Por Inácio de Paula
Entre os grupos mais vulneráveis estão as comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas
“A principal forma de acesso à eletricidade é por meio de geradores a óleo diesel. Geralmente, eles funcionam por 5 a 6 horas e somente durante a noite. Além dessa dificuldade, é uma fonte energética poluente, as redes elétricas das aldeias são antigas, os motores frequentemente apresentam problemas e precisam de manutenção. O valor do combustível é elevado, fazendo com que muitas comunidades fiquem períodos, às vezes, semanas, sem energia”.
Rita Becker Lewkowicz, antropóloga e coordenadora do Programa Oiapoque pelo Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), é categórica ao expor a miséria de eletricidade das terras indígenas Uaçá, Galibi e Juminã, no município do Oiapoque (AP). Nesse complexo territorial vivem os povos Karipuna, Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, somando aproximadamente 9 mil pessoas. São 67 aldeias distribuídas em cinco regiões.
Segundo a antropóloga, apenas o fornecimento de uma dessas aldeias está conectado à rede elétrica da cidade. As demais dependem da cota mensal de óleo diesel, ofertada pelo Governo do Estado. Esse tipo de acesso cria riscos de acidentes na manipulação e armazenamento do combustível. Além do problema ambiental, essas distribuições não contemplam todas essas comunidades e, por vezes, são insuficientes para um mês. O que compromete direitos básicos, como saúde e educação.
Na busca por soluções, em 2021, Lewkowicz afirma ter ocorrido uma reunião com a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). A discussão tratou dos programas do governo e outras formas de garantia, visto que muitas das comunidades são de difícil acesso – algumas somente por transporte fluvial, cerca de 5 horas de lancha (voadeira). Porém, após a privatização da CEA, o diálogo não foi retomado.
Mais limpa e renovável, a geração fotovoltaica é uma tecnologia que apresenta potencialidades para resolver esses problemas, principalmente diante da insuficiência dos modelos convencionais de transmissão. Durante o 9º Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (Enei), ocorrido em julho deste ano na Unicamp, a eletrificação de comunidades remotas motivou o Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Lideranças e estudantes indígenas discutiram e propuseram pesquisas voltadas para o uso da luz solar como recurso imprescindível para esse acesso.
“Tivemos uma experiência em 2021, numa parceria entre o Iepé, o Campus Sustentável – Unicamp e o Distrito Sanitário Especial Indígena, com apoio da Embaixada da França, para implementar sistemas fotovoltaicos em dois Polos Base (unidades básicas de saúde), nas Aldeias Kumenê e Kumarumã”, relembra Lewkowicz. A ação conjunta permitiu o armazenamento de vacinas para o processo de imunização, colaborando ainda no desafio da conservação de alimentos para as refeições nas escolas.
Para a coordenadora, essas parcerias, as chegadas de programas do governo e a criação de políticas públicas são importantes para essas comunidades conforme suas populações são efetivamente inseridas na discussão estratégica das implementações, atribuindo-lhes autonomia nos processos. Por isso, o Oiapoque possui seu próprio protocolo de consulta dos povos indígenas, que indica as formas adequadas para essa abordagem.
Programas governamentais
O relatório do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), apontou que na Amazônia, em 2018, cerca de 1 milhão de pessoas que ainda não possuíam acesso formal à eletricidade. Atualmente, há dois programas do governo voltados para essa garantia: Luz para Todos e o Mais Luz para a Amazônia. Em regra, no primeiro, o atendimento do serviço público de distribuição de energia elétrica ocorre por meio de extensão de rede convencional. No segundo, por sua vez, o fornecimento é viabilizado por sistemas de geração de energia limpa e renovável, sistemas off-grid, principalmente solar.
Em junho de 2021, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabeleceu as metas iniciais do programa Mais Luz para a Amazônia (MLA). A demanda estimada de famílias a serem beneficiadas por esse programa passou de 82 mil para 219 mil – o que significa que cerca de 870 mil pessoas serão contempladas. São populações localizadas no Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A previsão orçamentária é de R$ 11,3 bilhões e o Programa foi prorrogado para o final de 2030.
“Até o momento, no âmbito do Programa Mais Luz para a Amazônia, já foram atendidas 8.087 unidades consumidoras com o serviço público de energia elétrica, beneficiando cerca de 32 mil pessoas. Os investimentos já somam aproximadamente R$ 400 milhões”, destacou André Luiz Dias de Oliveira, diretor do Departamento de Políticas Sociais e Universalização do Acesso à Eletricidade (DPUE) e gestor governamental da Secretaria de Energia Elétrica.
Mais Luz para a Amazônia
No primeiro semestre de 2021, houve a conclusão das obras de instalação de sistemas fotovoltaicos na Reserva Extrativista Renascer, no município de Prainha (PA), com atendimento a 460 unidades consumidoras, beneficiando cerca de 2,3 mil pessoas. No segundo semestre do mesmo ano, foram concluídas as obras na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Lago do Piranha, em Manacapuru (AM), com atendimento a 78 unidades consumidoras, ou 350 pessoas beneficiadas.
Houve, ainda, a execução das obras nas comunidades ribeirinhas do Arquipélago do Marajó (PA), abrangendo os municípios de Portel, Melgaço e Curralinho. Uma ação que vai atender 9 mil unidades consumidoras, aproximadamente 36 mil pessoas. No âmbito deste contrato, cerca de 6.958 famílias já foram atendidas com acesso ao serviço público de distribuição de energia elétrica, quase 28 mil pessoas. Recentemente, foi aprovado o terceiro programa de obras do Mais Luz para a Amazônia, prevendo o atendimento de 5.787 famílias marajoaras, mais especificamente nos municípios de Portel, Melgaço, Curralinho, Bagre e Oeiras do Pará.
O programa Mais Luz para a Amazônia está inserido no programa Abrace o Marajó, criado pelo Governo Federal em março de 2020, incentivando o desenvolvimento socioeconômico dos municípios que compõem o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo. “Neste sentido, a sua execução permite que a população marajoara receba serviços públicos essenciais que contribuem para diminuir sua vulnerabilidade social e econômica, além de fortalecer o exercício da cidadania e proporcionar maior bem-estar e qualidade de vida para estas pessoas”, acrescenta o diretor Oliveira.
No Amazonas, foram iniciadas obras para atendimento de nove comunidades em áreas isoladas de Manaus, impactando um total de 259 famílias. Mais 342 comunidades na calha do rio Purus, em Beruri, Boca do Acre, Canutama, Lábrea, Pauini e Tapauá, onde residem pouco mais de 4 mil famílias, proporcionando melhoria de vida para cerca de 17 mil amazonenses.
A execução dos programas de obras no Acre, em Roraima, Rondônia e no Maranhão, atenderão, respectivamente, 1.368, 652, 900, e 1.825 unidades consumidoras, totalizando 18.980 pessoas a serem beneficiadas pelo acesso à energia elétrica.
No estado do Acre, 231 famílias já foram contempladas com o serviço público de distribuição de energia elétrica. O primeiro programa de obras do Acre vai contemplar famílias residentes em Feijó, no rio Envira, em Assis Brasil, no rio Iaco, em Rodrigues Alves, no rio Juruá, em Cruzeiro do Sul, no rio Juruá, em Marechal Thaumaturgo, rio Juruá, em Porto Walter, no rio Juruá, em Cruzeiro do Sul, no rio Liberdade, em Sena Madureira, no rio Macauã, em Mâncio Lima, no rio Moa, em Rodrigues Alves, no rio Moura, em Jordão e Tarauacá, no rio Tarauacá.
Em Rondônia, 360 famílias já foram atendidas. Conforme o primeiro programa de obras nesse estado, serão contempladas famílias residentes nos seguintes municípios: Machadinho D’Oeste, Seringueiras, Porto Velho, Vale do Anari, Rio Crespo, Guajará-Mirim, Costa Marques, São Francisco do Guaporé e Cujubim.
“Nessas regiões remotas, busca-se a aplicação de tecnologias de geração de energia limpa e sustentável, e fortemente integrada aos processos produtivos característicos de cada comunidade, para que os investimentos nos sistemas de geração atinjam o objetivo mais importante do uso da energia elétrica como vetor de desenvolvimento socioeconômico”, finaliza Oliveira.
Inácio de Paula é jornalista de ciência do Campus Sustentável – Unicamp