Os engenheiros do caos

Por Cristiane Kämpf

Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, livro de Giuliano da Empoli, é alarmante, essencial e de leitura rápida. Porém, traz referências que podem render muitas horas de pesquisa sobre o uso político das redes sociais e sua relação com a nova onda nacionalista e o enfraquecimento da democracia representativa ao redor do mundo. Esta resenha tem o simples objetivo de despertar a curiosidade e incentivar possíveis leitores do trabalho. Para uma análise essencial a partir da ciência política fica a sugestão do texto “A engenharia do caos – é essa a nova política?”, de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, professor da Unicamp, falecido em 2019.

Disponível gratuitamente na internet, o livro mostra de que maneira os algoritmos do Facebook e outras redes sociais estão sendo utilizados para fomentar movimentos populistas e nacionalistas de direita e extrema-direita que ameaçam o modo convencional de se fazer política, jogando partidos e políticos tradicionais no mais completo descrédito.

Os “engenheiros” do título são especialistas em comunicação e marketing digital que vêm subvertendo as regras do jogo político e sem os quais Donald Trump, Boris Johnson, Matteo Salvini e mesmo Jair Bolsonaro talvez nunca tivessem chegado ao poder.

O mais famoso deles é Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Donald Trump e apoiador e conselheiro da família Bolsonaro, mas o autor nos apresenta outros exemplos estarrecedores: Milo Yannopoulos, jornalista britânico e gamer, considerado pela mídia americana como porta-voz do movimento alt-right ou direita alternativa; Arthur Finkelstein, mentor de Viktor Orbán, o ultrarreacionário primeiro-ministro húngaro, líder do maior partido político no país; e o precursor de todos eles, o italiano Gianroberto Casaleggio, que já no início dos anos 2000 escalou um conhecido comediante do país para assumir o papel de “avatar” do Movimento 5 estrelas (M5S), que se define como um “não-partido” e atualmente é um dos maiores grupos políticos do país.

São eles, juntamente com especialistas em big data e empresas como Cambridge Analytica (que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral), que inventam e continuamente aperfeiçoam algoritmos com o propósito de conhecer cada vez mais e melhor quem são e o que pensam os usuários das redes – só no Facebook, já são 3 bilhões de pessoas, ou seja, quase metade da população mundial. O objetivo é nada menos que, basicamente através de notícias falsas e teorias da conspiração, conquistar mais visibilidade e votos para seus personagens e causas políticas. O autor adverte, no entanto, que tal estratégia pode ser e é utilizada por grupos tanto à direita quanto à esquerda do espectro político. A especificidade do M5S é destacada já no primeiro capítulo, pois “o algoritmo pós-ideológico do movimento colheu um terço dos votos dos italianos nas eleições graças a uma plataforma sem nenhum conteúdo político e, portanto, pronta a ser utilizada por qualquer um para chegar ao poder”.

A engenharia do caos como projeto, inclusive no Brasil

Alguns aspectos da situação política atual no Brasil também são abordados. No capítulo três (“Waldo conquista o planeta”, que faz referência ao episódio da série Black mirror, no qual um urso digital enfrenta e derrota um político tradicional), o autor cita explicitamente o fato de que os “comunicadores a serviço do candidato ultranacionalista Jair Bolsonaro driblaram os limites impostos aos conteúdos políticos no Facebook comprando milhares de números de telefone para bombardear quem utiliza o Whatsapp com mensagens e fake news”.

Logo depois ele alerta, entretanto, que a verdadeira vantagem competitiva dos “Waldos” tupiniquins ou estrangeiros não é de caráter técnico. “Ela reside na natureza dos conteúdos nos quais se baseia a propaganda populista”, ou seja, na “liberação das palavras e dos comportamentos”, na “vulgaridade e insultos que deixam de ser tabus”, nas gafes aparentes – mas na verdade planejadas – e que conferem autenticidade, sendo percebidas como comprovação de que o político é próximo ao povo. Assim, preconceito, racismo, discriminação de gênero saem todos do buraco, pois geram “mais engajamento, muito mais do que os debates enfadonhos da velha política”. Likes, compartilhamentos e visibilidade geram capital político e quanto mais indignação da mídia e dos intelectuais, mais os políticos-waldos são vistos como anti-establishment por sua base apoiadora.

Os paralelos com a situação brasileira são imediatamente estabelecidos e elimina-se qualquer dúvida que ainda pudesse restar: a atual situação política brasileira é parte de um movimento organizado, internacional e crescente de enfraquecimento da democracia representativa e da política nos moldes que conhecemos.

Quando terminar de ler o livro, você provavelmente vai tentar mais uma vez sair do Facebook. O qual, aliás, lembremos, não é considerado um órgão de informação e, portanto, não precisa responder legalmente pelos conteúdos que publica.

Serviço:
Os engenheiros do caos – como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições
Giuliano da Empoli
Editora Vestígio, 2019
192 páginas

 

Cristiane Kämpf é jornalista especializada em ciência e assessora de imprensa na Unicamp