Por Mayra Trinca
O prêmio Carolina Bori destaca trabalhos de alto nível realizados por cientistas brasileiras. Em 2025, as vencedoras da sexta edição ganharam até R$10 mil.
Imagem: Vencedoras do 6º Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”. Foto: Jardel Rodrigues/SBPC
Carolina Martuscelli Bori foi uma mulher pioneira na ciência brasileira, pedagoga de formação, se especializou em psicologia, área que atuou ao longo da vida. Além de pesquisadora, Carolina foi ativista na consolidação da psicologia como área do conhecimento científico e participou da fundação da Sociedade Brasileira de Psicologia e da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia – Anpepp.
Em 1986, foi também a primeira mulher a presidir a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a principal associação de pesquisadores e cientistas da América Latina. Por isso, Francilene Garcia, atual vice-presidente da SBPC e coordenadora do prêmio, diz que a escolha em homenagear Carolina Bori foi muito natural. “Foi uma maneira de relembrar e reconhecer mais uma vez a importância de gênero na ciência e como é importante abrir espaços também para lideranças de mulheres”, complementa Garcia.
O prêmio tem como objetivo dar visibilidade a pesquisadoras brasileiras e, com isso, incentivar outras mulheres e meninas a fazer ciência. Em anos pares homenageia mulheres com trajetórias de pesquisa bem consolidadas, responsáveis por avanços importantes na ciência e com uma relevante rede de influência na formação de novas gerações de cientistas. A primeira edição, de 2019, homenageou Helena Nader, atual presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Depois, o prêmio passou a ser dividido entre as principais áreas do conhecimento, homenageando uma mulher para Humanidades, outra para Engenharias, Exatas e Ciências da Terra, além de Biológicas e Saúde. Na última edição do prêmio para as pesquisadoras sêniores, as mais de 170 sociedades científica do país puderam indicar nomes. As homenageadas foram, nas respectivas áreas, Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, Yvonne Mascarenhas e Regina Pekelmann Markus.
Em 2025, teve sua 6ª edição
Já em anos ímpares, as indicações ficam normalmente a cargo de mentores científicos que acompanham trabalhos realizados por alunas do ensino médio e graduação. Em 2025, recorde de inscrições, 765 meninas e mulheres em início de carreira foram indicadas: 166 inscrições do ensino médio e 599 de graduação.
Nessa edição, para avaliar todas as participantes, foi instituído um júri com 19 pessoas, a maioria mulheres, e distribuídas entre as três grandes áreas do conhecimento. O júri foi composto por membros da SBPC e de suas secretarias regionais, coordenadores do programa “SBPC vai à escola”, convidadas da Academia Brasileira de Ciências e cientistas mulheres indicadas pelos patrocinadores. Teve apoio da Fundação Conrado Wessel, do Instituto Serrapilheira e da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – Fapema.
Ao final, foram 6 meninas e mulheres premiadas, uma aluna do ensino médio e uma da graduação para cada uma das três áreas. Os trabalhos escolhidos de graduandas passam por sustentabilidade urbana, análises de emissão de gases do efeito estufa e acompanhamento das disputas em torno da alimentação em presídios. Já as de alunas do ensino médio envolvem o desenvolvimento de uma inteligência artificial no diagnóstico de autismo, saberes de marisqueiras e a elaboração de um jogo para aumentar a adesão a exames respiratórios.
Garcia chamou a atenção para dois pontos interessantes dessa edição. A primeira é a grande quantidade de trabalhos que se voltam a problemas reais e contemporâneos da sociedade. Ainda que isso não seja um critério de avaliação, é possível perceber esse destaque entre os trabalhos finalistas. E, segundo, foi a realização de uma menção honrosa, que não é tradição do prêmio, a Lucia Ferreira da Silva.
“Por ela ser de origem quilombola e de um território relativamente afastado, só teve acesso a iniciar um curso de graduação de fato após uma certa idade e ela tem feito um trabalho com profunda capacidade de transformação dentro da área da comunidade em que vive. Então, foi um trabalho também no sentido de dizer que as coisas não têm idade. No fundo, que não desistam, né? Também tem uma força simbólica muito importante”, explica Garcia.
Impactos na trajetória acadêmica
O principal objetivo do prêmio Carolina Bori é promover a equidade de gênero na ciência. Para Garcia ele “em sido fundamental para ampliar um ambiente mais favorável. em que a mulher também pode ser cientista. Lugar de mulher também é fazendo ciência, e isso tem feito diferença, temos vários depoimentos de premiadas das primeiras edições, dizendo]que foi muito mais fácil tomar a decisão de seguir na carreira científica”.
Esse e outros incentivos têm funcionado. Pesquisas publicadas em 2024 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) mostram que mulheres são maioria de mestras e doutoras no Brasil. Entretanto, ainda seguem com mais dificuldades do que homens para acessar altos cargos, além de sofrerem com a sobrecarga de jornadas de trabalho doméstico e de cuidado. Portanto, é necessário manter o incentivo para que esses resultados se mantenham.
As homenageadas do ano, que receberam o prêmio no dia 11 de fevereiro — Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência —, ganharam um valor em dinheiro: R$ 7 mil para as alunas do ensino médio e R$10 mil para as da graduação. Além de uma visita ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de mentorias com pesquisadoras experientes em cada área e a possibilidade de participar da reunião anual da SBPC para expor seus trabalhos.
Angélica Azevedo ganhou o prêmio na categoria de Humanidades para graduação com um trabalho sobre sustentabilidade urbana na cidade de Cavalcante (GO). Ela fez uma análise que pode contribuir com a revisão do plano diretor, com a proposição de diretrizes de planejamento urbano que respeitem a natureza e os saberes tradicionais, principalmente em um bairro quilombola da cidade. Azevedo reforça que “é um grande reconhecimento, algo que tem garantido que estou seguindo pelo caminho correto. Também mostra a importância de um trabalho real, que realiza o processo de projeto junto às comunidades. Quem se forma em arquitetura geralmente parte para o escritório e para as empresas, eu pretendo continuar na área acadêmica e social, assessorando e aprendendo com os povos periféricos, quilombolas e originários”.
A sensação é parecida para Beatriz Santos, aluna de graduação premiada na área de Biológicas e Saúde. Ela realizou uma pesquisa junto a um grupo da Universidade Federal do Amazonas e um coletivo de familiares de presos, ajudando a organizar e compilar informações sobre como a alimentação é usada como forma de controle da população carcerária. Santos conta que tinha dificuldade em se enxergar como pesquisadora e que, como mulher negra fazendo ciência, sempre foi muito questionada sobre sua pesquisa.
“Eu moro no extremo sul de São Paulo, então atravessava a cidade todos os dias para ir para a USP, tudo é um choque muito grande. Quando olhava para aquela população que eu estudava, me questionava muito se aquele era o meu lugar, se aquela faculdade era o meu lugar. Você passa a olhar qual é o lugar que a sociedade construiu para você. Então era um momento de muita dúvida”, conta Santos. Para ela, ter recebido o prêmio foi a validação que precisava para seguir com a carreira acadêmica.
Mayra Trinca é bióloga, mestre em divulgação científica (Unicamp) e especialista em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).