Por Mayra Trinca
Foto: Fabrício Marvel
Projeto de Lei aprovado em julho deste ano tem pontos positivos, mas é preciso ações educativas e integração de tecnologias
A prevenção a incêndios ocorre em duas frentes principais: impedir que o fogo se inicie e, caso ele comece, apagar as chamas o mais rápido possível. O aumento da temperatura e tempo mais seco – parte do atual cenário de mudanças climáticas – são os principais fatores que aumentam as queimadas. A paisagem se torna mais inflamável e o fogo mais difícil de se controlar. Por isso, medidas de prevenção deveriam receber mais atenção.
Em unidades de conservação, há três estratégias de prevenção mais comuns. A primeira começa no plano de manejo, um documento que organiza todo o funcionamento dos parques, e determina as áreas de permissão do uso de fogo. São locais específicos onde a construção de fogueiras, uso de fogareiros ou mesmo a queima controlada são permitidos. As áreas são pensadas para minimizar o impacto dessas ações no ambiente do parque.
Outra estratégia possível é a abertura de aceiros, trechos onde a vegetação é desbastada, deixando um espaço de solo exposto. A remoção da biomassa funciona como uma barreira para o fogo caso um incêndio se inicie. E a terceira é a ação direta da comunidade, especialmente através da construção de brigadas de incêndio.
Entretanto, a ação da população local tem diminuído em áreas preservadas. Isso porque há uma mudança na estrutura social das comunidades, conta Liana Anderson, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Com a saída dos mais jovens para as cidades, permanece na região a população mais velha, por vezes apenas casais de idosos, que não se reúnem mais em ações de combate ativo aos incêndios.
Além dessas ações, há também projetos de educação de crianças e adultos que buscam conscientizar sobre os usos e combate ao fogo. Mas, na visão da pesquisadora, ainda são medidas muito incipientes e que precisam de mais incentivo para efetivamente integrar a população.
Atualizações no manejo do fogo
Em julho deste ano foi sancionada a nova Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, projeto elaborado em 2018 e aprovado pela Câmara dos Deputados ainda em 2021, mas que só se tornou lei em 2024. A nova legislação prevê o uso controlado do fogo como forma de redução de matéria orgânica e aliada à agricultura familiar.
Há diversas evidências de que o Cerrado co-evoluiu com o fogo e pode se beneficiar desses eventos. E apesar de ambientes de floresta como Amazônia e Mata Atlântica não serem adaptados para queimadas, é importante ressaltar que a queima controlada é uma técnica importante na história de populações indígenas de diversas regiões. “Não adianta buscar o limiar do fogo zero, porque as pessoas sempre o utilizaram. A proibição total é muito ruim, porque você acaba colocando em um estado de vulnerabilidade maior as pessoas que realmente dependem do fogo para sua agricultura de subsistência”, aponta Liana.
Ainda assim, é importante expandir os conhecimentos sobre a dinâmica do fogo em cada ambiente, de forma a entender quais os impactos na biodiversidade. O Cerrado, por exemplo, é um bioma extremamente heterogêneo, com formações vegetais muito distintas, e ainda são necessários mais dados para entender como o fogo se comporta em cada região, qual a melhor época para queima e quais os efeitos a longo prazo.
Coleta de dados e modelos de previsão
Além dessas ações, tem aparecido outras alternativas de prevenção que envolvem a previsão de pontos de incêndio, principalmente por meio de modelos matemáticos alimentados com dados de queimadas anteriores.
Liana, por exemplo, integra um trabalho que estabelece prioridades de atenção em todas as áreas protegidas da América do Sul. O modelo é capaz de elencar áreas mais susceptíveis a incêndios para os três meses subsequentes. Para isso, são cruzados dados de incêndios anteriores, como período em que queimadas foram mais comuns na região, e número de ignições dos últimos 4 anos, com dados da previsão meteorológica.
Fábio Teodoro de Souza, professor da PUC Paraná e especialista em mineração de dados, também já ajudou a elaborar um modelo semelhante. Em parceria com alunos, eles testaram a capacidade de previsão de focos de queimada na Chapada das Mesas, no Maranhão.
O modelo foi alimentado com dados de uma estação meteorológica sobre umidade e temperatura, total de horas diárias de sol, índices de radiação e precipitação, velocidade do vento e dias totais sem chuva. Com isso, foi possível prever um novo foco de incêndio entre 6 e 12 horas de antecedência. “Ao prever a ocorrência do incêndio florestal, você consegue mobilizar a defesa civil, o incêndio seria contido logo no início e o fogo não se alastraria. O modelo foi construído com a ideia de auxiliar essas instituições”, diz Souza.
Para ambos os pesquisadores, faltam incentivo e investimento público em modelos como esses, capazes de antecipar a ocorrência de focos e aumentar a eficiência da prevenção. Segundo Souza, o cenário ideal conta com a instalação de mais estações meteorológicas próximas às áreas de conservação, estudos para entender as variáveis envolvidas e a aplicação de inteligência artificial para aumentar o processamento de dados.
Mayra Trinca é bióloga, mestre em divulgação científica (Unicamp) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp); a pauta deste dossiê foi elaborada por Mayra Trinca durante a Oficina de Jornalismo I (disciplina coordenada por Marina Gomes e Ricardo Muniz)