Por Patricia Bellas
Esgoto, drogas e plásticos inundam o ambiente marinho gerando graves problemas para a saúde e uma preocupação mundial com o futuro
Imagem: William Schepis/Instituto EcoFaxina
Percebendo que os problemas ambientais, como a poluição, microplásticos e outros contaminantes nos oceanos têm relação com o pouco investimento em conhecimento e pesquisa oceânica no mundo, em 2017 a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou a “Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”, com o objetivo de promover ações urgentes para conservação. A responsabilidade por coordenar o projeto, que vai até 2030, ficou a cargo da Unesco.
“Quando comecei a me envolver com a década da ciência oceânica, o primeiro aspecto que me chamou a atenção – e me chocou – foi o desconhecimento. Apenas 20% do fundo do mar foi mapeado, 80% é desconhecido. Tenho medo que a gente precise de uma crise grave que afete o dia a dia para acordar sobre sua importância”, diz Glauco Kimura, biólogo e oficial de projetos em ciências naturais na Unesco. Outro ponto destacado por ele é o valor econômico. Estima-se que a população mundial seja de 7,8 bilhões de pessoas, sendo 3 bilhões dependentes do oceano como fonte de alimento e 30 milhões com empregos ligados a ele.
E a grave crise parece estar cada vez mais próxima, já que a poluição dos oceanos aumenta vertiginosamente. Camila Domit, bióloga, pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Ecologia e Conservação da Universidade do Paraná (UFPR) e Lara Vidal, doutora na área de contaminação química, contam que são encontrados nos golfinhos altos níveis de DDT, um composto agrícola proibido no Brasil, e piretróides, que são compostos usados em repelentes. Ambos causam problemas no sistema reprodutivo e endócrino dos animais. “Os animais marítimos são sentinelas desse efeito do conjunto de contaminantes que começam nas cidades, passam pelos bueiros, entram nos rios e chegam ao mar. Esses contaminantes químicos são absorvidos pela digestão dos animais e afetam o sistema imunológico. É grave, pois os peixes também são por nós consumidos. Precisamos interromper essas fontes de contaminação”, explica Camila.
Saneamento e comunidades próximas
Ainda que alguns avanços estejam sendo feitos em prol da década oceânica, Glauco revela que tratar do saneamento básico é o grande desafio, o que é confirmado pelo presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, que conta que 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto, o que considera uma situação dramática de avanço lento. Em suas palavras, todos os dias são jogados o correspondente a mais de cinco mil piscinas olímpicas de esgoto na natureza. “A gente chegou nesse ponto por um descaso das autoridades, baixa capacidade de investimentos das empresas de água e esgoto e o pouco interesse do cidadão comum com o tema. Ainda estamos muito atrasados”, diz.
“O esgoto tem de tudo: patógenos, drogas, componentes químicos como metais, contaminantes emergentes como substâncias químicas de medicamentos, cosméticos e produtos de uso pessoal. Há ainda os chamados forever chemicals, que nunca se degradam e são super tóxicos. Instalar o sistema de saneamento básico na cidade e a rede coletora já faria a poluição reduzir drasticamente”, aponta Denis Abessa biólogo, pesquisador e professor na Unesp, que concorda que o esgoto doméstico é o maior problema atualmente, por ser lançado ao mar sem tratamento.
William Schepis é biólogo e presidente do Instituto EcoFaxina, que atua no sistema estuarino com o objetivo de reduzir a quantidade de plásticos e outros resíduos sólidos nos oceanos, protegendo os manguezais. William explica que o desmatamento, as ocupações irregulares das palafitas e a ausência do poder público resultam na perda do ecossistema na medida em que a comunidade local faz o descarte inadequado de produtos domésticos. Esse fato é nocivo tanto para a saúde dos que vivem na região quanto para a saúde pública porque esses resíduos alcançam o litoral. Para resolver essa questão o instituto foca em limpeza, reflorestamento, reciclagem e geração de renda com postos de trabalho para os moradores das palafitas. Com a ajuda de voluntários, atua na limpeza das praias e manguezais, na construção de barreiras e na educação da comunidade.
Mundo empresarial
Abordar o oceano nas escolas de ensinos fundamental e médio, levar o tema às empresas e conseguir gerar investimento em pesquisa foram pontos também destacados por Kimura, da Unesco. Em relação às ações empresariais, Simone Carvalho, da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), cita o programa “Pellet zero”, iniciativa internacional do qual o Brasil faz parte, pelo qual as empresas cuidam da reciclagem de grãos plásticos (pellet), para que não exista perda no chão das fábricas, e acabem descartados no esgoto, chegando aos rios e mares. “Quando as empresas aderem a esse programa elas fazem um diagnóstico de todos os pontos do processo onde pode haver a perda. Se houver, é necessário juntar e encaminhar para a reciclagem. As fases são documentadas e nós acompanhamos para saber se a empresa está cumprindo o seu papel”, diz.
Diego Salles, coordenador de meio ambiente na cosmética Granado, que ocupou o mesmo cargo por mais de quinze anos na indústria farmacêutica Merck, explica que o maior cuidado da indústria é com o descarte correto de resíduo perigoso como a matéria-prima e os solventes, para que não haja contaminação, respeitando as legislações ambientais. Além disso, têm se mobilizado em prol da reciclagem de seus produtos, com mudanças de embalagem, por exemplo, ou transformação dos blisters de medicamentos em bancos e lixeiras. O coordenador explica que, mesmo com tamanha complexidade envolvendo diferentes tipos de resíduos, não existe ação impossível que impeça a contribuição com o meio ambiente.
Patricia Bellas é farmacêutica, jornalista e escritora. Autora dos livros Relatos da Covid-19, (Editora Illuminare) e Ele se foi, e agora? (Editora Novo Século). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).