Por Fabrício Albergaria
Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
“Historicamente, o principal produto das políticas habitacionais brasileiras é a casinha nova na periferia”, aponta a professora e pesquisadora da UFABC, Patrícia Maria de Jesus, que investiga a relação da regulação urbana dos municípios do ABC paulista. [Veja mais em entrevista concedida por ela]
Programas habitacionais como o “Minha casa minha vida” surgiram para mitigar o problema da falta de moradia, mas acabaram contribuindo para o aprofundamento da segregação social ao direcionar a população mais vulnerável para lugares distantes e que, em último caso, impossibilitam a garantia do direito à cidade.
Patrícia explica que quis olhar sobre alguns poucos municípios que experimentaram uma regulação urbana mais interessante do ponto de vista da recepção de um programa habitacional, como, por exemplo, ao reservar áreas bem localizadas no interior da malha urbana para a habitação de interesse social, ou seja, para a população de menor renda.
Em um dos principais resultados de sua pesquisa, ela afirma que em Diadema o “Minha casa minha vida” foi instalado em um terreno na melhor localização da cidade e que o local se transformou positivamente por meio da revitalização – experiência que deveria se repetir em larga escala por todo o país.
De acordo com os dados do Censo 2022, o Brasil tem 11 milhões de imóveis particulares vagos, número que representa o dobro do déficit habitacional nacional. Desse montante, quase 600 mil unidades estão localizadas na capital paulista, onde se encontram 400 mil famílias sem moradia digna.
Para a pesquisadora da UFABC, a atenção precisa ser direcionada justamente para o aproveitamento da infraestrutura já estabelecida. “Precisamos questionar por que essa produção habitacional não atua para a população de menor renda dentro do tecido urbano já estruturado, dentro dessa cidade que já está funcionando”, questiona.
Meios para contornar o racismo e a segregação social
Um dos efeitos do déficit habitacional é a expulsão das famílias pobres das regiões mais privilegiadas. Sem condições financeiras para viver nos grandes centros, buscam moradias longe de seus trabalhos, ou em lugares sem infraestrutura adequada, em áreas de risco ou que não oferecem o acesso a direitos básicos.
Por outro lado, o sentimento de segurança e pertencimento que uma moradia gera – ainda que precária – deve ser levado em conta no debate da luta pela habitação digna, ao criar estruturas possíveis em territórios que antes pareciam desfavoráveis. Silvia Maria Santiago, coordenadora da Diretoria Executiva dos Direitos Humanos da Unicamp, afirma que a saúde mental é o primeiro passo para entender o contexto dessas moradias em condições e locais impróprios. “A importância passa também por ter uma organização interna, de saúde mental. Ao final do dia, as pessoas voltam para o seu território e lá só elas sabem onde estão suas coisas”, explica Santiago. “Elas aguentam o perrengue fora de casa porque sabem que têm para onde voltar. Então as pessoas vão criando a estrutura possível, dentro das possibilidades que aquele território vai oferecendo”, completa ela, que também é professora em saúde pública na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Uma maneira de combater a segregação, o racismo e tornar a cidade mais inclusiva é a mistura por meio do convívio, o que, para Silvia Santiago, só seria possível se existissem políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da periferia. “O racismo também é enfrentado na medida em que você coloca as pessoas em convívio. O ideal seria desenvolver uma periferia bonita e interessante, com motivos para que as pessoas do centro queiram ir para lá, e onde também tem cultura. Não tem só a falta e a carência, tem a produção de bens, principalmente bens estruturais”, explica.
Para o pesquisador Adriano Bueno da Silva, mestre pela Faculdade de Educação da Unicamp e autor da pesquisa “Ensino de História e cultura afro-brasileira: da pauta do movimento negro à lei 10.639”, o combate à segregação e ao racismo só é possível se existir educação de base voltada para o assunto. Segundo Adriano, a educação provê à população negra ferramentas para suas reinvindicações, lutas e noção de seus direitos. “A consciência negra é, para a população negra, assim como a consciência de classe é para os trabalhadores. O racismo é uma cultura: ninguém nasce racista, a gente aprende a ser racista. Podemos aprender também a não sermos, por meio da educação antirracista”, pontua Adriano.
Existem, na visão do pesquisador, algumas ações que ajudam na conscientização da população, possibilitadas pela lei que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. “Estamos caminhando. Algumas mudanças já são perceptíveis. Não há escola onde o dia 20 de novembro passe batido, está no calendário oficial e toda a rede pública e privada faz algo nessa data. O nosso desafio é fazer isso o ano todo e por todas as disciplinas”, completa.
Fabrício Albergaria é formado em comunicação social e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)