Por Renata C. S. de Azevedo
A gestação e a chegada de um novo bebê indicam um período incomparável de mudanças e esperança no futuro, e representam experiências de bem-estar e alegria para a maioria das mulheres. Todavia, alguns problemas físicos e mentais estão intrinsecamente relacionados à gestação e podem resultar em graves complicações ou morte. Contrariamente ao que se supunha há algumas décadas, a gestação não protege contra a ocorrência, recorrência ou agravamento de Transtornos Mentais (TM).
Vários fatores influenciam negativamente a saúde mental materna, com destaque para condições adversas do meio, dificuldades financeiras, ausência de suporte social, relações maritais conflituosas, violência doméstica, experiências negativas em gestações anteriores, ambivalência com relação ao feto, antecedentes de TM e uso de substâncias psicoativas. Transtornos mentais perinatais podem contribuir para uma proporção substancial de mortes maternas, em função de redução no autocuidado e incluindo os casos de suicídio, que por vezes são subnotificados. A correta detecção e adequada abordagem de fatores relacionados ao sofrimento psíquico nesta fase permitem a minimização de prejuízos para a mãe e o bebê, contribuindo para uma melhor gravidez e desenvolvimento da criança.
O diagnóstico e tratamento de gestantes com TM deve ser cuidadoso e ponderado e representam uma janela de oportunidade para abordagem dos quadros, principalmente pela preocupação da mãe com o bebê e maior proximidade com profissionais da saúde. Fatores como idade materna, antecedentes mórbidos psiquiátricos e obstétricos devem ser considerados, assim como o acompanhamento pré-natal adequado à gestante e sua rede de suporte familiar e social. Medidas não farmacológicas devem sempre ser estimuladas e a decisão sobre a melhor medicação a ser prescrita, quando necessário, deve ser compartilhada e baseada na avaliação dos riscos e benefícios para mãe e bebê.
Entre os quadros a serem avaliados, destacam-se os Transtornos Mentais Comuns (TMC), termo usado para designar a presença de sintomas depressivos não psicóticos, ansiedade e queixas somáticas, com prevalência em torno de 23% na população geral. Os TMC são frequentes no período pré-natal, podendo afetar em torno de 20% das gestantes. Além do sofrimento psíquico, os TMC podem contribuir para desfechos obstétricos adversos, tais como aumento do risco de parto prematuro, baixo peso ao nascer, restrição de crescimento intrauterino e dificuldades no processo da amamentação, importante não apenas pelo benefício nutricional e imunológico à criança, mas também pela interação mãe – bebê.
É importante destacar que a falha persistente no cuidado inicial do recém-nascido por negligência ou incapacidade associa-se a alterações no padrão de apego mãe-bebê, repercutindo em maiores taxas de depressão, ansiedade, abuso de drogas, prejuízos cognitivos e comportamentais ao longo da vida. Por outro lado, cuidado materno afetuoso, aliado a percepção e satisfação das necessidades do bebê correlacionam-se com o desenvolvimento de capacidades positivas pré-programadas geneticamente. Considerando que a prontidão do cérebro da criança para receber experiências é particularmente presente nos primeiros anos de vida, a saúde mental materna é um dos elementos cruciais para um desenvolvimento saudável ao longo da vida.
Todavia, a despeito da potencial gravidade dos quadros psíquicos durante a gestação, estima-se que apenas um quinto destas mulheres busquem auxílio clínico, por falta de informação e acesso ao tratamento, preocupações com a representação da doença mental, medo de discriminação, questionamentos sobre sua capacidade em exercer a maternidade ou decisão de tomar medicação.
Este conjunto de dados, aliado às evidências dos benefícios da detecção precoce e abordagem adequada destes quadros, tornam necessário identificar e superar os desafios, considerando as influências do contexto socioeconômico, psicológico, familiar e biológico, visando a disponibilização de informação, acesso a cuidado integral, ampliação e melhoria do que dispomos na atualidade, contribuindo com a minimização do sofrimento materno e impactando positivamente no desenvolvimento da criança.
Renata C. S. de Azevedo é professora associada, livre docente em dependências químicas e chefe do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.