Os recifes de coral brasileiros têm papel fundamental na ecologia marinha e na economia, mas encontram-se ameaçados. De um lado, as mudanças climáticas, e do outro, a multiplicação de espécies invasoras. E é nas cores que os efeitos disso aparecem.
Imaginar um recife de coral não é difícil. A primeira coisa que vem à mente são grandes amontoados de formatos e cores, cuja beleza se destaca em meio à água azul cristalina. Amarelos, laranjas, roxos. Essa imagem é também aquela presente nos filmes, fotografias e documentários da vida submarina e de mergulho. Mas a importância dos corais vai além de sua aparência, e abarca as funções que esses animais cnidários – mesmo grupo das águas-vivas – desempenham na natureza e na economia.
Os recifes, que se formam a partir do acúmulo de esqueletos de corais que morreram, servem como proteção costeira. São barreiras que atenuam eventos climáticos intensos como furacões e monções. Cerca de um quarto de toda a biodiversidade marinha do mundo vive em recifes de coral, e eles são abrigo de boa parte dos peixes que consumimos. A importância econômica dos corais não para na pesca. De seus tecidos são extraídos compostos para a indústria farmacêutica, e em várias regiões do mundo o setor do turismo fatura com a beleza dos recifes.
As cores das espécies têm a ver com a sua história evolutiva. O pesquisador Miguel Mies, que é do Instituto Oceanográfico da USP e também coordena pesquisas no Projeto Coral Vivo, explicou que há vários fatores para a variedade na coloração das diferentes espécies. A cor de um coral pode protegê-lo contra predadores, tornando-o mais difícil de ser visto. Ou, como é o caso de pigmentos azuis, roxos e verdes, pode protegê-lo da radiação UV caso esteja em águas rasas.
As paletas de cores, compostas pelas variedades de corais que compõem um recife, mudam de acordo com as diferentes regiões do mundo, e isso depende de suas condições ambientais: se a água é turva ou cristalina, quanta biodiversidade há no local, qual a cor das rochas e das algas etc. “No Brasil temos muitas cores de corais, mas puxamos mais para o marrom, amarelo e verde”, contou Mies.
Nos corais de águas rasas, a cor tem a ver também com a relação simbiótica deles com as microalgas chamadas zooxantelas, que se hospedam nos seus tecidos e encontram um lugar estável, seguro e com nutrientes para realizarem fotossíntese. Em troca, o produto dessa fotossíntese nutre os corais. A interação entre as cores dos dois é que resulta na tonalidade que enxergamos. “Zooxantelas são amarronzadas. Quanto mais delas, mais marrom o coral fica, e quanto menos, mais se destaca o seu pigmento natural”, explicou o pesquisador.
Quando a relação não vai bem, as cores vão embora
A simbiose entre o coral e as zooxantelas pode ser abalada. Quando há algum estresse no ambiente, como mudanças na salinidade, poluição ou, na maioria dos casos, o aumento da temperatura da água, ocorre o fenômeno do branqueamento, que é quando os corais expulsam massivamente as zooxantelas, perdendo uma fonte importante de nutrientes. As mudanças climáticas têm favorecido esse processo.
O motivo da expulsão é que, estressadas, as zooxantelas produzem espécies reativas de oxigênio. “Esses compostos são tóxicos para os corais. Mas a simbiose é obrigatória para a sua sobrevivência, então a expulsão excessiva leva à morte”, comentou Mies. A saída em massa das algas degrada a pigmentação do coral, deixando visível seu esqueleto branco por baixo de uma fina camada de tecido vivo transparente. O animal pode até se recuperar, mas isso pode demorar anos, e a depender da duração e intensidade do branqueamento, a probabilidade de morrer é grande.
A perda da cor é um importante indicador de problemas de saúde nos corais, afetando toda aquela biodiversidade que depende deles para existir. Por isso há várias iniciativas que monitoram os recifes brasileiros. O Coral Vivo, projeto que é financiado pela Petrobras e do qual o professor Miguel Mies participa, faz ações integradas que alcançam desde a costa do Rio Grande do Norte até Santa Catarina. São 14 universidades e instituições de pesquisa que registram o grau de branqueamento antes, durante e depois de acúmulos de calor nessas regiões.
Outra iniciativa parecida é o projeto De olho nos corais, financiado pelo Instituto Serrapilheira, que é desenvolvido pelo professor Guilherme Longo e pela equipe do Laboratório de Ecologia Marinha da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A pesquisa inclui uma prática de ciência cidadã para fazer o monitoramento, convidando os frequentadores do litoral de todo o país a fotografarem os corais e publicarem nas redes sociais com a hashtag do projeto. Assim, turistas e mergulhadores podem ajudar a preservar as cores que tanto os atraem.
Uma invasão de poucos tons
O branqueamento é o principal problema que afeta os corais, mas não é o único. Desde os anos 1980 os recifes brasileiros enfrentam um outro desafio, que é a proliferação do coral-sol, gênero de espécies invasoras originárias do oceano Indo-Pacífico, que vieram para o Brasil em embarcações e plataformas ligadas à indústria do petróleo e do gás. A invasão começou pelo Rio de Janeiro, mas ao longo do tempo novas levas do coral foram se espalhando pelo país. Hoje ele se distribui em pontos que vão do Ceará até Santa Catarina.
Quem olha o coral-sol se impressiona com a sua beleza. As espécies têm tons vibrantes de amarelo, laranja e vermelho. Mas uma vez introduzidas no litoral brasileiro, elas se proliferam e dominam a paisagem, eliminando a paleta colorida de verdes, marrons e amarelos, típica dos nossos ecossistemas. Ao contrário dos nossos corais nativos, o coral-sol não depende das zooxantelas e suporta uma grande variação de condições ambientais. Para completar, ele não constrói recifes e é capaz de crescer por cima das espécies brasileiras, matando-as pelo contato.
“Ele cresce muito rápido e ocupa o espaço rapidamente, porque se reproduz de modo assexuado. Então é como se fizesse vários clones de si. Para comparar, imagine uma árvore em um pedaço de terra, e essa árvore tem várias mudas. Rapidamente ela ocupa todo o espaço, e a floresta vai sendo tomada por somente um tipo de árvore”, explicou Marcelo Soares, professor do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Impactando a paisagem dos recifes, o coral-sol afeta também toda a biodiversidade que depende deles. “Se você troca as árvores, os pássaros também mudam”, comparou Soares. As espécies de peixes que eram associadas a determinados tipos de corais e algas nativas vão desaparecendo do local, atingindo a pesca e as populações que dela dependem. E o turismo também é prejudicado, devido à perda de interesse dos mergulhadores causada pela monotonia das espécies e cores.
O monitoramento do coral-sol é feito por mergulhadores ou, para regiões mais profundas, por veículos remotamente operados. Uma vez detectado, a estratégia que tem sido mais adotada para o controle dessas espécies é a remoção manual, utilizando martelo e talhadeira. Mas segundo Soares, alguns pesquisadores sugerem que esse método pode não ser o mais efetivo: com o estresse da remoção, os animais podem liberar seus gametas na água e acelerar sua reprodução.
Outras formas de controle têm sido estudadas. O projeto Coral-Sol, pioneiro no combate às espécies invasoras, tem feito pesquisas com o uso de vinagre para matar o coral-sol. Há também a técnica do envelopamento, que é a cobertura das estruturas infestadas, como colunas de plataformas de petróleo ou naufrágios, com uma espécie de lona. Segundo o pesquisador da UFC, a tendência para o futuro é que sejam desenvolvidos métodos biotecnológicos, com desenvolvimento de vírus ou bactérias que ataquem especificamente o coral-sol.
Seja pelo branqueamento ou pela invasão agressiva de outras cores, as ameaças aos corais estão aí, e as iniciativas da ciência brasileira têm tentado controlar os impactos e pensar em soluções. Se a vida marinha fosse um filme, os corais seriam ao mesmo tempo cenário e protagonista. E o enredo, a cores, ainda está se desenrolando.
Samuel Ribeiro dos Santos Neto é mestre em educação física pela Unicamp. Atualmente é aluno do curso de especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp e bolsista do programa Mídia Ciência, da Fapesp.