Por Daniel Pompeu e Luciana Rathsam
Um dos pilares da economia nacional, o agronegócio é responsável por um em cada três empregos no Brasil e por 21,6% do PIB, conforme dados de 2019 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento. As mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas já vêm acontecendo e tendem a se agravar, e a preocupação com os impactos que tais mudanças podem gerar na produção do campo tem motivado esforços de adaptação agrícola por instituições de pesquisa. É o caso do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC, do inglês Genomics for Climate Change Research Center), fruto de parceria entre a Embrapa e a Unicamp, com apoio da Fapesp, que tem a missão de gerar ativos biotecnológicos que promovam a adaptação das culturas agrícolas a condições de altas temperaturas e deficiência hídrica.
Para desenvolver tais ativos, o GCCRC tem pesquisado o cerrado e os campos rupestres brasileiros. As plantas desses ambientes desenvolveram, ao longo de seu processo evolutivo, adaptações que as tornaram capazes de sobreviver às condições de seca e alta temperatura. Entender quais aspectos tornam essas plantas mais resistentes e transferir essas características para culturas agricultáveis têm sido o objetivo dos pesquisadores do GCCRC. Para isso, o centro foca em duas vertentes complementares: genética e microbiomas. “A ideia é identificar a variabilidade nos genes das plantas e os microorganismos associados a essas plantas, realizar a transferência para culturas como o milho, e promover melhorias”, explica Ricardo Augusto Dante, pesquisador da Embrapa e membro do GCCRC.
O milho é uma cultura-alvo das pesquisas conduzidas no GCCRC. Os pesquisadores estudam sua variabilidade genética e também a de outras espécies de plantas, como daquelas que se adaptaram a biomas com escassez hídrica. Uma vez identificados os grupos de genes importantes para a tolerância ao estresse, é criada a variabilidade do gene na planta modelo por meio de edição gênica. São então verificadas as manifestações causadas na planta pela alteração. “Você faz pequenas alterações no gene do milho, como a mudança de nucleotídeos do DNA, faz pequenas deleções, muda o aminoácido de uma proteína. É praticamente uma mutação que você poderia observar por acaso na natureza. O difícil é encontrar essa mutação benéfica na natureza”, pondera o pesquisador. De acordo com Dante, o maior desafio ainda é entender a interação gênica por trás das características manifestadas na planta. Nem sempre basta mudar apenas um “pedacinho” do DNA para obter uma característica desejada, já que muitas vezes tal manifestação depende da interação de vários genes entre si.
A tecnologia utilizada pelo grupo para realizar o processo é a chamada CRISPR/Cas9. A técnica consiste, de forma simplificada, em programar uma enzima (Cas9) através um conjunto de sequências de DNA de bactérias (CRISPR) para cortar o DNA de um organismo de forma precisa e substituir sequências, alterando a programação genética. A técnica se difere da transgenia, pois não há inserção de um DNA de outro organismo, e sim uma mutação gênica específica.
Além do genoma, a comunidade microbiana também tem grande impacto na tolerância a estresse. O pesquisador do GCCRC Rafael Soares Correa de Souza dedica seu pós-doutorado ao desenvolvimento de uma comunidade microbiana para aumentar a resistência do milho a condições de estiagem. O cientista explica que a pesquisa com microbiomas envolve coleta e cultivo de bactérias e fungos associados às plantas de campos rupestres para produzir bioinoculantes (líquidos com um coquetel de microorganismos) que são aplicados no solo ou nas sementes para colonizarem as plantas. Ele explica que, em caso de sucesso do desenvolvimento, os bioinoculantes têm potencial de serem usados como um eficiente insumo agrícola.
Os esforços de pesquisa com microbiomas estão em uma fase de testes em campo. Os pesquisadores do GCCRC foram a Luís Eduardo de Magalhães, na Bahia, uma região historicamente assolada pela seca, onde verificaram que as plantas com o inóculo desenvolvido apresentaram produtividade 20% a 30% maior do que as plantas não inoculadas. Para Souza, o desenvolvimento dessas tecnologias pode servir como uma espécie de seguro contra as perdas de produtividade. “A gente nunca sabe, principalmente com as mudanças climáticas, quando vamos ter um pico de estresse, por exemplo de seca. Então é melhor que estejamos preparados com essas tecnologias”, disse.
Adaptação de produtores rurais
Ainda que as pesquisas biotecnológicas apontem para resultados promissores, é fundamental garantir que produtores rurais tenham acesso aos conhecimentos e oportunidades de adaptação, conforme salienta o professor Denis Antônio da Cunha, coordenador do Grupo de Pesquisa em Economia dos Recursos Naturais e Ambientais ligado ao Departamento de Economia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Nos últimos anos, Cunha tem se dedicado a estudar a resposta de agricultores às mudanças climáticas.
Recentemente, ele e outros cientistas realizaram uma pesquisa na bacia do Rio das Contas, na Bahia, onde entrevistaram produtores rurais para entender suas percepções sobre as mudanças climáticas, se previam riscos e se buscavam alternativas. A escolha do local não foi ao acaso. A região da bacia tem passado por crescentes reduções de incidência de chuva e aumento médio da temperatura nos últimos 30 anos, de acordo com dados do Climate Research Unit.
A hipótese inicial do professor e sua equipe era de que o reconhecimento do fenômeno das mudanças climáticas levaria à adaptação. Descobriu-se, entretanto, que essa relação não era tão direta. “Para o agricultor que percebe a mudança climática investir em adaptação ele primeiro precisa acreditar que aquilo tem potencial de causar prejuízos”, disse. De acordo com a pesquisa, 52% dos agricultores entrevistados na região já havia realizado algum tipo de adaptação em sua produção até 2016 (período de coleta dos dados). Entre as medidas mais comumente adotadas estão os sistemas de irrigação, alterações nas datas de plantio e colheita e a substituição de culturas. “Esses são tipos de adaptação fáceis de serem feitos, porque não exigem grandes conhecimentos. Nós fomos percebendo que, quanto mais complexa a técnica, menos agricultores a usavam”, explicou.
A pesquisa revelou que, apesar de notarem mudanças no clima, reconhecerem as dificuldades associadas a tais mudanças e até se adaptarem de alguma forma, muitos agricultores não associavam a questão a um fenômeno global. Os resultados obtidos sugerem a necessidade de estudos locais para a formulação de políticas públicas que objetivam promover o acesso à tecnologia e conhecimento para adaptação agrícola, conforme argumenta o pesquisador. “O país é espacialmente e climaticamente muito diverso. Nós temos dimensões continentais. Então ter ideia do conhecimento local, de como o público local, em uma região pobre, lida com essa questão das mudanças climáticas é muito importante para que você possa direcionar políticas públicas para aquele público”, diz Cunha.
Daniel Pompeu é jornalista (UFU) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp
Luciana Rathsam é biológa (Unicamp), especialista em gestão ambiental (USP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp