Por Leonardo Fernandes
O sistema robotizado de empacotamento de celulares desenvolvido por pesquisadores brasileiros é adotado como padrão nas operações de multinacional. Entretanto, a manufatura avançada no Brasil ainda tem um longo caminho para se consolidar na indústria devido à falta de informação do empresariado.
Da folha de papelão até a caixa montada, levam aproximadamente 10 segundos para que um smartphone Motorola, divisão de celulares da Lenovo, esteja empacotado. Na planta da fabricante terceirizada de produtos eletrônicos Flextronics, em Jaguariúna, no interior de São Paulo, o processo que antes era feito a mão por funcionários – envolvendo dobraduras, paciência meticulosa e inúmeras repetições –, desde 2014 é executado por unidades totalmente automatizadas, com o mínimo de contato humano.
Funciona assim: o papelão é distribuído pelo primeiro módulo e segue por uma esteira até a próxima máquina, onde é dobrado de acordo com as especificações da embalagem; após o aparelho ser posicionado por braços mecânicos, a única etapa que envolve os empregados é a colocação dos acessórios; a partir daí, as caixas seguem para a unidade de fechamento e a de colagem do lacre, prontas para a última inspeção eletrônica contra falhas; ao final da operação, os pacotes individuais são reunidos em um fardo, para serem despachados para transporte.
Desenvolvido pelo Flextronics Instituto de Tecnologia (FIT), braço brasileiro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da multinacional americana Flextronics, o sistema de empacotamento em módulos atualmente produz 600 unidades por hora, responsável por um aumento de rendimento de 40% por hora trabalhada. Um resultado tão satisfatório que a tecnologia nacional foi adotada como padrão das operações mundiais da Motorola/Lenovo.
Fundado em 2003, o centro de pesquisas privado está ajudando a desenvolver um modelo de operações para avançar a indústria brasileira rumo à manufatura avançada. Baseado na digitalização do processo produtivo, essa nova etapa da revolução industrial inclui a integração de automação e dados para melhorar a produtividade.
Os robôs que hoje ocupam o chão da fábrica, por exemplo, foram elaborados através de uma prova de conceito, responsável por simular todo o equipamento antes mesmo de ser montado. Os movimentos das máquinas, tarefas que irão executar e a interação com o ambiente puderam ser testados virtualmente antes de se tornarem um protótipo, o que garante reduções de custos e de prazos.
Outro ponto de destaque é o refinamento desses aparelhos, que permitem sua operação lado a lado com técnicos nas linhas de montagem, sem que essa convivência exija cercas de segurança. Não há risco de o funcionário se ferir, porque o robô consegue detectar quando tocam em algo – a técnica é conhecida como robótica colaborativa.
Pequenas e flexíveis se comparadas à robótica industrial, essa nova geração de máquinas pode ser usada em linhas de montagem já construídas, sem necessidade de grandes modificações. E o melhor: é possível reprogramá-las para se adaptar a novos produtos, uma vantagem estratégica já que a vida útil de um celular é de quatro anos, em média.
“Antes da indústria 4.0, existia uma barreira entre o design e a manufatura. As fábricas não faziam parte do desenvolvimento de projetos, já que eram percebidas apenas como ‘montadoras’ de produtos. E isso sempre foi uma dificuldade muito grande para criar processos inovadores. O surgimento da ‘big data’ (análise estatística de grandes quantidades de dados), mudou esse quadro: as decisões têm que ser tomadas dentro da fábrica, às vezes pelas próprias máquinas, a partir de informações fornecidas em tempo real. A fábrica em Jaguariúna vem se tornando referência porque contempla todas as atividades da cadeia produtiva, do projeto ao celular pronto”, afirma Mario Bonifácio, engenheiro responsável pelo departamento de P&D do FIT.
Apostando no futuro
A experiência bem-sucedida do instituto também é resultado de incentivos do governo federal, via Lei da Informática. A política, em vigor desde 1991, permite que empresas que fabricam eletrônicos no Brasil tenham descontos de até 80% do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) se investirem 5% do faturamento desses produtos em pesquisa e desenvolvimento. De acordo com dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 600 empresas se beneficiam da redução tributária anualmente, totalizando R$5 bilhões de renúncia fiscal. Desse total, R$ 1,5 bilhões são reinvestidos em ciência e tecnologia, hoje destinados a 300 universidades e institutos voltados para pesquisas na área de tecnologia.
Embora o modelo de incentivo fiscal esteja dando resultado, ainda está longe do ideal. Segundo pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e os institutos de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Unicamp, a manufatura avançada no Brasil hoje alcança apenas 1,6% da indústria. O estudo lançado em abril de 2016 entrevistou 2.225 empresas – sendo 910 pequenas, 815 médias e 500 grandes –, de 29 setores da indústria de transformação e extrativa.
O levantamento demostra que ainda há um desconhecimento do empresariado sobre o assunto: 42% das empresas não sabem a importância das tecnologias digitais para a competitividade da indústria e mais da metade delas (52%) não utilizam nenhuma tecnologia digital, dentre uma lista com 10 opções.
Na opinião de Robert Cooper, professor doutor em engenharia mecânica e docente do Departamento de Engenharia de Manufatura e Materiais da Unicamp, embora o país não esteja atrasado em relação ao que ocorre no mundo, levando em consideração que a indústria 4.0 ainda é incipiente por aqui, é preciso estabelecer uma estratégia mais clara para que não fique para trás.
“Muitas empresas multinacionais com sede no Brasil têm começado projetos de implantação de manufatura avançada em suas fábricas. Porém, está faltando uma análise mais detalhada do contexto da indústria, com todas suas potencialidades e carências, tanto no setor privado como no governo”, atenta.
Mesmo com a baixa participação da indústria nacional, a pesquisa também mostra que a nova revolução tecnológica é uma tendência que deve crescer de forma acelerada nos próximos anos. Das 759 empresas entrevistadas, 28,1% pretendem atingir um processo totalmente digitalizado em até uma década.
A consultoria Accenture estima que a adoção da indústria 4.0 nos diversos setores da economia deverá impactar o PIB brasileiro em aproximadamente US$ 39 bilhões até 2030. O ganho pode alcançar US$ 210 bilhões, caso o Brasil crie condições para acelerar a absorção dessas tecnologias, o que depende de fatores como: estabilidade política e econômica do país, melhorias em infraestrutura, investimento em programas de difusão tecnológica e modernização das leis. Já a consultoria McKinsey prevê que o investimento em manufatura avançada poderia reduzir, nos próximos oito anos, os custos de manutenção de equipamentos entre 10% e 40%, cortar o consumo de energia entre 10% e 20% e aumentar a eficiência da mão de obra entre 10% e 25%.
Países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda estão tentando entender como essa transição poderia ser aplicada de acordo com a sua realidade. Um dos possíveis caminhos seria a inclusão das pequenas e médias empresas ao processo, já que são as que apresentam mais riscos de não conseguirem sobreviver no novo ambiente competitivo. “Pensando nos novos desafios de customização e flexibilidade na produção, onde as grandes empresas de produção em massa deixam de ser relevantes, temos de olhar para as pequenas empresas e a possibilidade de criação de arranjos produtivos locais. Não só de tecnologia, mas também de serviços, que junto com as novas tecnologias podem criar sistemas produtivos mais eficientes e mais sustentáveis”, conclui Cooper.
Leonardo Fernandes é jornalista (UFPA) e aluno do curso de especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.