Por Igor Rocha, Venilton Tadini e Guilherme Magacho
Análises a-históricas têm propagado a ideia de que o crescimento econômico não tem um caráter setorial específico, que não há dinamismo distinto entre os setores da economia. Uma análise pragmática das trajetórias de crescimento mostra que estão fortemente associadas à composição setorial da produção e à pauta de exportações dos países. Quando se fala em indústria 4.0, deve-se considerar quais são os setores em cada país que mais se beneficiarão da adoção de novas tecnologias e novos processos e, então, criar condições para que realizem a transição.
Um setor industrial competitivo internacionalmente é essencial para reduzir os riscos de crises, dada a capacidade da exportação de produtos mais dinâmicos de atenuar flutuações cíclicas, incentivar a geração e difusão de novas tecnologias e criar empregos de melhor qualidade.
Análises a-históricas têm propagado a ideia de que o crescimento econômico não possui um caráter setorial específico, isto é, que não há dinamismo distinto entre os setores da economia. Visões fundamentalistas de um liberalismo reducionista têm propagado a crença de que políticas industriais seletivas ou verticais deveriam ser abortadas por criar distorções no mercado em favor de setores não competitivos. Nessa visão, os governos deveriam fazer intervenções somente para ajudar todo o mercado de forma homogênea. Ou seja, as ações deveriam ser horizontais, tais como investimentos em infraestrutura e inovação, qualificação de mão de obra ou crédito apenas para micro, pequenas e médias firmas que não têm acesso aos mercados financeiros.
No entanto, uma análise qualificada e pragmática das trajetórias de crescimento mostra que crescimento e estagnação estão fortemente associados à composição setorial da produção dos países e à sua pauta de exportações. Dessa forma, apoiar determinados setores pode ser importante para promover altas taxas de crescimento sustentável no longo prazo. No Brasil, de fato, pode-se reconhecer que houve problemas na implementação das políticas industriais, sobretudo a baixa cobrança por performance, as desonerações e a baixa ambição em promover o salto dos chamados campeões nacionais a partir de setores de média e alta tecnologia. No entanto, nos parece mais correto corrigir os equívocos do passado do que propagar o descrédito do conceito.
Dado que o processo produtivo é intrinsecamente distinto entre os setores, a especialização setorial determina o potencial dos países em promover progresso tecnológico e crescimento da produtividade. Assim, não há sentido em negligenciar políticas industriais seletivas com o argumento de que promovem distorções no mercado, uma vez que essas distorções são escolhas estratégicas do modelo de crescimento a ser adotado pelos países.
Essas políticas devem ser estruturadas considerando as competências setoriais de cada país. Deve-se buscar compreender quais são as indústrias com maior potencial e dinamismo e desenhar políticas efetivas que as coloquem em condições de competir internacionalmente. Quando se fala em “indústria 4.0” ou “manufatura avançada”, deve-se considerar quais são os setores em cada país que mais se beneficiarão da adoção de novas tecnologias e novos processos e, então, criar condições para que esses setores realizem a transição. Apesar de as inovações trazidas pelas tecnologias associadas à indústria 4.0 serem transversais, as transformações geradas por elas são particulares de cada setor. Portanto, as bases que devem ser estruturadas por uma política industrial coerente são específicas para cada indústria.
Ademais, uma política industrial qualificada deve levar em conta o estágio de desenvolvimento dos países. Diferentemente de países de renda baixa, que possuem grande oferta de mão de obra e podem crescer transferindo mão de obra de setores menos produtivos para setores mais produtivos, países de renda média, tal como o Brasil, que já possuem um setor industrial considerável, têm de fazer uma mudança estrutural intra-setorial, ou seja, dentro da indústria de transformação. Esses países devem fazer a transição para setores mais intensivos em tecnologia, como química fina, máquinas, equipamentos elétricos e eletrônicos e equipamentos de transporte.
Nesse ambiente, a grande dificuldade dos países de renda média se encontra no fato de que, por um lado, eles não podem competir nos mercados de baixa tecnologia com países de renda baixa, sobretudo devido ao diferencial dos custos de mão de obra, que são uma vantagem comparativa dos países mais pobres. Por outro lado, porém, há uma dificuldade bastante grande de competir com países de renda mais elevada, pois esses países já têm uma estrutura montada para produzir e inovar nos setores de maior conteúdo tecnológico e, portanto, têm uma vantagem competitiva nesses setores.
Ponto zero: nível e volatilidade da taxa de câmbio
Antes de se pensar em uma política pró-competitividade propriamente dita, é preciso compreender a importância dos fatores macroeconômicos. Embora se argumente que políticas macroeconômicas são neutras setorialmente, o manuseio de variáveis macroeconômicas afeta diferentemente os setores de acordo com sua estrutura de produção e comércio. A sobrevalorização do câmbio, por exemplo, tem efeitos negativos principalmente em setores com maior potencial exportador cujo preço não é determinado no mercado financeiro. Nesse sentido, o setor produtivo não-commoditizado, com especial destaque para os produtos de maior conteúdo tecnológico, é o principal prejudicado pela valorização.
Ademais, não somente o nível da taxa de câmbio, mas também sua volatilidade é muito relevante para explicar o desenvolvimento de setores mais complexos. Esses setores têm um grau maior de inserção nas cadeias produtivas e dependem muito de tecnologias desenvolvidas globalmente. A alta volatilidade do câmbio os prejudica principalmente porque isso gera uma grande incerteza, desestimulando investimentos externos no setor produtivo. Nesse sentido, um ambiente macroeconômico estável, com pouca volatilidade cambial, taxas de câmbio em um nível adequado e taxas de juros reais compatíveis com o resto do mundo é fundamental para que políticas setoriais, que estimulem setores mais avançados tecnologicamente, possam funcionar com impactos positivos sobre a renda per capita dos países.
Ubiquidade e diversidade de produtos na pauta exportadora
A moderna economia da complexidade econômica vai em linha com a importância de se ter uma estrutura produtiva avançada. Ricardo Hausmann e César Hildalgo, a partir de pesquisas desenvolvidas em Harvard e no MIT, criaram um método bastante inovador para se medir a complexidade econômica dos países. Nessa abordagem, os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente (ou sofisticado) são a ubiquidade e diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir diversos bens que poucos são capazes de produzir (não ubíquos), há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo. Segundo esses autores, é a complexidade econômica que dita o ritmo de crescimento e progresso das economias.
Nessa linha, diversos estudos empíricos foram realizados utilizando o instrumental desenvolvido pelos professores de Harvard e do MIT. Inicialmente, verificou-se que há uma clara correlação entre complexidade econômica e renda per capita dos países. Isso, porém, não significa que complexidade gera desenvolvimento, pois não há uma clara relação de causa e consequência nessa análise preliminar. Estudos posteriores, no entanto, demonstram que os países mais complexos são aqueles que crescem mais rápido. Segundo os autores, países cujo grau de complexidade é maior do que a média dos países com a mesma renda tendem a crescer mais rápido no longo prazo.
O gráfico abaixo ilustra essa assertiva. Enquanto os países da Ásia apresentam alta complexidade para sua renda (tendem a estar no quadrante inferior direito), os países da América Latina apresentam baixa complexidade para sua renda (tendem a estar no quadrante superior esquerdo, best fake Rolex). Não por acaso, os asiáticos apresentam há muitas décadas alto crescimento e os latino-americanos não conseguem manter taxas de crescimento razoáveis exceto nos períodos de boom das commodities.
Gráfico 1 – Complexidade econômica e renda per capita (regiões)
Fonte: Atlas da Complexidade (2011).
Políticas setoriais efetivas devem considerar os diferentes estágios dos setores a serem incentivados. No caso de setores em estágio pouco desenvolvido, é essencial promover o investimento estrangeiro por meio de incentivos desenhados para cada caso, pensando nas dificuldades de cada segmento. É necessário também exigir transferência tecnológica e outras contrapartidas para que esses incentivos não se transformem em vantagens competitivas artificiais.
No caso de setores já estabelecidos, mas que precisam de estímulos para internacionalização, é preciso promover o contínuo investimento em capacidade produtiva e em pesquisa, desenvolvimento e inovação a fim de garantir a melhoria tecnológica dessas indústrias. Essas políticas devem ir além de incentivos tradicionais, como tarifas de importação. Para que essas indústrias se desenvolvam é preciso que o governo e os bancos de investimento, como o BNDES, promovam a coordenação dos investimentos dentro da cadeia de forma que os investimentos em diferentes setores sejam complementares. É necessário também que o sistema financeiro seja estruturado e incentivado para fornecer crédito com taxas de juros reduzidas para investimentos de longo prazo de setores estratégicos, assim como é fundamental que haja pesados investimentos públicos na formação de trabalhadores qualificados e em pesquisa básica e aplicada, pois isso é a base para construção de um sistema de inovação eficiente.
Finalmente, para os setores com maior inserção internacional é fundamental que a política industrial crie condições que incentivem a transição para a indústria 4.0, buscando compreender as especificidades de cada segmento e suas principais demandas.
Igor Rocha é economista, PhD pela Universidade de Cambridge (Reino Unido) e diretor de planejamento e economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Venilton Tadini é economista e mestre pela USP. Ex-diretor do BNDES e ex-diretor da Secretaria do Tesouro. É atualmente presidente-executivo da Abdib.
Guilherme Magacho é economista, PhD pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), professor da Facamp e consultor da FGV Projetos.