Por Rafael Revadam e Roberta Bueno
Com o discurso racial se fortalecendo, pessoas passam a exigir do comércio mais representatividade.
A sociedade brasileira é composta por 46,7% pardos, 44,2% brancos e 8,2% negros. Esses números apontam uma mudança na população do país, que até 2014 se autodeclarava como branca em sua grande maioria. Notando o impacto de uma população mais consciente de suas diversidades, as empresas têm modificado a forma de planejar seus produtos. O lápis de cor popularmente conhecido como “cor de pele”, cuja referência era a população branca, hoje dá lugar a seis tons diferentes; as linhas de maquiagem expandiram suas tonalidades com pigmentações próprias para a população negra e até a mídia televisiva busca trazer a pluralidade social na programação diária.
“Como uma pessoa que escreve sobre questões raciais, vejo que de uns anos para cá mudou muito o acesso a produtos específicos ou direcionados a pessoas negras”, explica a arquiteta e urbanista Stephanie Ribeiro. Stephanie, que ficou conhecida na internet por seu ativismo em pautas negras e feministas, assina uma coluna na revista Marie Claire e afirma que o ambiente online foi essencial para a difusão de um pensamento plural. “A internet foi um fator muito relevante, porque deu voz e visibilidade para falas que sempre existiram, mas não encontravam espaço de difusão e de compartilhamento”.
A Barbie, boneca criada em 1959, foi o padrão de beleza idealizado por muitas crianças, e somente em 1980 foi lançada sua versão negra. Com a intenção de representar a diversidade, a marca Mattel, produtora da boneca, ao longo dos últimos anos, lançou bonecas com diferentes padrões de beleza, como a Barbie com prótese de perna, cabelo afro e também uma versão com vitiligo, lançada em 2019.
“As empresas estão tendo a responsabilidade de se perguntar se seus produtos refletem ou não o público-consumidor”, afirma Thiago Amparo, professor da Fundação Getúlio Vargas e membro da Aliança Jurídica pela Equidade Racial. Para o especialista, essa conscientização pode vir de forma voluntária ou por pressão da sociedade, exigindo produtos que atendam à pluralidade societária.
Para Thiago, é importante que as organizações estendam essa diversidade para além da fabricação de produtos. “Há pesquisas internacionais que mostram que quanto mais diversa a equipe de uma empresa, mais inovação nos produtos que ela produz”.
A representatividade como fator estrutural
Para a colunista Stephanie Ribeiro, a representatividade não deve vir apenas em produtos, mas deve impactar a estrutura da empresa. “Há inúmeras empresas que falam que apoiam a representatividade, que apoiam a população negra, que fazem coisas legais, mas quando olhamos para os funcionários, a maioria é branca e, assim, não existe autocrítica de compreender que as mudanças colocadas como marketing precisam ser instaladas também na estrutura”.
Stephanie pontua que, além das demandas de consumo, é necessário pensar direitos e necessidades do público negro, como trabalho, alimentação e moradia, que podem ser dificultados diante de um mercado de trabalho fincado em lógicas racistas. “Há alguns anos era comum pedir foto em um currículo. Ainda que hoje seja algo visto como errado, sabemos que há muitas vezes premissa racista na contratação, ou sexista, que dificulta a entrada de mães no mercado de trabalho, que ainda é extremamente preconceituoso”, diz.
A inclusão como aspecto social também foi um ponto colocado pelo professor Thiago Amparo. Para o especialista, existem passos que uma empresa deve seguir para aplicar, na prática, o discurso de diversidade. “Primeiro, com a entrada de profissionais, pensando em mais inclusão. E para que seja mais diverso, você precisa quebrar os próprios processos iniciais da empresa. Em geral, as empresas contratam por recomendação, não fazem um processo aberto, ou uma busca ativa por profissionais negros. Isso faz com que você mantenha uma bolha de relacionamento e, em geral, essas bolhas são majoritariamente do seu grupo social, sem muita diversidade”.
O segundo passo é a forma de divulgação dos processos seletivos, pensando em qual imagem ou discurso são usados pela organização. “As pessoas precisam se sentir representadas, se sentir à vontade para poder tentar aquela vaga”, explica. Por fim, deve-se pensar no desenvolvimento profissional, em como a empresa pode contribuir para o crescimento do funcionário ao longo do tempo, seja disponibilizando cursos de aperfeiçoamento ou oportunidades de promoção ou planos de carreira.
Cor e engajamento
A bailarina Ingrid Silva, da companhia internacional Dance Theatre of Harlem, ganhou destaque na internet ao compartilhar, em novembro de 2019, um post no qual mostrava seu primeiro par de sapatilhas marrom. Após 11 anos de carreira, foi a primeira vez que ela não precisou tingir esse acessório para que tivesse o seu tom de pele.
Essa mesma representatividade é o que busca o jornalista e maquiador profissional Tássio Santos. Criador do canal no YouTube Herdeira da Beleza, Tássio tem uma série de vídeos chamada “O tom mais escuro”, no qual testa diversas linhas de maquiagens para saber se atendem as pigmentações de pele negra.
“Eu acho que, historicamente, o Brasil tem uma política de embranquecimento, e isso reflete também em como as pessoas se percebem como negras ou não. O racismo não diminuiu, mas aumentou a consciência racial, principalmente de negros, pretos e pardos, com relação à sua proximidade racial”, explica Thiago Amparo, da FGV. “As pessoas estão enfrentando os preconceitos, e assumindo a sua identidade racial. Seja esteticamente, seja no discurso, demandando diversidade nas empresas e na sociedade em geral”.
Rafael Revadam é jornalista formado pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, pós-graduado em estudos brasileiros pela Fundação-Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Atualmente, cursa a especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.
Roberta Bueno é formada em biologia (UFSCar) e mestre em ensino de ciências e matemática (Unicamp). Atualmente, cursa a especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.