Especificidade de biomas é um desafio para restaurar áreas degradadas

Por Beatriz Ortiz

Imagem: Beatriz Ortiz

Caatinga, Cerrado e Pampa requerem métodos de restauração ecológica que respeitem sua história e características únicas

Biólogos, engenheiros florestais e outros pesquisadores ligados ao meio ambiente têm se dedicado a recompor ecossistemas degradados, buscando restabelecer sua biodiversidade, estrutura e funções naturais. Esse processo, chamado de restauração ecológica, serve para reconstruir a saúde e a resiliência dos ecossistemas, de forma que eles voltem a fornecer serviços essenciais, como a preservação da biodiversidade, a purificação da água e a regulação do clima. 

Cada ecossistema requer métodos de restauração diferentes, que respeitem suas particularidades, mas nem todos são estudados extensivamente pela ciência. É o caso da Caatinga, que ocupa um território de 734 mil km² no Brasil, é considerada a região de semiárido mais populosa do mundo e presta diversos serviços ecossistêmicos, como a qualidade do ar e a regulação do fluxo da água. Mas, apesar da sua importância, existe pouco conhecimento científico sistematizado sobre sua restauração. 

Com o objetivo de suprir essa escassez, os professores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Flávia Moura e José Silva organizaram o livro Restauração na Caatinga. Eles averiguaram que o bioma, que é considerado um ecossistema de terra seca ou dryland, tem potencial de desertificação mais alto e de regeneração mais lento. Mas, quando restaurada, traz benefícios para o clima, melhora a qualidade da água e do ar, protege o solo e conserva a biodiversidade. 

Recuperar áreas degradadas da Caatinga tem representado um grande desafio para os cientistas e tomadores de decisão. “Não adianta fazer restauração ecológica da Caatinga usando técnicas de outro bioma. Ela requer conhecimentos específicos, que precisam ser bem definidos, estabelecidos e conhecidos. E o que vemos, na prática, é que os gestores desconhecem as diretrizes básicas que deveriam ser adotadas para mantê-la”, diz Silva.

Ao contrário do que dita o senso comum, a restauração da Caatinga é muito mais do que plantar e regar. O processo requer a produção de mudas de boa qualidade dentro dos viveiros. Elas só são transferidas para o solo depois do período de sol pleno. As mudas são transplantadas em um ambiente previamente preparado e cercado, evitando que os animais as comam. Todas as técnicas de restauração se amparam em soluções baseadas na natureza, como ensina a professora Flávia Moura.

Comunidades participam do processo de restauração da Caatinga. Fotos: José Moacir dos Santos, Luiz Almeida Santos e Markus Breuss, disponíveis em Restauração da Caatinga.

“Nós também aproveitamos os núcleos de vegetação que se formam no processo de regeneração. Então, se já existe uma árvore adulta nativa em uma área, plantamos as mudas perto dela, porque ali a temperatura é mais baixa”, explica a pesquisadora. Junto com outros pesquisadores, Moura e Silva publicaram, neste ano, um artigo sobre esse tema. Eles chegaram à conclusão que, sob a copa do juazeiro, a temperatura chega a ficar 8ºC menor do que na área aberta, o que é fundamental para as mudas novas, que não sobrevivem em ambientes acima de 35ºC.

Restaurando o Cerrado paulista

No Cerrado paulista, os cientistas também estão envolvidos em pesquisas sobre restauração. Uma equipe de pesquisadores busca mapear e caracterizar a biodiversidade dos campos naturais do Estado e fazer experimentos de restauração e manejo conservacionista, fortalecendo bases para a formulação de políticas públicas de conservação. Eles integram o Biota Campos, projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os pesquisadores atuam em diversos parques e Unidades de Conservação (UCs), como a Estação Ecológica (EEc) Santa Bárbara, na região oeste do Estado de São Paulo, que sofre com a invasão por espécies exóticas, especialmente pinheiros e braquiárias, e com o woody encroachment, fenômeno marcado pelo adensamento indesejável de plantas lenhosas, descaracterizando as fisionomias abertas do cerrado. Para lidar com esses problemas, os cientistas têm desenvolvido técnicas de restauração que incluem o manejo do fogo. 

“O cerrado é um ecossistema que evoluiu por causa de distúrbios, como incêndios, e é mantido por eles. Sem o fogo, a vegetação se adensa e as árvores de grande porte invadem, gerando sombra, e o Cerrado, que depende de áreas abertas, perde espécies nativas. Dessa forma, desaparecem os capins, o pequi, a guariroba e o cajuzinho, assim como a ema, o veado-campeiro, o tamanduá-bandeira e diversas espécies de formigas. Então, o manejo do fogo é essencial para conservar a biodiversidade do Cerrado”, conta a ecóloga do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) Giselda Durigan.

Existe uma diferença entre o incêndio natural, o incêndio criminoso e o manejo do fogo no Cerrado. O incêndio natural é um evento que costuma decorrer de raios em estações chuvosas, o que ajuda a controlar sua expansão. O incêndio criminoso é um fogo de origem antrópica, não controlado, que se espalha e destrói, agravando-se em períodos de seca. “E o manejo do fogo, além de manter o habitat adequado para todas as espécies, evita incêndios que possam sair do controle e causar danos à biodiversidade”, explica Durigan. 

A cientista realizou uma queima prescrita experimental – ou seja, o manejo integrado do fogo, em condições favoráveis e controladas, para compreender os efeitos do fogo na vegetação, fauna e serviços ecossistêmicos – em uma gleba da EEc Santa Bárbara, em julho deste ano. Depois de pouco mais de um mês, o verde já voltou à tona, com o renascimento de brotos, o ressurgimento das flores e a renovação da fisionomia aberta do Cerrado. 

Antes, durante e um mês depois de queima prescrita realizada em gleba da EEc Santa Bárbara, para restauração de fisionomias abertas do Cerrado. Fotos: Beatriz Ortiz.

Em unidades de conservação, como a EEc Santa Bárbara, a restauração ecológica garante a proteção de espécies em extinção e a manutenção de processos ecológicos vitais do Cerrado, como a retenção de sedimentos e nutrientes, a infiltração da água da chuva e o sequestro e armazenamento de carbono. Atualmente, a área de vegetação degradada desse ecossistema está entre 18 e 43 milhões de hectares, correspondendo à maior área absoluta de degradação dentre todos os biomas do Brasil, de acordo com levantamento disponibilizado na rede MapBiomas

Restaurando o Pampa gaúcho

O Pampa é o único bioma brasileiro presente em somente um estado, ocupando mais da metade do território do Rio Grande do Sul. Por conta do seu tamanho reduzido, mas alto grau de endemismo, os impactos da sua degradação têm grande relevância quanto às ameaças de extinção de espécies, à perda de solo por erosão e à perda da vegetação, como explica a professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Ana Paula Rovedder.

Rovedder conta que a restauração do Pampa tem um caráter singular, porque está vinculada a uma atividade produtiva: a pecuária. “As formações dos ecossistemas campestres coevoluíram com pastejo e forrageio durante milhares de anos. Desde a pré-história, há registros de grandes animais herbívoros que vinham selecionando essa vegetação. Depois, durante a colonização, houve a introdução de gado e cavalo, principalmente pelas missões jesuíticas espanholas. Então, os ecossistemas foram se adaptando ao pastejo”.  

O Pampa é o bioma que tem o menor percentual de UCs no Brasil e, dentro delas, não é permitido exercer atividades de pecuária, o que prejudica a conservação campestre. Isso porque, assim como o Cerrado sem o manejo do fogo pode se transformar em um cerradão, o Pampa sem a pecuária evolui para uma formação arbustivo-arbórea, conta Rovedder, que também é coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade).

Fora das UCs, a atividade produtiva dominante do Rio Grande do Sul não é a mais a pecuária, mas o monocultivo de soja e a silvicultura de eucalipto, o que leva à perda do endemismo e da biodiversidade campestre. Também, à perda dos vínculos históricos e culturais dos gaúchos com essa atividade produtiva, tradição que foi mantida por centenas de anos por meio de costumes relacionados ao manejo do gado na forma de produção familiar. 

Paisagem pampeana no Parque Estadual do Espinilho, na Barra do Quaraí, no Rio Grande do Sul. Foto: Jocimar Caiafa Milagre e Pedro Seeger, disponível em Plantas nativas ornamentais do Brasil.

Para Rovedder, o principal desafio da atualidade é formular políticas públicas para a conservação e a restauração do Pampa. “Não devemos achar que a conversão do campo em extensas plantações de soja e eucalipto leva ao desenvolvimento. Pelo contrário, leva ao envenenamento, à perda de produção de água, de polinização, de biodiversidade e de outros serviços ecossistêmicos. Nós precisamos aumentar os percentuais de conservação e de adequação ambiental e produtiva e olhar para a pecuária como a grande parceira do Pampa”, finaliza. 

Beatriz Ortiz é graduada em jornalismo (UFU) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).