticos?
Parece estranho, mas a principal fonte de antibióticos são os próprios microrganismos, principalmente aqueles que vivem naturalmente no solo, como Penicillium, Cephalosporium, Streptomyces, Micromonospora, Bacillus e Chromobacterium. Os nomes dos antibióticos são, muitas vezes, inspirados nos microrganismos dos quais eles foram isolados. Esses microrganismos podem ser considerados benéficos ao homem, pois geralmente não causam qualquer tipo de doença. Eles produzem antibióticos como uma forma de proteção. Uma vez no ambiente, são expostos a diversos obstáculos e ameaças dos quais devem se proteger; e os antibióticos representam uma dessas armas. Aqui cabe ressaltar que os microrganismos que produzem os antibióticos geralmente são naturalmente resistentes a eles.

Desde o fim da citada era de ouro, pouquíssimos antibióticos têm sido lançados no mercado. Embora muitos tenham sido descobertos, vários deles não demonstraram utilidade clínica, ou por serem muito tóxicos ou por não serem absorvidos adequadamente pelo organismo humano, por exemplo. Sendo complexo, demorado e muito caro, o processo de descoberta de novos antibióticos passa atualmente por uma crise. A estratégia que vem sendo utilizada para gerar “novos” antibióticos, desde a década de 1990, é modificar a estrutura química dos já existentes, para que eles tenham atividade aprimorada contra as bactérias. De qualquer forma, não podemos esperar que futuros novos antibióticos sejam a salvação da humanidade contra as superbactérias hoje existentes; aparentemente não há possibilidade de novas descobertas em curto prazo.

Figura adaptada de Antibiotic Resistance Threats in the United States, 2013, CDC.

Como surgiram e onde estão as superbactérias?
A utilização de antibióticos no tratamento de doenças infecciosas causadas por bactérias revolucionou a saúde pública. No entanto, os primeiros casos de infecções causadas por bactérias resistentes à penicilina, por exemplo, surgiram poucos anos depois do início de sua utilização pela população. O mesmo fenômeno foi observado em relação aos antibióticos lançados no mercado nos anos seguintes. E por que isso aconteceu? Bom, a medida em que as bactérias foram sendo expostas aos antibióticos, elas começaram a desenvolver alguns mecanismos de defesa para garantir a sua sobrevivência e, dessa forma, “resistir” aos antibióticos. Esses mecanismos de defesa podem, geralmente, ser transferidos de uma bactéria para outra. Quando uma bactéria adquire diversos mecanismos e passa a ser resistente a uma variedade enorme de antibióticos, ela se torna uma superbactéria.

As superbactérias ganharam destaque primeiro dentro dos hospitais, onde o uso de antibióticos é mais intenso e a transmissão de bactérias mais eficiente. Elas ainda são importantes causas de infecções graves entre pacientes hospitalizados. No entanto, atualmente, já sabemos que as superbactérias podem ser encontradas também em indivíduos saudáveis da comunidade, animais, alimentos e no meio ambiente. Entre as principais superbactérias que representam ameaças à saúde pública, atualmente estão incluídas as seguintes: Acinetobacter baumanii e enterobactérias resistentes aos carbapenêmicos, Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (conhecidos como MRSA) e Enteroccus faecium resistentes à vancomicina (conhecidos como VRE).

Além de serem utilizados para o tratamento de doenças humanas, os antibióticos são também rotineiramente utilizados na pecuária para prevenção e tratamento de doenças e para promoção do crescimento em animais, potencializando os meios através dos quais superbactérias podem surgir entre nós. Dessa forma, superbactérias poderiam ser transferidas entre animais e homens, através do contato ou pela ingestão de alimentos contaminados.

Nesse cenário, o conceito denominado One Health (saúde única) vem ganhando destaque em todo o mundo. Este conceito é baseado na ideia de que a saúde da população humana está conectada à saúde animal e a do meio ambiente; e somente levando em consideração todas essas esferas de saúde poderemos garantir a prevenção adequada de diversas doenças importantes na medicina humana, incluindo as infecções por superbactérias. É um conceito que estimula a ação conjunta de vários setores da sociedade (profissionais da área da saúde, cientistas, políticos, entre outros) para a melhoria das ações de saúde pública e, se colocado em prática da forma correta, pode ser determinante para contermos o avanço da resistência bacteriana.

Figura adaptada de Antibiotic Resistance Threats in the United States, 2013, CDC.

Impactos sociais e econômicos das superbactérias
Quando as opções de tratamento com antibióticos considerados ideais, como a própria penicilina, são limitadas pela resistência bacteriana, os profissionais de saúde são forçados a usar antibióticos que podem ser mais tóxicos para o paciente, e frequentemente mais caros e menos eficazes. Mesmo quando existem tratamentos alternativos, pesquisas demostram que pacientes com infecções por superbactérias apresentam maior probabilidade de morte, e os sobreviventes têm internações hospitalares significativamente mais longas, recuperação demorada e aparecimento de sequelas incapacitantes a longo prazo.

E o cenário é preocupante. Em uma estimativa feita pela Organização Mundial de Saúde, até 2050 as superbactérias podem ser responsáveis por cerca de 10 milhões de mortes por ano no mundo. Além disso, de acordo com estimativas globais, até 2050 as infecções por superbactérias gerarão um custo de aproximadamente 84 trilhões de dólares para a economia global.

Medidas de controle e prevenção
As bactérias inevitavelmente irão encontrar uma forma de resistir aos efeitos dos antibióticos, pois essa estratégia de defesa faz parte da natureza desses microrganismos. Contudo, podemos controlar o surgimento das resistentes e desacelerar o avanço da resistência por meio de algumas estratégias de saúde pública.

Os antibióticos não são a única forma de combater infecções bacterianas. Essas podem ser prevenidas também por vacinação, preparo correto dos alimentos, lavagem das mãos, principalmente entre profissionais da área de saúde; e todas essas medidas podem reduzir a probabilidade de surgimento de bactérias resistentes. Além disso, os antibióticos devem ser usados em seres humanos e animais de forma racional, ou seja, somente quando são realmente necessários e devem ser escolhidos e administrados da forma correta, sempre sob orientação médica.

A automedicação é extremamente desaconselhada e representa uma das formas pelas quais os antibióticos são inapropriadamente utilizados pela população, levando ao surgimento de bactérias resistentes. Alguns estudos demonstram que, em até 50% dos casos, os antibióticos são prescritos ou administrados de forma inadequada. Neste sentido, diversos países lançaram políticas de saúde pública que visam a diminuir e racionalizar o uso de antibióticos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem atualizando, desde 2010, os regulamentos de venda de antibióticos. Além dessas medidas, esforços devem ser continuamente realizados para o desenvolvimento de terapias alternativas capazes de combater bactérias resistentes para as quais não existe tratamento eficaz hoje em dia e, dessa forma, conter o avanço da resistência e contribuir com a saúde pública.

Laura Maria Andrade de Oliveira é doutora em microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tatiana de Castro Abreu Pinto é professora de microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Referências

Centers for disease control and prevention. Antibiotic resistance threats in the United States, 2013.

World Health Organization. Global priority list of antibiotic-resistant bacteria to guide research, discovery, and development of new antibiotics, 2017.

Kraker, Stewardson, Harbarth. “Will 10 million people die a year due to antimicrobial resistance by 2050?”, Plos Medicine, 2016.
The Alexander Fleming Laboratory Museum. The discovery of penicillin, 1999.