Por Patricia Mariuzzo
Foto: Gabriela Celani
Já nos anos 2000 a região do planalto de Saclay, comuna nos arredores de Paris, se destacava como uma das maiores concentrações de infraestrutura de pesquisa da Europa, abrigando instituições tradicionais como a Universidade Paris-Saclay, a Universidade de Versalhes, a École Polytechnique e a sede da Comissão Francesa de Energia Atômica, além do centro de pesquisa da Danone. Mais recentemente também foi instalado lá o laboratório de pesquisa Soleil Synchrotron. Por conta destas características, a região foi escolhida para sediar o projeto de “Estabelecimento de Desenvolvimento Público Paris-Saclay” (Epaps). Conforme descreve documento publicado no site do Epaps, atualmente, o conjunto de instituições concentra 15% da pesquisa nacional, fazendo de Paris-Saclay um dos oito maiores centros de inovação do mundo, onde convivem 16 mil pesquisadores e 68 mil estudantes, incluindo quatro laureados com o Prêmio Nobel e 11 Medalhas Fields. Estão presentes 360 laboratórios de pesquisa e empresas como Siemens, GE Health Care, Intel e IBM, compondo um ecossistema de inovação que reúne as características de um distrito do conhecimento de quarta geração, isto é, baseado na chamada quíntupla hélice, formada por empresas, universidades, poder público, sociedade civil e meio ambiente.
O cluster começou a ser idealizado, em 2007, pelo presidente Nicolas Sarkozy como parte do projeto emblemático da Grande Paris de transformar a região um uma força motriz para a renovação da indústria francesa e europeia. Os investimentos do governo federal foram da ordem de 3,5 bilhões de euros. Além dos recursos financeiros, a criação desse super campus aconteceu por meio um grande esforço de articulação que viabilizou a união de universidades e instituições de pesquisa e ainda o apoio de gestores municipais e de associações da sociedade civil.
Ambiente de inovação sustentável
Desde o início, o projeto teve grande preocupação com as questões relacionadas à sustentabilidade, proteção das matas nativas e manutenção das áreas agrícolas que já estavam presentes na região. Todo o desenvolvimento urbano de Paris-Saclay é feito em uma área limitada, porque um dos eixos do projeto e a preservação das áreas de plantação agrícola e de quatro hectares de florestas no entorno do campus, que estão sob a proteção da Universidade Paris-Saclay. Em 2010, foi criada a Zona de Proteção Natural Agrícola e Florestal do Platô de Saclay. Além disso, a fase de implantação do cluster contou com um processo participativo realizado por meio de entrevistas e seminários envolvendo as administrações estaduais, departamentais e regionais; câmaras consulares; dirigentes de organizações de pesquisa e ensino superior; representantes das áreas agrícolas e de associações ambientais.
Em 2018 foi publicada uma carta definindo regras para a ocupação do território que incluem evitar construir para não impermeabilizar o terreno; reduzir o impacto no ambiente e desenvolver ações de compensação. Baseado em um projeto urbano compacto, a ideia foi criar um ambiente de inovação sustentável para morar, estudar em trabalhar. Para isso, o distrito também dispõe de moradias, incluindo habitação social, ou seja, alojamento para estudantes e pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para a arquiteta e pesquisadora do Ceuci, Adriane Eloah, os distritos do conhecimento e inovação beneficiam-se do engajamento e da inclusão social, bem como da participação ativa da comunidade, do compartilhamento de ideias e da colaboração interdisciplinar que fomentam a inovação e atraem investimentos e talentos, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico.
No super campus, quando um prédio é demolido, há estratégias específicas para reciclar os resíduos, as técnicas de construção são selecionadas visando ao menor impacto no meio ambiente, utilizando, por exemplo, 50% de madeira na estrutura das novas construções. Lagos artificiais, jardins de chuva e telhados verdes são algumas das estratégias adotadas para drenar água da chuva, evitando alagamentos nas áreas mais baixas. Parte da energia utilizada nos sistemas de aquecimento e de ar condicionado é fornecida por energia geotérmica, aproveitando as altas temperaturas de reservatórios subterrâneos naturais de água. Há ainda um projeto de monitoramento da biodiversidade, que conta com o apoio de um comitê científico criado especificamente para esse fim. “A valorização da dimensão ambiental, por meio de práticas sustentáveis e de uma economia verde, atrai oportunidades de negócios, estimulando o crescimento econômico e fortalecendo a resiliência do distrito”, afirma Eloah, que estuda a vitalidade urbana em distritos de conhecimento e inovação.
Mobilidade
Uma das motivações que resultaram na escolha da região de Saclay foi descentralizar as atividades de pesquisa, inovação e tecnologia, considerando que a cidade de Paris está saturada em termos de habitação e transportes. A mobilidade ainda é um desafio. Mesmo próximo de Paris, o deslocamento para o campus e internamente ainda é fortemente baseado no automóvel. Para facilitar os deslocamentos cotidianos e reduzir o uso do carro, o governo federal está investindo em uma nova linha de metrô. Com 35 quilômetros de extensão, ela conectará o planalto de Saclay a Paris e ao Aeroporto de Orly. A primeira fase entra em operação em 2026. A previsão é que a linha de metrô consolide a inserção do cluster na dinâmica metropolitana da Grande Paris, conectando-o a outros polos econômicos, centros culturais, “potencializando o desenvolvimento de negócios e a criação de empregos, além de estimular o desenvolvimento das áreas urbanas ao redor das estações, promovendo verdadeiros espaços de vida”, conforme texto publicado no site do Epaps.
Além disso, para incentivar a mobilidade ativa, o campus também dispõe de pontos de recarga para carros elétricos, ciclovias e trilhas de caminhada. A Universidade Paris-Saclay, por exemplo, criou 10 estações de compartilhamento de bicicletas e em uma rede de ciclovias na área urbana do campus. Carros também podem ser compartilhados por meio de uma parceria com o aplicativo da Blablacar.
A comunidade do campus
Entre os projetos que se destacam na Universidade Paris-Saclay é a criação de um Parque Botânico aberto à visitação da comunidade, de um pomar com 150 variedades de árvores e a recuperação do Rio Yvette, que margeia o campus. Boa parte dos alimentos que abastece o campus é adquirida nas fazendas e propriedades do entorno, fortalecendo os produtores e reduzindo custos de logística. Além disso, a universidade desenvolve ações junto à comunidade de alunos, professores e colaboradores para gerar engajamento em relação às questões ambientais. Na área educacional, o objetivo é fomentar a conscientização dos estudantes sobre as questões globais da transição ecológica por meio de uma disciplina obrigatória para todos os alunos de bacharelado dos 37 cursos de graduação. Há também treinamentos específicos sobre o impacto ambiental para alunos de pós-graduação. Para Eloah, a conscientização e o engajamento social em prol da conservação ambiental incentivam práticas sustentáveis e a preservação de espaços verdes, contribuindo para a saúde e o bem-estar da comunidade. “Simultaneamente, um ambiente saudável e sustentável é fundamental para a qualidade de vida da comunidade, reforçando o sentimento de pertencimento e responsabilidade compartilhada pela preservação do nosso entorno”, finaliza a pesquisadora.
Patrícia Mariuzzo é especialista em divulgação de ciência, gestora de comunicação do Hids Unicamp e pesquisadora associada do Ceuci.