Por Maíra Torres
Quando foi usada pela primeira vez para computar os votos de um terço da população no Brasil, em 1996, a urna eletrônica já vinha com um recurso para incluir um grupo específico: o braile.
Os deficientes visuais tinham o direito garantido de exercer o voto apenas desde 1988. “A nova Constituição de 1988 igualou homens, mulheres, pessoas com deficiência física ou intelectual, mobilidade reduzida e pessoas com síndrome de Down. O direito eleitoral é o que mais reduz desigualdades, porque o peso do voto do homem mais rico é o mesmo do mais pobre, por exemplo”, explica Flávio de Leão Bastos, professor de direito eleitoral e constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O professor explica que, teoricamente, nunca houve um impeditivo para que pessoas com algum tipo de deficiência pudessem eleger seus representantes. Porém, havia as limitações do voto em papel, que também excluía analfabetos e pessoas com alguma dificuldade com a escrita, por exigir o nome completo do candidato, e não o número – mudança implementada apenas com a urna eletrônica.
Segundo o IBGE, são 17,3 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, e as preocupações por inclusão têm se intensificado ao longo dos anos. Ainda sobre eleições, Bastos complementa que também foi incluída a confirmação sonora nas urnas eletrônicas, a possibilidade de dispor de fones de ouvido em algumas seções e, neste ano, o aviso de libras na tela.
Além da urna, o Tribunal Superior Eleitoral também permite que pessoas com deficiência, síndrome de Down ou mobilidade reduzida levem um acompanhante para digitar os números ou auxiliar na hora do voto, desde que essa pessoa seja de confiança do solicitante e não pertença a partidos políticos.
“Outra medida importantíssima para tornar o voto mais acessível foram os coordenadores de acessibilidade. No caso de São Paulo, há um para cada local, sendo mais de 10 mil pessoas treinadas. Não é uma questão de querer participar, é de conseguir”, explica Luiz Francisco Cortez, professor de direito da PUC-Campinas e desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Ele explica que é obrigação da Justiça Eleitoral viabilizar o acesso, além de torná-lo prioritário em alguns casos. “Só não consegue votar quem tem um alto grau de comprometimento intelectual, por não conseguir escolher um candidato por si. Nesses casos a pessoa nem tira título de eleitor”, exemplifica Cortez.
Raphael Preto Pereira, jornalista e eleitor paulistano de 28 anos, tem paralisia cerebral com hemiparesia espástica, e vota desde os 16. Ele argumenta que nunca teve dificuldades em exercer a cidadania por sempre utilizar seções já adaptadas para casos como o dele, que precisa de cadeira de rodas para caminhar distâncias maiores.
“Eu, particularmente, nunca tive dificuldade. Quem tem algum tipo de deficiência pode transferir a seção, e os coordenadores também têm o dever de ajudar”, explica.
Legalmente, o eleitor com deficiência tem até 151 dias antes do pleito para transferir o local de votação para uma seção instalada no térreo, com rampas ou elevadores, por meio de um cartório eleitoral. Para aqueles com necessidades mais específicas, é possível comunicar ao juiz eleitoral, por escrito, quais seus pedidos e restrições, para que sejam providenciados ajustes.
As questões da acessibilidade, no entanto, ultrapassam o amparo legal dos eleitores. Como prerrogativa, todo cidadão pode “votar e ser votado”, mas quando o assunto é garantir a acessibilidade dos candidatos, há também problemas. Muitas vezes nem o diretório conta com acesso adequado.
“Os partidos políticos, especialmente os menores, apresentam vários problemas de restrição à cidadania”, aponta Bastos, explicando que se tratam de instituições de interesse público, essenciais à democracia, e que deveriam, por esse motivo, atender a diretrizes constitucionais para promover a redução das desigualdades. A viabilização dos direitos políticos é um dever de qualquer entidade, mesmo que particular ou do direito privado.
“A Lei Eleitoral e a Justiça Eleitoral propõem e garantem o acesso às pessoas com deficiência. Se, por exemplo, um candidato deficiente quiser concorrer e não receber sua cota de participação partidária, o partido deve responder por isso”, exemplifica Bastos.
Ao seu ver, a discriminação entre pessoas com mobilidade reduzida, assim como outros grupos, é resultado de um processo histórico que constituiu o país, cujo sistema econômico é baseado na desigualdade social. “A pessoa com qualquer tipo de deficiência que não a permita corresponder à produtividade esperada, sofre preconceito. Isso só muda com a educação. E não basta não discriminar ou ser neutro, é preciso ser anti-capacitista”, defende o professor.
Pereira destaca que a visão política que se tem sobre candidatos deficientes ainda é muito rasa, porque se esperam somente ações voltadas às minorias, sem questionar outras áreas, como saúde, economia. “É preciso ter mais representantes com deficiência, sim. Mas não adianta achar que alguém deficiente vai votar só por esse motivo. Muitas vezes o ideal daquele candidato não me representa, independente do grupo a que ele pertença”.
Maíra Torres é jornalista e aluna do curso de especialização em divulgação científica Labjor/Unicamp