Por Sophia La Banca de Oliveira
Francisco Ignácio Giocondo Cesar, professor do Instituto Federal de São Paulo, defende que, para se manter competitivo, o Brasil precisa estabelecer parcerias entre universidades e indústrias e criar políticas de longo prazo.
O rápido avanço da tecnologia e dos meios de produção está causando grandes mudanças na indústria e outros setores da economia. Esse fenômeno, chamado de indústria 4.0, traz oportunidades e desafios. Francisco Ignácio Giocondo Cesar, professor do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia São Paulo, falou sobre quais são essas mudanças e o que pode ser feito para se preparar para elas.
Cesar é engenheiro mecânico, com mestrado e doutorado em engenharia de produção, pesquisador colaborador no programa de pós-graduação da engenharia de produção da FCA/Unicamp. É coordenador do Sustainable Business Lab e membro fundador da SC4 – Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Empresas Inovadoras (Anpei).
Como você definiria a indústria 4.0? Qual a diferença dela para o que era feito anteriormente?
Vivemos hoje uma quarta revolução industrial. Em uma revolução, os meios produtivos são alterados de forma que influenciem a economia e a sociedade. Se verificar as demais revoluções industriais, tudo isso ocorreu. Na Alemanha se percebeu que, neste momento, isso estava ocorrendo. Surgiram novas ferramentas, internet das coisas, digitalização, tempo real etc. Estão surgindo novas ferramentas que são incorporadas ao chão de fábrica e estão alterando a economia como um todo. Uma prova disso é o surgimento de novos segmentos de mercado e de negócios, como Netflix, YouTube, Bitcoin, Airbnb. Ferramentas que, inicialmente usadas no chão de fábrica para melhorar os sistemas de produção, extravasaram o ambiente industrial e estão na sociedade, gerando novos negócios, oportunidades e desafios. Isso está influenciando o comportamento da economia e da sociedade, isso é a indústria 4.0, é a quarta revolução industrial que estamos vivendo, mas não estamos percebendo.
Quais são os setores que mais se beneficiam dessas mudanças?
A princípio foi a indústria de forma geral, principalmente a indústria automotiva. No Brasil, está sendo fortemente utilizada no agronegócio e na área de saúde. Mas, como falei, elas transbordaram do setor industrial e estão caindo na área de serviços, impactando negócios tradicionais, que estão sendo feitos de forma diferente. Então, a economia, como um todo, está sofrendo esse impacto, e a sociedade, como um todo, está passando por essa revolução industrial. Não apenas o segmento x ou y.
Como o Brasil está se inserindo nessa realidade em relação ao cenário internacional?
Nós temos que ver o Brasil sob várias óticas. Se falarmos do segmento de autopeças, montadoras automotivas, ele está começando a acompanhar essa revolução. Se olharmos o Brasil sob a ótica do agronegócio, em que somos altamente competitivos, as ferramentas da indústria 4.0 estão sendo muito bem utilizadas. Rastreamento de gado, alterações genéticas etc. A Embrapa trabalha bastante com isso. Na área industrial temos boas soluções, mas ainda estamos engatinhando. Se você me perguntar: isso vai pegar no Brasil? Isso terá que ser incorporado pelos meios produtivos, é o que fará com que nos tornemos competitivos. Mas no Brasil ainda não existe uma política atenta a essas questões. E todos os países que estão à frente, como Alemanha, Estados Unidos, Japão e China, têm uma política governamental para os próximos 10 ou 20 anos para lidar com a questão.
As instituições de ensino estão preparadas para formar profissionais capacitados para essa nova realidade?
Infelizmente, não. Estão ensinando engenharia como era há 40 anos. Um aluno entra em 2018 na engenharia e, mesmo que a universidade esteja muito bem equipada, a dinâmica da tecnologia é tão grande que, quando se formar, estará desatualizado. Pensando ainda na engenharia, para abrir um curso, consulto o CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia] e o MEC, e monto o currículo – mas ninguém pergunta para a sociedade ou para a indústria. Qual é a solução? As universidades se aproximarem do mercado e das empresas. As empresas têm que ser laboratório. Uma universidade não tem condições financeiras de estar constantemente atualizada, mas qualquer empresa de grande porte tem que fazer isso para ter condições de sobreviver no mercado. Então, o laboratório da área de ensino tem que ser a empresa. Principalmente no Brasil, precisamos quebrar esse paradigma de universidade em um canto e a empresa em outro. Se olhar os Estados Unidos, por exemplo, o salário do professor vem parcialmente da universidade, a outra parte vem das indústrias para as quais ele encaminha os alunos. Na Alemanha, parte do dia o engenheiro fica na empresa e parte ele fica na universidade. Esses países já perceberam a necessidade de mudar a forma de ensinar. De mudar a forma de formar novos engenheiros no contexto que vivemos.
Qual o impacto que essas inovações trarão para o mercado de trabalho?
Toda vez que houve uma revolução industrial, houve grande crescimento da população, e se cresceu é porque a condição de vida melhorou. Hoje ainda estamos sendo pouco impactados por essa revolução, por essas novas tecnologias, mas já podemos perceber como a vida melhorou. A tecnologia facilita a vida da sociedade, porém é necessária uma nova aprendizagem. Quando falam: “vai gerar desemprego”, eu falo que, quando você desenvolve um novo robô, precisa de técnicos para cuidar dele, requer um novo conhecimento, uma nova formação. “Ah, mas esse robô vai tirar o emprego do operador da máquina”, mas ele vai criar outros empregos, que terão nível de intelectualidade maior, salário maior, condições de vida melhor para quem vai trabalhar com ele. As pessoas que perceberem a mudança e se prepararem terão condições de vida muito melhores. Essa é a realidade: vai provocar desemprego? Vai, para quem ficar estagnado. Mas vai abrir outras oportunidades. Outro exemplo, há 5 anos não tínhamos aplicativos em celular, nenhum emprego voltado para esse tipo de programação. Hoje, temos uma infinidade e até faltam profissionais para esse mercado. Não gerou desemprego, mas novas oportunidades para aquelas pessoas que tenham vontade de estudar, de ir atrás.
E a questão da sustentabilidade?
A partir dessas tecnologias vamos poder rastrear os produtos, da fonte ao descarte. Saber a cada instante onde os produtos estão. E a consciência da sustentabilidade vem junto. Percebemos que a tecnologia nunca vai substituir uma boa qualidade de vida, isso é, termos uma boa habitação, boa qualidade de ar, água. Muitas empresas na área de tecnologia estão investindo na área de sustentabilidade. Veja o exemplo do carro elétrico – já que quase 20% da poluição vem de veículos, a tecnologia pode ser usada para minimizar isso.
Como melhor aproveitar as oportunidades trazidas por essas mudanças?
É preciso ficar a par das tecnologias emergentes, seja qual for sua área de atuação. Oportunidades temos aos montes – acredito que vão abrir muitas mais, de emprego para os jovens e para quem queira mudar de vida.
Sophia La Banca de Oliveira é farmacêutica (UFPR), mestre em bioquímica (USP) e doutora em psicobiologia (Unifesp). Atualmente é pós-graduanda na especialização em jornalismo científico no Labjor-Unicamp.