Os peixes da Amazônia estão vulneráveis frente às ações humanas

Por Juliana Vicentini

Mineração, queimadas e mudanças climáticas são algumas das atividades que colocam em risco três mil espécies já catalogadas

A biota aquática da Amazônia é um patrimônio natural bastante diverso. Ela é composta por insetos, crustáceos, moluscos, plantas, algas, anfíbios, répteis, mamíferos, rotíferos (animais microscópicos) e poríferos (conhecidos como esponjas). Também há peixes de grande porte como o tambaqui (Colossoma macropomum), espécies carnívoras a exemplo da piranha (família Characidae) e ornamentais como o peixe-cardeal (Paracheirodon axelrodi).

Os peixes da Amazônia são extremamente importantes, pois oferecem diversos serviços sociais e ecossistêmicos. Dentre eles, destacam-se o fato de integrarem a dieta da população, serem fonte de renda, regularem o ciclo de nutrientes na água, controlarem a proliferação de espécies que podem gerar desequilíbrio ecológico, fazerem parte de práticas culturais de povos tradicionais e ribeirinhos, e promoverem o ecoturismo, detalha o artigo publicado por Fernando Pelicice e colaboradores.

O território amazônico possui três mil espécies de peixes conhecidas e esse número pode aumentar. “Com o advento da biologia molecular aplicada a esses processos de identificação de espécies é muito provável que isso seja revisto. O próprio pirarucu (Arapaima gigas), dado como um gênero mono específico, deixou de ser. Há um processo que vai desmembrar em pelo menos mais uma ou duas espécies. É muito difícil dar um número final, mas, hoje, são três mil com nome e sobrenome”, explica Adalberto Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

A biodiversidade de peixes amazônicos envolve espécies de respiração aérea obrigatória, que dependem do oxigênio atmosférico para respirar, e espécies com respiração aérea facultativa, que utilizam o oxigênio disponível na água caso esteja disponível em quantidades adequadas. “Há algumas outras espécies que são de respiração aquática, mas que desenvolveram mecanismos para poder tomar oxigênio próximo à superfície da coluna d’água”, completa Adalberto Val que também é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

O rastro do petróleo

Enquanto as mudanças climáticas demonstram a necessidade de uma transição energética, há 1,3 milhão de km² da Amazônia que estão sobrepostos por alguma fase exploratória da indústria fóssil, sendo que 2.658 áreas estão na Amazônia Legal, aponta a Amazônia Livre de Petróleo. No Brasil, há 871 blocos de petróleo mapeados na região, representando 29% do total dos projetos dos países panamazônicos, detalha o relatório da Arayara.

Alguns rios na região possuem disponibilidade de oxigênio muito baixa, como Amazonas e Negro, e quando alguma substância atinge esses corpos d´água, compromete o ecossistema aquático. No caso do vazamento de petróleo, ele “fica na superfície, na interface entre a água e o ar, e não permite que o ar se dissipe para dentro da coluna d’água. Isso ocorre porque ele é mais denso, oleoso. Os peixes que dependem dessa interface para respirar acabam encontrando petróleo e se contaminam”, detalha o pesquisador do Inpa.

Além do óleo que fica nos corpos d´água, a exploração de petróleo também traz o problema da salinidade ao ecossistema. “Quando extraímos o petróleo, para cada barril de óleo vem cerca de nove barris de água de formação. Essa água de formação tem uma quantidade de sais muito alta e alguns metais também que são tóxicos. Então, normalmente as companhias reinjetam essa água no poço para manter a pressão e poder extrair o petróleo. Uma parte disso, por conta da pressão do que é reinjetado, alcança os corpos d’água. Isso tem um efeito muito grande sobre os peixes da Amazônia porque eles vivem em ambientes que são muito pobres ionicamente. Quando há uma contaminação com muito sal, eles o absorvem e morrem”, completa Adalberto Val.

A presença dos metais

Os metais são classificados em três tipos: (1) essenciais, que são aqueles benéficos ao organismo, como sódio, potássio e cálcio; (2) essenciais e contaminantes ao ambiente, a exemplo do zinco, ferro e manganês; (3) não essenciais, que não desempenham funções biológicas e são tóxicos ao ambiente, como mercúrio, chumbo, alumínio, titânio, cádmio e ouro, descreve o relatório disponibilizado pelo Departamento de Microbiologia da USP.

Na Amazônia a exploração dos metais concentra-se nas empresas Vale, Norsky Hidro e Alcoa, aponta Dário Bossi ao portal Ecodebate. Em 2024, a mineradora canadense Potássio do Brasil ganhou a licença ambiental para iniciar a extração de potássio na região, afirma Fábio Bispo ao InfoAmazônia. Juntas, essas corporações detêm mais de 45 mil concessões mineradoras na Amazônia, complementa Bossi.

Um dos grandes problemas enfrentados é o garimpo ilegal de ouro. Segundo o relatório do Mapbiomas, a Amazônia concentra mais de 90% dessa atividade no Brasil. A pesquisa conduzida pelo WWF em parceria com a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) destaca que mais de 150 toneladas de mercúrio são despejadas anualmente na Amazônia Legal.

Adalberto Val explica que o mercúrio é utilizado para separar o ouro depois que ele está garimpado, pois é o único metal líquido, e evapora facilmente com calor. Depois, perde a temperatura e volta a precipitar. “Está concentrado em locais de mineração, mas se espalha por toda a Amazônia. Também jogam o que sobra do mercúrio na beira do rio e aí contamina todo o sistema”, alerta o pesquisador.

Os peixes são vulneráveis ao mercúrio, que bioacumula. “Ele não fica só nas escamas, é absorvido por fígado e trato digestivo, por exemplo. Isso acontece porque ele é mais solúvel, mais tóxico e penetra mais rapidamente no corpo dos animais”, esclarece Val.

A Organização Mundial de Saúde adverte que a concentração de mercúrio em peixes deve ter como máximo 0,5 ppm. De acordo com os estudos realizados pelo Observatório do Mercúrio na Amazônia e pelo WWF, 31% dos peixes apresentaram valores maiores do que o limite estabelecido. Dentre as espécies com maior concentração, destacam-se dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) com 8,71ppm, apapá (Pellona castelnaeana) com 7,48 ppm e piranha-preta (Serrasalmus rhombeus) com 5,00 ppm. A contaminação dos peixes coloca em risco as populações que os consomem.

As chamas para além do ambiente terrestre

Em 2024, a área queimada da Amazônia atingiu 25 milhões de hectares, segundo o Mapbiomas. O fogo na floresta causa impactos no ecossistema aquático, com a mortandade de peixes. Isso ocorre “porque a destruição chega nas áreas de interface da terra firme e dos ambientes aquáticos. Em alguns casos há até a queima dessa vegetação aquática superficial, portanto, um ambiente aquático pegando fogo”, detalha Adalberto Val da ABC.

O pesquisador do Inpa ainda destaca mais danos relacionados. “Depois do fogo, as cinzas, com metais e compostos orgânicos tóxicos para os animais, correm para dentro dos corpos d´água. Elas são alcalinas e as águas da Amazônia, em geral, são ácidas. Isso muda o pH típico e interfere na sobrevivência dos animais”, diz. Além disso, as espécies de respiração aérea respiram a fumaça. “Eles acabam morrendo por causa da intoxicação dessa fumaça das queimadas”, diz.

Os efeitos das mudanças climáticas

 Os peixes da Amazônia são mais vulneráveis do que espécies encontradas em outros biomas, porque “vivem próximos aos limites térmicos. Então, qualquer pequeno aumento de temperatura é um risco. Temos uma mortalidade muito grande de peixes quando há aumento da temperatura”, lamenta Adalberto Val.

Além disso, os peixes também sofrem com a alteração química da água, destaca o pesquisador. “As mudanças climáticas tornam os ambientes da Amazônia, que já são ácidos, ainda mais ácidos, porque o aumento de CO2 sobre as águas forma o ácido carbônico. Ele torna as águas ainda mais quentes e ainda mais hipóxicas (com menos oxigênio)”, adverte.

Ao longo do processo evolutivo os peixes desenvolveram adaptações, mas não para dar conta de situações climáticas extremas e rápidas. “O CO2 aumentado no sistema causa um mundo de modificações e muitos não vão conseguir sobreviver por conta delas”, completa o pesquisador do Inpa.

Juliana Vicentini é doutora em ciências (USP) e especialista em jornalismo científico no Labjor/Unicamp