Por Daniel Rangel [texto e imagem]
Reconhecido como pessoal e sensível pela legislação, dados genéticos fornecem informações importantes para a ciência e precisam ser tratados com ética e responsabilidade.
Está cada vez mais fácil coletar o DNA de uma amostra biológica e gerar dados digitais. Na prática, as moléculas de DNA são representadas em extensas sequencias de 4 letras (A, T, C e G) que podem ser analisadas por variados algoritmos. “Quando se fala de informações genéticas, nos referimos às informações moleculares, derivadas a partir do DNA, onde está codificada toda a informação necessária para as características do indivíduo”, explica Lorhenn Maia, bióloga e cientista de dados que atua como pesquisadora no Centro para Pesquisa em Imuno-oncologia (Crio) do Hospital Israelita Albert Einstein. “Tudo que somos do ponto de vista biológico está codificado no nosso DNA”, completa Maia. Com as informações genéticas moleculares de pacientes é possível fazer análises para identificar variáveis genéticas, que podem melhorar as ferramentas de diagnósticos e personalizar tratamentos.
O National Human Genome Research Institute (NHGRI), que liderou o esforço mundial para sequenciar o genoma, estima que cada indivíduo tenha em média 99,6% de semelhança com a referência usada em análises comparativas, ou seja, os 0,4% de diferença e a forma como o DNA é decodificado são os responsáveis por toda a diversidade entre as pessoas. Assim, a grande maioria das informações genéticas são idênticas a todos, e uma pequena variação revela informações importantes, como saúde e a probabilidade de desenvolver algumas doenças. Para estudar essas diferenças entre sequências de DNA é preciso compará-las umas com as outras e, quanto mais sequências disponíveis e informações vinculadas a elas, melhor a possibilidade de se formular conclusões.
“O DNA pode, em teoria, oferecer muitas informações sobre o próprio indivíduo. No entanto, em termos práticos, atualmente as informações concretas se restringem a informações sobre doenças genéticas monogênicas (doenças raras)”, explica Iscia Lopes Cendes, professora e chefe do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. “Um outro aspecto são os dados sobre ancestralidade. Nessa questão, existem estudos científicos muito respeitados, porém existe também muita exploração comercial, com estudos de baixa qualidade que são considerados testes recreacionais, sem validade científica”, considera a professora.
Equilíbrio entre privacidade e utilidade dos dados genéticos nas pesquisas
A disponibilidade dos dados genéticos enfrenta um desafio, encontrar um equilíbrio entre privacidade e utilidade. A utilidade desses dados depende de informações pessoais sobre o paciente e, quanto mais informações disponíveis, menor é a privacidade. “Dados genéticos são dados pessoais e, portanto, são protegidos por lei. No entanto, no contexto do diagnóstico de doenças, são também dados muito importantes para o avanço da ciência e para melhorar a maneira como fazemos o diagnóstico delas”, pondera Iscia. “Hoje temos a visão de que deve haver um equilíbrio entre proteção da confidencialidade e disposição para compartilhar informações que são importantes para o avanço da medicina”, completa.
Lorhenn também cita a importância de manter a privacidade dos dados sem perder informações relevantes, “o ideal é que exista um equilíbrio em que a gente não possa identificar o paciente a partir daqueles dados, mas que esses dados também tenham alguma utilidade dentro das análises. Precisamos de informações como sexo e idade, pois essas variáveis também são consideradas na análise para identificar novas ferramentas e tratamentos”, detalha a pesquisadora.
Instituições responsáveis atuam de modo que a segurança e a privacidade dos dados sejam garantidos ao paciente. “Nas pesquisas existe um rigor científico e bioético muito grande tanto na coleta quanto na manipulação desses dados”, garante Lorhenn. Os projetos que trabalham com dados genéticos são avaliados por órgãos, como o CEP (Comitê de Ética em Pesquisa) e o Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) antes de serem aprovados.
Boas práticas no trabalho com dados genéticos
Um artigo publicado em junho de 2024 na revista científica GigaScience, fornece uma revisão abrangente das inovações tecnológicas que estão sendo usadas para proteger dados genômicos e gerenciar o consentimento dos participantes das pesquisas. Os autores apresentam soluções para a gestão eficaz e segura de informações genéticas, como consentimento aprimorado, anonimização, criptografia avançada e blockchain (registros permanentes e inalteráveis de todos os acessos e usos dos dados), e argumentam que essas inovações são essenciais para garantir que os dados genômicos sejam usados de forma responsável e ética.
O consentimento livre e esclarecido é importante para que os participantes controlem melhor como seus dados são usados, permitindo alterar suas preferências de consentimento ao longo do tempo. A questão do consentimento também envolve a preocupação sobre o pleno entendimento do contrato entre as partes, “é papel do profissional que está com o paciente deixar claro o que está no termo de consentimento, tudo deve estar explícito”, afirma Lorhenn. As tecnologias de blockchain servem para criar registros imutáveis e transparentes sobre quem acessou e usou os dados genéticos armazenados, isso permite a rastreabilidade e ajuda a construir confiança entre os participantes das pesquisas e os pesquisadores.
As técnicas de anonimização são usadas para proteger a identidade dos participantes mesmo quando seus dados genômicos são compartilhados. A pesquisadora Lorhenn conta que os dados genéticos que ela trabalha não são identificados com nomes de pacientes, “eu não tenho nem ideia de quem são aquelas pessoas, os dados chegam para mim com uma ID (código de identidade), e analiso sem saber os nomes”.
A confiança entre participantes de pesquisas com uso desses dados e os pesquisadores, assim como as boas práticas laboratoriais, é fundamental para o desenvolvimento da medicina personalizada e o avanço científico. A responsabilidade por garantir a segurança e o uso ético dos dados genéticos cabe a diversos atores, incluindo pesquisadores, instituições, governos e a própria sociedade.
A privacidade dos dados genéticos é fundamental para evitar que essas informações sejam usadas para determinar e discriminar pessoas. Outra preocupação é o uso comercial e indevido desses dados, como empresas de saúde ou empregadores que possam discriminar de alguma forma aqueles que tenham alguma probabilidade de ser suscetível a determinadas doenças.
No final de 2023, por exemplo, um hacker chamado Golen anunciou em um fórum de cibercriminosos um conjunto de dados roubados da empresa 23andMe, com informações pessoais e, principalmente, étnicas dos usuários. A empresa, assim como outras desse setor, oferece um serviço em que o interessado recebe um kit para coletar uma amostra de saliva e em 3 semanas recebe relatórios das análises de ancestralidade, parentesco, e predisposições relacionadas a doenças.
Assim, é preciso repensar as formas de privacidade de informações, uma vez que dados genéticos serão cada vez mais usados para orientar tratamentos médicos e gerenciar riscos de doenças futuras.
Daniel Rangel é formado em jornalismo e ciências, doutor em biotecnologia e monitoramento ambiental (UFSCar). Cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.